A calmaria das águas do canto de Celeste

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A cantora e compositora Celeste Moreau Antunes. Foto: Rafael Spinola
A cantora e compositora Celeste Moreau Antunes. Foto: Rafael Spinola
Rio manso - vol. 1. Capa. Reprodução
Rio manso – vol. 1. Capa. Reprodução

“Rio manso – vol. 1” (Altafonte/ Rosa Celeste, 2020), disco de estreia de Celeste Moreau Antunes – filha do ex-Titãs Arnaldo Antunes –, entrega a que veio no título: seu canto é maré mansa em que aportam ouvidos ávidos de delicadeza.

O álbum foi gravado de forma caseira (os poucos instrumentistas, cada um em sua casa) durante o isolamento social imposto pela pandemia de covid-19. Celeste iniciou suas experiências com composição em 2017 e desenvolveu a parceria com o multi-instrumentista e produtor João Marcondes à distância, durante a gravação do álbum – ela foi a única a frequentar o estúdio Canto da Coruja, em meio à natureza do interior de São Paulo. A produção musical é assinada por ambos.

Alçar voo é expressão comumente utilizada para se referir a artistas que se lançam no mercado. E aqui a expressão ganha sentido literal, com asas frequentando as duas primeiras faixas e quase dando nome à segunda – “Diferente”, do artista plástico, ensaísta e compositor Nuno Ramos, abre o disco, seguida pela autoral “Asa”, em que canta: “Não corte/ as minhas/ asas”, e adiante: “Pode-as/ apenas/ uma vez/ ao dia”.

Mesmo quando o tema é mais picante, seu canto é de calmaria. “Vontade involuntária” (Clara Baccarin/ Filipe Moreau) fala de sexo de maneira cifrada, inteligente, poética. “Se for pra mentir” (Cézar Mendes/ Arnaldo Antunes) ganha crueza de bossa em relação à gravação de Roberta Sá com participação de Chico Buarque. Na faixa, Celeste canta com João Marcondes, que pilota quase todos os instrumentos do disco – a começar por uma caixinha de música construída pelo próprio, além de carrilhão, contrabaixo, cuíca, escaleta, flauta transversal, guitarra, moringa, pandeiro, reco-reco, sino tibetano, tamborim, timbal, triângulo, viola e violão.

A faixa-título, autoral, remete à poesia concreta, fazendo um belo par com “Dança”, a seguinte, também autoral, ambas pontuadas pelo contrabaixo de Marcondes. A releitura da peruana “Agua de estrellas” (Miguel Molina), cantada em espanhol e português, em dueto com Josefina Moreau Schiller, é emoldurada por um coro (Cora Moreau Schiller Tucker, Dora Moreau Stroeter, Gisela Moreau, Mariana Moreau e Rosa Moreau Antunes) a celebrar a mãe Terra.

A vinheta instrumental “Reluz” (Celeste Moreau Antunes/ João Marcondes) é executada apenas por uma caixinha de música. “Tudo que lembrei que já soube amar além de você” (Celestre Moreau Antunes) é uma prosa poética em que ela recita/enumera itens como se lembranças guardadas numa velha caixa de sapatos sob a cama: “fantasias/ deixar arrumarem/ meu cabelo/ café da manhã/ com bolo/ esperar o sol/ nascer em/ companhia/ mergulhos de cabeça/ sobremesas/ planetários/ broches de cigarra/ Caymmi pra ninar”, diz trecho da letra.

A valsa “Se essa rua fosse minha” – adaptação de Mário Lago e Roberto Martins para o tema de domínio público – transforma-se numa ciranda, pontuada pelo pandeiro de Marcondes e gravada com a adesão do pai Arnaldo, fechando o delicado disco de estreia de Celeste.

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Ouça “Rio manso – vol. 1”, de Celeste Moreau Antunes:

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