A série Dom, de Breno Silveira, em cartaz na Amazon Prime, remete a filmes tão díspares quanto a franquia Velozes e Furiosos (o primeiro de seus nove longas é de 2001) e Rashômon, a extraordinária história de 1950 de Akira Kurosawa. Da primeira referência, o paralelo se encontra nas perseguições de carros, no edulcoramento da vida criminosa e na relação dúbia entre bandidos e policiais. Já da obra do diretor japonês extrai-se a lição de que nem sempre é possível obter a verdade quando há distintas versões de um evento.
Dom conta a história de Pedro Machado Lomba Neto, Pedro Dom (interpretado predominantemente por Gabriel Leone), o “bandido gato” que tomou conta do noticiário policial nos anos 2000. O jovem de classe média da zona sul carioca foi morto pela polícia em 2005, depois de se tornar protagonista da crônica policial. Para manter seu vício em cocaína, passou a integrar um grupo de assaltantes de residências, escudado por sua namorada Jasmin (Raquel Villar) e Viviane (Isabella Santoni), que sempre iam à frente para distrair os porteiros dos prédios.
A série dramática se baseia nos livros O beijo da bruxa (Baraúna, 2011), de Luiz Victor Lomba, o pai, e Dom, de Tony Bellotto, o guitarrista dos Titãs, lançado em 2020 pela Companhia das Letras. Para Victor Lomba, “foi a mídia quem matou Pedro Dom”. Ele resolveu escrever um livro para mostrar o lado familiar, que nunca veio à tona, e bastidores que também não são tão claros para a maioria da população.
Policial civil aposentado, Victor Lomba atuou como agente infiltrado para o aparato da ditadura, integrou o Esquadrão da Morte, viu as drogas se apoderando dos morros cariocas nos anos 1970 e depois descobriu como as polícias herdaram todas as formas de violência. Já descrente do combate à criminalidade, percebe que trouxe a violência também para dentro de casa.
Silveira, diretor de 2 filhos de Francisco (2005), Gonzaga, de pai para filho (2012) e À beira do caminho (2012), investe nas cenas de bailes de favelas, drogas a rodo e sexo, mas sem descuidar da caracterização de personagens bem mais complexos do que o que aparecia na imprensa. Parte de questões particulares (como um menino cheira cocaína aos 9 anos? ou: será que um casamento desestruturado abala a vida dos filhos?), para se chegar a outras maiores e de difícil solução (é possível quebrar a corrupção policial?).
O conflito entre um pai (Flávio Tolezani) que opera dentro da legalidade e um filho que opta pela ilegalidade é o fio condutor da série. Há embate, mas também amor e cumplicidade. A narrativa é construída num intenso e, por vezes, incômodo vaivém de épocas, desde o pai jovem (Filipe Bragança) ao filho criança (Marc Szwarcwald) ou adolescente (Guilherme Garcia). Ao final, Dom ganha ao revelar que nenhuma das versões que se conhece do “bandido gato” é a verdadeira. E essa verdade dificilmente virá à tona algum dia.
Dom, a crônica da violência
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