Morreu neste domingo, 3, no Rio de Janeiro, aos 88 anos, o cientista político, filósofo, diplomata e ensaísta Sergio Paulo Rouanet, criador da Lei Rouanet, a mais polêmica legislação dos últimos 30 anos. Ele sofria do Mal de Parkinson. O embaixador criou a lei que foi apelidada com seu nome quando foi Secretário de Cultura do governo Fernando Collor, entre 1991 e 1992, mas pouco falou sobre ela após deixar o governo. Disse certa vez, em tom de brincadeira, que gostaria mesmo de esquecer os anos de sua presença no governo. “Eu até preferia evitar falar sobre esse assunto, se não se importa”, afirmou.
Durante uma conferência na USP, em 2016, ele contou que, nos anos 1990, quando foi sondado para assumir a pasta nacional da Cultura, procurou amigos para se aconselhar, ouvir opiniões. O diplomata, empresário e financista Walter Moreira Salles teria lhe dito: “Se você quiser realmente saber sobre cultura, não procure um intelectual; intelectuais só querem saber de dinheiro. Procure um banqueiro”, afirmou.
Pode ter sido uma boutade, mas a Lei Rouanet parece mesmo ter sido engendrada seguindo esse princípio, já que historicamente sempre beneficiou com mais assiduidade os grandes grupos financeiros. Ainda assim, tem sido usada como muleta ideológica por extremistas para criminalizar o setor artístico, que manteria o hábito de “mamar em suas tetas”, para usar uma expressão popular no espectro da extrema direita. O princípio da legislação é o da renúncia fiscal: empresários e pessoas físicas destinam parte do seu Imposto de Renda devido para financiar atividades culturais, e na hora de fazerem suas declarações de rendimentos, esse valor é abatido do imposto a pagar.
Rouanet, apesar de ter se distanciado do tema, mantia uma opinião positiva sobre a legislação, achava que ela poderia ser turbinada na era moderna. “Nos anos 90, não havia tecnologia”, afirmou. “Mas estamos agora em 2016, e vivemos numa era em que o Twitter e o Facebook têm o poder de derrubar governos, organizar manifestações, driblar a lei seca. Chegou a hora de usar essa tecnologia”.
Conservador clássico, mais identificado com a direita do que com a esquerda, Rouanet angariou, entretanto, respeito em todas as frentes. “Foi um refinado pensador da crise da modernidade. Tive a honra de dialogar com ele e de analisar suas ideias em meu livro Anjos da perdição”, escreveu o jornalista gaúcho Juremir Machado da Silva sobre a morte de Rouanet. “Para mim, foi um homem pleno, humanista, intelectual, pensador da cultura e um dos mais importantes gestores culturais, que deixa, entre tantas outras contribuições para a cultura brasileira, também esta lei, sempre maltratada, mas, sem dúvida, uma grande política de Estado”, afirmou Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural.
Rouanet era diplomata de carreira e foi embaixador do Brasil na Dinamarca e na República Tcheca. Tornou-se o oitavo ocupante da Cadeira nº 13 da Academia Brasileira de Letras, eleito em 23 de abril de 1992. Foi professor visitante na pós-graduação em sociologia da Universidade de Brasília (UnB), professor do Instituto Rio Branco e professor visitante da Universidade Oxford, no Reino Unido. Graduado em ciências jurídicas e sociais pela PUC do Rio de Janeiro (com pós-graduação em economia pela George Washington University), em ciências políticas pela Georgetown University, e em filosofia pela New York School for Social Research. Na USP, fez o doutorado em ciência política. Foi o primeiro titular da Cátedra Olavo Setúbal de Arte, Cultura e Ciência do Instituto de Estudos Aplicados da USP. Era casado com a socióloga Barbara Freitag, professora emérita da UnB, e tinha três filhos.