Para bom Ouvidor, meio ouvido basta? A Ancine crê que sim

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Ancine
Logotipo da Agência Nacional de Cinema (Ancine)

A Agência Nacional de Cinema (Ancine) nomeou na manhã desta terça-feira como Ouvidor-Geral substituto da instituição Otávio Albuquerque Ritter dos Santos, “sem prejuízo das respectivas atribuições”. Acontece que Ritter já é Secretário de Gestão Interna adjunto da Ancine, o que configura assombroso conflito de interesses. “Haverá, em cada agência reguladora, 1 (um) ouvidor, que atuará sem subordinação hierárquica e exercerá suas atribuições sem acumulação com outras funções”, diz parágrafo da Lei 13.460/2017, que regula a atividade (a Lei das Agências Reguladoras).

Como se vê, o cargo de ouvidor deve ser de plena autonomia dentro das agências. Ritter já tem responsabilidade de comando, e em tese sua função agora seria fiscalizar a si mesmo, já que o cargo para o qual foi nomeado é responsável por acompanhar os processos internos de apuração de denúncias. De acordo com a lei, a função do ouvidor público é encaminhar às autoridades competentes eventuais manifestações de falhas ou vícios do serviço; também poderá solicitar informações diretamente aos agentes públicos do órgão que fiscaliza. Quem poderá afirmar que o novo Ouvidor, quando em suas funções, vai ter independência para denunciar sua própria gestão?

A nomeação de hoje no Diário Oficial da União rompe com os princípios de isonomia e moralidade na administração pública, já que o ouvidor é uma função de controle interno e Ritter é ligado à direção da agência. A Ancine o nomeou como substituto, mas será ele, na ausência do titular (em períodos de férias, licenças, doença), que decidirá pelo trâmite dos processos de interesse do usuário daqueles serviços. Como atual secretário de Gestão Interna adjunto, ele não atua somente na ausência do secretário, mas concomitantemente (chefia o setor responsável por contratos, licitações, expediente dos servidores, tecnologia da informação, recursos humanos, terceirizados, entre outros).

O avanço da atual direção da Ancine no sentido de subordinar todas as instâncias de defesa do interesse público ao seu jugo mostra-se assombroso – e projeta um aparelhamento de longo prazo. A agência age de forma sorrateira (e com transparência zero) mesmo em sua interface com a Justiça – recentemente, mostrou resignação com uma decisão da Justiça Federal que a obrigava a examinar em 120 dias os 229 projetos audiovisuais que engavetou deliberadamente nos anos recentes. Chegou a distribuir nota e reunir servidores para um “mutirão”, assim como colocou o tema em debate na pauta de sua reunião deliberativa de diretoria. Mas, simultaneamente (e na surdina), recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região e conseguiu obter de um desembargador, Roy Reis Friede, uma decisão favorável que a desobriga de cumprir a ordem judicial da 11ª Vara Federal.

Chama a atenção a assertividade do despacho do desembargador Friede, que alegou que a Ancine não assumiu “postura omissiva ou inerte” em relação ao passivo de projetos e que teria até “adotado postura ativa, implementando um conjunto de medidas administrativas a fim de otimizar a aplicação de recursos públicos”. O Ministério Público Federal (MPF) acompanha o caso há dois anos e a Justiça Federal já fez inúmeras oitivas e tomou iniciativas para suspender o bloqueio, mas o desembargador, que mal deve ter tido tempo de ler o processo (decidiu em tempo recorde) discorda de toda a investigação, denúncias e mandados de segurança movidos por milhares de produtores audiovisuais.

 

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