Congresso já estuda abrir a CPI do Sertanejo, o escândalo da hora

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No próximo domingo, 5 de junho, cada um dos 15 mil habitantes da pequena cidade de Teolândia, na Bahia (a 271 km de Salvador), querendo ou não, vai pagar 50 reais por um show do artista sertanejo Gusttavo Lima. O pagamento acertado entre a empresa de Lima, a Balada Eventos e Produções, e a prefeita Maria Baitinga de Santana, conhecida como Rosa Santana (PP), é de 700 mil reais para que o sertanejo se apresente na Festa da Banana do município. Sem licitação.

Para se ter uma ideia da “fartura” administrativa de Teolândia: neste momento, a cidade está com a delegacia fechada por falta de delegado. A cidade ficou praticamente submersa durante as inundações de abril e a zona rural ficou inteirinha devastada.

A voracidade das gestões municipais paupérrimas em direção ao sertanejo de cachês astronômicos é algo epidêmico. Shows milionários de Gusttavo Lima em cidades muito pobres já estão acertados para o ano todo. Por exemplo: para o próximo dia 15 de setembro, a cidade de Campos Gerais (MG) contratou por 800 mil reais um show de Gusttavo na Festa do Peão – Campos Gerais tem 28 mil habitantes, ou seja, cada cidadão vai pagar 28 reais pelo show, também contratado sem licitação pelo prefeito Miro Lúcio Pereira (PSDB).

As desventuras da revelação dos contratos públicos (não tão públicos) do cachê mais alto do universo sertanejo começaram há alguns dias, quando o jornal Estado de Minas revelou que ele ganharia uma cifra quase milionária, 800 mil reais, para um show na pequena São Luiz, em Roraima, de apenas 8 mil habitantes. Em seguida, revelou-se que ele ganhou ainda mais, 1,2 milhão de reais, para um show em Conceição do Mato Dentro (MG), de apenas 17 mil habitantes. Ao ser flagrado, o prefeito mineiro cancelou o show, mas o cachê de 600 mil do sertanejo foi pago.

O Ministério Público Estadual, em Roraima e Minas Gerais, entendeu rapidamente a questão: não se trata apenas de excentricidade dessas gestões, mas de um verdadeiro massacre contra os cofres públicos. O volume de recursos investidos nessas apresentações milionárias retira dinheiro de áreas sensíveis, como educação e saúde. Gusttavo Lima é partidário de primeira hora de Jair Bolsonaro, e na semana passada descobriu-se também que o fundo de investimentos One7, que administra a carreira do sertanejo (e outros sete artistas) ganhou um edital para receber 320 milhões de reais do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O nome do fundo remete ao ex-número eleitoral de Bolsonaro, 17 (One Seven), o que sugere direcionamento de verbas. Só para fins de comparação (já que são coisas essencialmente diferentes; a verba das prefeituras e do BNDES é dinheiro direto na conta corrente), essa associação já coloca no chinelo o maior caso de mau uso da Lei Rouanet em toda sua existência de mais de duas décadas, o caso do produtor Belini, estimado em 80 milhões de reais pela Polícia Federal. Belini foi apanhado e recebeu multas quase cinco vezes maiores do que o desvio.

Deve acontecer um efeito dominó de cancelamentos de shows milionários de sertanejos nos próximos meses, com as administrações municipais agora sob escrutínio público. Isso tudo se deve a uma mulher: Anitta. Não por desejo dela, mas devido a uma boquirrotice do sertanejo Zé Neto, que faz dupla com Cristiano, os dois de São José do Rio Preto, interior paulista. No dia 13 de maio último, durante um show em Sorriso, no Mato Grosso, o sertanejo, que também é bolsonarista ferrenho, resolveu cutucar a cantora carioca (que apoia Lula) usando um batido argumento dos apoiadores do presidente, o de que a Lei Rouanet seja uma “teta” pública exclusiva para artistas que apoiam a esquerda. Eis o que ele disse:

“Estamos aqui em Sorriso, Mato Grosso, um dos estados que sustentou o Brasil durante a pandemia. Nós somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet. Nosso cachê quem paga é o povo. A gente não precisa fazer tatuagem no toba para mostrar se a gente está bem ou mal. A gente simplesmente vem aqui e canta, e o Brasil inteiro canta com a gente”. Ele se referia pejorativamente a uma tatuagem que Anitta teria feito no ânus em 2021.

Mas, nos dias subsequentes, quem acabou entrando pelo cano foi Zé Neto. Além de serem revelados seus polpudos contratos com prefeituras municipais (sua empresa Nave Balada Produções Artísticas ganhou 250 mil reais de Itabaiana, por exemplo, para cantar na modesta Festa do Caminhão de 2018), a declaração iniciou uma varredura em diversos outros negócios sertanejos e despertou a curiosidade da Receita Federal, o que, dizem, levou até a uma hostilização do sertanejo por seus pares.

Já meio fora do mundo dos argumentos razoáveis, o sertanejo histórico Sergio Reis, outro bolsonarista-raiz, resolveu meter o bedelho na conversa para defender os parceiros e melou mais ainda as coisas: disse que não considera as verbas das prefeituras como verbas públicas, o que animou os humoristas. “Sergio Reis inventou o sertanejo orçamentário”, brincou o Sensacionalista (fazendo troça com o rótulo “sertanejo universitário”). Reis delira: o dinheiro das prefeituras é do povo, e os shows são contratados sem limite de valor e qualquer exigência contrapartida. Já a Lei Rouanet é um processo de captação no setor privado, o dinheiro é das empresas que abatem dos impostos, há exigência de contrapartida e o processo é amplamente fiscalizado e acompanhado por ferramenta de acesso público.

Já longe da agitação, a cantora Anitta acabou tirando onda com o episódio: “E eu achando que tava só fazendo uma tatuagem no tororó”, ela brincou no sábado, 28. Como todos os artistas que fazem turnês o ano todo, ela também já se apresentou para prefeituras, como a de Pirapora (MG), em 2019. A diferença parece residir no realismo do cachê: para Anitta, aquela prefeitura pagou cerca de 200 mil reais.

Finalmente, o escândalo “Gusttavão” chegou ao Congresso Nacional. O jornal O Estado de S.Paulo revelou que o deputado federal André Janones (Avante-MG), que é candidato a presidente da República, pagou por uma festa com show de Gusttavo Lima em sua cidade, Ituiutaba, usando uma emenda parlamentar, cerca de 2 milhões de reais. As repercussões levaram a deputada federal Luizianne Lins (PT-CE) a defender em rede social a abertura de uma CPI para investigar as relações entre as prefeituras e os sertanejos. “O povo quer saber de onde estão saindo os milhões gastos com shows de cantores sertanejos que usam o palco para fazer campanha para Bolsonaro. A mamata pelo visto não é a Lei Rouanet. O povo pede CPI do Sertanejo!”, ela declarou. Alguns deputados acreditam que o esquema envolva o pagamento de propina a administradores públicos, por conta do superfaturamento dos shows. Os desdobramentos são imprevisíveis, mas certamente essa lavagem de roupa em público muda completamente a forma como se avaliava a famosa “saúde comercial” do gênero sertanejo.

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