Ponte Curitiba-Porto Alegre

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A cantora e compositora Juliana Cortes. Foto: Ricardo Lisboa
A cantora e compositora Juliana Cortes. Foto: Ricardo Lisboa
"3". Capa. Reprodução
“3”. Capa. Reprodução

Intitulado simplesmente “3”, o terceiro disco da curitibana Juliana Cortes foi gestado em quatro dias de intercâmbio em uma residência artística com artistas paranaenses e gaúchos. Ela se aproximou desta zona de fronteira, o extremo sul do Brasil com países vizinhos, desde o espetáculo “Juliana Cortes convida Vitor Ramil”, apresentado em 2012, que descambaria em “Invento”, seu álbum de estreia, lançado no ano seguinte.

Produzido por Ian Ramil, “3” é o sucessor de “Gris” (2016), que tem produção musical do violonista Dante Ozzetti. Neste novo trabalho ela conta com as participações especiais de Pedro Luís – em “Cores do fogo”, dele, que abre o disco falando no incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro – e Airto Moreira – um dos mais importantes percussionistas de jazz do mundo – em “Terra plana” (Zelito/ Ian Ramil/ Juliana Cortes/ Rodrigo Lemos), cerzida pelo piano de Davi Sartori. “Essa pergunta não está no livro de Neruda/ peço ajuda/ para que a resposta se revele/ o que matou Marielle?”, indaga a letra.

Em “Macho-Rey” (Ian Ramil/ Juliana Cortes) escarafuncha fundo a ferida do machismo nosso de cada dia: “lá vem o tiozão, o macho-rey/ rastando havaianas pelo chão/ sorriso asa de avião/ discurso descarga de caminhão/ quem vê não diz que ele arrepia o corpo todo sempre que ouve o meu som”. Continua, escarnecendo a masculinidade frágil de quem “adora piada de negro e gay/ de peito inflado, faraó/ corrente de ouro à luz do sol/ roçando a camisa de futebol/ quem vê não diz que ele se achou um nada quando leu Eliane Brum”, citando a jornalista, escritora e documentarista feminista. Para arrematar: “seja homem-não”.

“3” foi gravado entre julho e setembro de 2019 e, além dos já citados, Juliana Cortes é acompanhada por Guilherme Ceron (contrabaixo), Martin Estevez (bateria), Lorenzo Flach (guitarra), João Ortácio (violão 12), Tomás Piccinini (saxofone), Érica Silva (contrabaixo), Bruna Buschle (contrabaixo acústico), Du Gomide (guitarra, banjo e rabeca), Ian Giller (bateria), Vina Lacerda (percussão) e Rodrigo Lemos (o Lemoskine, guitarra e voz). Um clima jazzy permeia todo o disco.

Nascido de uma aproximação geográfica, e portanto geopolítica, o álbum tem força poética e política, além de ser uma coleção de momentos sublimes. Como quem vê o caos com as lentes da beleza em “Andorinhas” (João Ortácio/ Guilherme Becker), cuja letra inteira diz: “andorinhas bêbadas de querosene/ nadam na fuligem do ar/ de SP”.

Ou o poético pessimismo – realismo? – de “Prejuízo” (Poty/ João Salazar), que começa: “o capital polui o ar/ pra dizer quais sonhos podem respirar”. E adiante: “o dólar vai continuar/ a ditar o que se pode conquistar”.

Em tempos de streaming, “3” sai também em formato físico. O projeto gráfico do cd um espetáculo à parte. Na capa, “Efigênia Rolim, a rainha do papel de bala por Wagner Roger”. Indiscutivelmente um dos melhores discos lançados neste pandêmico 2020.

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Ouça “3”:

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