Lady x Macbeth, montagem em cartaz no Teatro Anchieta, do Sesc Consolação, expõe as entranhas do relacionamento do ambicioso casal de William Shakespeare. No palco, Yara de Novaes e Guilherme Leme Garcia parecem estar entre quatro paredes, conversando e duelando entre si, durante a condução de sua sanguinolenta trajetória pelo poder. A dramaturga Marcia Zanelatto, autora do texto da peça, propõe um inusitado jogo de revisitar a obra clássica a partir de pensamentos, valores e concepções de vida que não se passam mais no século XVII, mas no XXI. É importante antecipar essa informação, sem risco de spoiler, para evitar que a plateia julgue essa novíssima leitura como pretensiosa demais.
Ao trazer o casal Macbeth para tempos contemporâneos, os diretores Marcio Aurelio e Mara Borba eliminam a necessidade de recorrer a um teatro naturalista para ressaltar as novas vozes para a obra de Shakespeare. Não estão ali presentes o texto rebuscado do dramaturgo inglês, nem os diversos personagens que compõe a obra original. Ao contrário, a demanda pela extrema realidade no palco se desfaz pelas várias opções cênicas. Ao lado do diretor, está a a coreógrafa Mara Borba que fez com a teatralidade do texto de Marcia Zanelatto se tornasse visível também no corpo.
A peça Lady x Macbeth também fala por meio da elaborada cenografia (Mira Andrade), que privilegia um palco quase minimalista, composto de um tablado negro, que chega a refletir a luz como um espelho e emoldura as quatro paredes de um quarto, onde Lady e Macbeth podem fazer suas confidências de alcova. A iluminação de Aline Santini privilegia o ordenamento das falas dos personagens e deixa a cargo do público a imaginação das cenas. As trocas de figurinos, a cargo do estilista João Pimenta, sinaliza que os dois são diferentes, mas de igual importância para a narrativa. A trilha sonora do espetáculo, a cargo de Marcio Aurelio, dá a devida dramaticidade e eloquência épica que a montagem reivindica.
Essas opções, e mais a de trabalhar com poucos diálogos diretos entre Lady e Macbeth, na qual se recorre a um quase jogral de cada personagem por turno, sugere uma outra interpretação para a clássica peça escocesa. Esta nova leitura passa, necessariamente, por rediscutir o papel das mulheres na sociedade, as várias formas de sufocamento da voz feminina e a impossibilidade de Lady Macbeth exercer, de fato, o poder que tanto ambicionava. A traição é uma palavra constante, atuando como um fantasma para o casal entre quatro paredes. Mas é a rivalidade, outra palavra que marca a relação entre o rei da Escócia usurpador do trono, após matar o primo, e sua mulher, Lady Macbeth, que serve melhor para mostrar outros contornos dessa trama, se ocorresse nos dias atuais. Como contraste, recomenda-se assistir A Tragédia de Macbeth, no streaming, que valoriza o texto original de Shakespeare, embora numa montagem deste século.