A jovem Maristela (Fátima Muniz) está obcecada por perseguir rastros do riacho Pajeú, em torno do qual a cidade de Fortaleza foi erguida. Pajeú, do diretor cearense Pedro Diógenes, faz desse ponto de partida um filme. Embaralha ficção e recursos de documentário, tudo girando em torno de um rio desaparecido nas fumaças do progresso. O Pajeú, inicialmente um fantasma, vai se materializando nas buscas de Maristela, a ponto de parecer um personagem vivo – e humano.
A história é conhecida de qualquer cidade grande. No projeto de desenvolvimento de Fortaleza, o riacho fundador foi sucessivamente poluído, desviado, soterrado, camuflado, emparedado por baixo do concreto, mas indo ainda assim desaguar como esgoto na Praia Formosa. Conforme encontra pedaços de rio pela cidade, Maristela vai cruzando com pessoas que a ajudam a decifrar o sumiço. Ela os entrevista, aparentemente de improviso, dando à ficção ares de vida real, já que é disso mesmo que se trata. Um dos entrevistados, por exemplo, é o jornalista, historiador e pesquisador musical Nirez. Ele aparece lado a lado com personagens anônimos que vivem em áreas empobrecidas da cidade e se veem sazonalmente inundados por pedaços do riacho em fúria. A soma dos depoimentos leva à conclusão inevitável, de que o poder público (em Fortaleza e além) deixa o riacho minguar como projeto, de propósito, para favorecer interesses imobiliários, especulativos etc.
Na construção de Diógenes, o rio parece ter (ou tem de fato?) sentimentos: ora pede socorro, ora sente ódio (e transborda com violência), ora chora, na maior parte do tempo se esvai entre a melancolia, a tristeza, a depressão. Yuri (Yuri Yamamoto), room mate de Maristela, ri das obsessões da amiga, mas sofre na carne o sumiço progressivo da natureza. Em meio a uma vivaz trilha sonora original conduzida por Vitor C. e Diego Maia, personagens de karaokê cantam “Cão sem Dono”, de Sueli Costa e Paulo César Pinheiro, gravada em 1978 por Elis Regina: “Eu recuo, eu prossigo, eu me ajeito/ eu me omito, eu me envolvo, eu me abalo/ eu me irrito, eu odeio, eu hesito/ eu reflito e me calo”.
O clímax acontece quando Maristela e o filme descem para a praia e abordam banhistas distraídos, sobretudo adolescentes, com variações em torno de três perguntas, “você conhece o riacho Pajeú?”, “você tem medo de ser esquecido?”, “você tem medo de desaparecer”? O que fazemos ao rio pode acontecer conosco, insinua o filme, com sutileza. “Eu já sou esquecido. Todo mundo é. Todo mundo finge. A vida é um teatro”, filosofa um adolescente. Cenas da praia hiper-urbanizada com dezenas de edifícios altos emolduram a reviravolta: se até aqui o riacho tinha se comportado como ser humano, agora são os seres humanos compelidos a compreender que são rios também.
Pajeú. De Pedro Diógenes. Brasil, 2020, 74 min.