Notturno e sua vida brutalizada

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Cena de "Notturno", documentário de Gianfranco Rosi
Cena de "Notturno", documentário de Gianfranco Rosi - Foto Divulgação

Recomenda-se não comprar o filme somente pelo título. Notturno não é um documentário de escuridão, ainda que passe pelos obscuros conflitos no Oriente Médio. A produção do documentarista italiano Gianfranco Rosi almeja iluminar as histórias de vida dos marginalizados que sofrem por habitarem os territórios conflagrados. O filme foi registrado por três anos nas fronteiras entre Iraque, Curdistão, Síria e Líbano, e foi indicado ao Leão de Ouro de Veneza em 2020.

Em cartaz a partir de 5 de março com exclusividade na plataforma Mubi, Notturno investe em personagens anônimos, que expõem, às vezes de forma direta, e noutras indiretamente, como é a vida no centro dessa zona contestada. O pano de fundo é a presença ostensiva do sanguinário Estado Islâmico do Iraque (Isis), que alterou ainda mais a realidade já antes explosiva no Oriente Médio. Em uma das cenas, que se passa numa escola, uma menina curda da comunidade Yazidi mostra a uma terapeuta um desenho carregado de tintas vermelhas e explica: “Quando as crianças choravam, os homens do Isis batiam nelas. Este é o sangue delas”. Ela ainda confidencia que só consegue dormir depois que sua mãe adormece. A menina tem medo, porque os homens do Estado Islâmico matam mulheres.

Outros personagens compõem o mosaico de vidas permeadas pela violência sociopolítica da região, e que ganham voz pela obra de Rosi: um adolescente que trabalha por cinco dólares como apanhador de animais abatidos por caçadores para sustentar a família, um casal de amantes que tem o encontro interrompido por uma rajada de metralhadora, soldadas curdas que na hora do descanso assistem a filmes da própria guerra que enfrentam. O cinegrafista opta por desanuviar a sua obra introduzindo um coro grego amador dentro do filme, que pode causar estranheza no princípio, mas se explica ao longo da narrativa. A peça encenada dentro de um asilo psiquiátrico é a arte que resiste em meio às trevas. No fundo, todos os personagens estão tentando superar seus dramas e circunstâncias particulares, apenas sobrevivendo.

Notturno não é explícito, como costumam ser os documentários, nem persegue o didatismo. As mensagens precisam ser capturadas, compreendidas e até interpretadas, conforme os personagens passam a apresentar tramas que muitas vezes o mundo desconhece. O que dizer de mães que oram de forma angustiada dentro de uma prisão abandonada, onde seus filhos foram presos e torturados? Em ritmo lento, com muitas cenas gravadas com pouca luz, a obra de Rosi procura convencer o espectador sobre a estupidez das guerras e da violência, dando voz a quem não tem voz. O que se vê na tela não são exceções, mas a vida experienciada por milhões de pessoas no Oriente Médio.

Em março, a plataforma Mubi apresenta outras obras de Gianfranco Rosi: Tanti Futuri Possibili, Boatman (indicado ao Oscar de Melhor Documentário), Sacro Gra e Below Sea Level (premiado no Festival de Cinema de Veneza).

Notturno. De Gianfranco Rosi. No Mubi. Itália-França-Alemanha, 2020, 100 mins.

 

 

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