Uma peça de 2021, As mulheres dos cabelos prateados, remete a um Brasil de mais de 50 anos atrás que até hoje permanece invisível. Com texto de Ave Terrena, a montagem em cartaz no Centro Cultural Vila Itororó, em São Paulo, é uma história que precisava ser contada a partir dos olhares e das falas de mulheres simples perseguidas durante a ditadura militar. Nem que para isso fosse necessário recorrer a seres de outro planeta.
No espaço naves, guerrilhas, como diria Caetano Veloso, surge a alienígena Zarka (Silmara Deon), uma das mulheres dos cabelos prateados. É ela quem encontrará as personagens Nilze (Gabrielle Araújo), Jacira (Thais Dias), Dilinda (Carlota Joaquina) e Márcie (Camilla Flores), com quem descobrirá que no Brasil venerado por Bolsonaro a violência de Estado era uma prática recorrente e atingia até mulheres sem qualquer relação com a luta armada.
Com direção de Ave Terrena e Georgette Fadel, a peça é um convite para embarcar numa história inverossímil em sua premissa, mas real na reconstituição histórica de uma sociedade que não soube, até hoje, reparar os crimes cometidos pela ditadura. E, ao contrário do eu lírico de Caetano, Zarka decide não cantar “eu vou”. Antes, opta por ficar e lutar com as invisibilizadas mulheres.
O espetáculo se vale da grandiosidade cênica que a Vila Itororó oferece, em meio a imóveis em ruínas e uma tentativa, num canto e outro, de restaurar parte das construções. Nesse cenário, as mulheres Zurk decidem enviar Zarka para investigar a vida na Terra. Se esta apontasse alguma ameaça, ela deveria ser desintegrada. Zarka, disfarçada de humana, começa a recolher histórias da mulheres que sofriam violências nos anos 1970 no Brasil. A protagonista visita, por exemplo, a Comissão de Familiares e Vítimas da Ditadura, onde descobre que aquelas que julgava serem uma ameaça sofriam na verdade com o terror do Estado. A sororidade, entre humanas e alienígenas, fala mais alto.
As mulheres dos cabelos prateados é inspirada livremente no livro As mulheres dos cabelos de metal, da escritora Cassandra Rios. Ela foi a primeira escritora brasileira a atingir a marca de 1 milhão de exemplares de livros vendidos, mesmo tendo sido diversas vezes censurada pela ditadura militar. Cassandra escrevia romances eróticos, muitos deles homoafetivos.
Na montagem de As mulheres dos cabelos prateados, a DJ Evelyn Cristina faz uma discotecagem ao vivo, o que não deixa de ser um sedutor convite para aproveitar a Vila Itororó. O centro, um portentoso espaço público da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, possui uma agenda com baladas, vivências, saraus e peças. A Vila já recebeu a peça Adoniran Reencontra Elis na Vila, dirigido por Paula Klein, e realiza sessões de cinema ao ar livre.
E, neste fim de semana, a peça integra o Festival das Marias – Festival Internacional de Artes no Feminino, que vai até o dia 25 de novembro nas cidades de São Bernardo do Campo, São José do Rio Preto e São Paulo (Brasil) e Beja (Portugal). Os espetáculos de música, circo, teatro, dança e literatura poderão ser acessados pelo Youtube. Em caso de chuva, o espetáculo não será apresentado.