O infinito de Vanusa

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Morreu às 5h30 da manhã desse domingo em Santos (SP), aos 73 anos, a cantora paulista Vanusa, uma das inesquecíveis intérpretes da música brasileira dos anos 1970. Ela estava internada no Complexo Hospitalar dos Estivadores de Santos com pneumonia e anemia.

A história de Vanusa foi marcada por amores públicos e angústias secretas. Nascida numa família pobre em Cruzeiro (interior de SP), filha de um pai violento e uma mãe subalterna e sofrida, ela venceu por teimosia. Tomava aulas de violão incidentalmente, no lugar da irmã, e começou cantando aos 14 anos em Uberaba (MG), com um conjunto de bar. Foi quando a família se mudou para Frutal (MG), onde ela seguiu cantando em bares. Nessa época, ficou conhecida como “Wanderléa de Frutal”. Em São Paulo, ainda adolescente, apresentou-se com a banda Os Incríveis no programa de Carlos Imperial ao lado de outra amiga de Minas, Martinha, e as duas “estouraram” – Martinha iria ser apadrinhada por Roberto Carlos e incorporada à Jovem Guarda (Vanusa também cantou no programa, mas não era do iê-iê-iê).

Vanusa, de certa forma, passou a gravitar no clube. Ela iniciou um romance com um dos maiores ídolos nacionais daquele momento, Wanderley Cardoso, mas ele foi reticente em assumir publicamente o caso. O desabafo de Vanusa ficou marcado na crônica daquele tempo: “Nunca vou perdoá-lo pelo que aconteceu. Porque não perdoo em alguém a falta de coragem. Ele não teve coragem de me assumir. Optou pela profissão. Eu me escondia, passava todas as humilhações. Um dia disse: – chega. E tenho certeza de que fui a última oportunidade que ele teve na vida de ser um homem”.

Foi quando ela conheceu outro cantor, Antonio Marcos Pensamento da Silva. Outro artista de raízes populares profundas, nativo de São Miguel Paulista, primogênito de oito irmãos, ex-farmacêutico, ex-bancário, ex-sapateiro, ex-office boy. Tinha militado nas artes cênicas no Teatro de Arena e integrado um conjunto chamado Os Iguais. Foi quando ele gravou Tenho um Amor Melhor do Que o Seu e suas composições foram gravadas por Nelson Ned, Nelson Gonçalves e Roberto Carlos, o que tornou um ídolo nacional.

Vanusa e Antônio Marcos formaram um par de grande fascinação pública, em sua mistura de romântico e trágico. Os fãs acompanhavam com bizarro interesse o desenvolvimento de sua vida comum, o nascimento das filhas (com um natimorto no caminho), as brigas, os confrontos com a imprensa. Vanusa contava que fãs extremadas do marido atiravam bonecas espetadas com alfinetes, pedras e bolas de fogo sobre o muro de sua casa e faziam-lhes telefonemas anônimos ameaçadores.

Quando o casamento com Antonio Marcos acabou, ela se casou com o diretor musical Augusto Cesar Vanucci, com quem teve outro filho, Rafael. “Tive uns quatro ou cinco casamentos. Se eu deixo de citar alguém, das duas uma: esqueci ou quis poupá-lo”, ela disse. Uma vez, ela quase quebrou a mesa de um corretor de imóveis que se recusava a alugar um imóvel para ela porque alegava que ela era “desquitada”. Devia era ter quebrado a cara do sujeito.

Vanusa conheceu Belchior em 1975 na casa do empresário Antonio Carlos Tavares, que hospedava o então iniciante cantor e compositor cearense. Gravou dele Paralelas, maior hit do seu disco daquele ano e um dos seus maiores sucessos, e ajudou a colocar Belchior no epicentro do furacão da MPB. Ela estava gravando o ambicioso disco Amigos Novos e Antigos, no qual interpretava composições de Fagner, Milton Nascimento, Luiz Melodia, João Bosco e Aldir Blanc, Antonio Marcos, além da de Belchior. A ideia então era promover uma virada na carreira da cantora, marcada até ali pelo hit Manhãs de Setembro, visto por alguns como popularesco. A visão de Vanusa acerca dos versos de Paralelas a tornaram, ela e o bigodudo de Sobral, almas indissociáveis. Se o leitor duvida, ouça isso:

A cantora iniciou a década de 1980 com um disco produzido pelo então compositor Paulo Coelho, parceiro de Raul Seixas, gravado somente com a companhia de Hélio Delmiro na guitarra, Mamão na bateria, Café na percussão e Luís Avelar no piano. ”Sinto que sou um mosaico de emoções: repleta de facetas diferentes, que vão se juntando, formando um desenho”, ela disse. 

Muitas de suas escolhas, como intérprete, reforçam um papel de reivindicação dos direitos da mulher, casos de Mudanças, Rotina e SOS Mulher. Isso a levou a ser considerada feminista, e ela achou bastante adequado o termo. “Li, não sei onde, palavras da Sophia Loren dizendo que, em certo momento da sua vida, quando a imprensa só a procurava para saber de sua vida pessoal com Carlo Ponti, ela chegou à conclusão de haver alguma coisa errada em sua vida profissional. Esse comentário bateu em cheio dentro de mim. Se é bom ou mau, eu não sei, mas tenho certeza de que, agora, não abro mais mão do meu trabalho por nada, nem mesmo por um novo amor que possa acontecer”.

Já doente (a família chegou a falar em Mal de Alzheimer), ficou célebre em 2009 sua tentativa de cantar o Hino Nacional em uma cerimônia na Assembleia Legislativa de São Paulo e errar completamente a letra. Ela atribuiu a situação ao efeito de um medicamento que estava tomando, mas a repercussão meio sádica em torno do caso a fez mergulhar em uma depressão. Mais adiante, o problema de memória se acentuaria progressivamente.

Em 2013, uma música da fase mais experimental de Vanusa, What to Do (1973) foi vista como a inspiração dorsal de um rock pesado do grupo Black Sabbath, Sabbath Bloody Sabbath, também de 1973 (só que alguns meses depois). Na verdade, pela falta de crédito, apontavam um plágio, mas ela descartou essa hipótese. “Acho que foi apenas uma coincidência musical”, afirmou. 

 

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