Sensação da nova geração das HQs, Simon Hanselmann tem seu primeiro álbum lançado no Brasil
Os quadrinhos underground, a partir dos anos 1960, expuseram os truques da consciência burguesa para se assegurar dominante. Robert Crumb atacou a psicanálise de prateleira, o sexo domesticado, a boa consciência progressista, a fragilidade ideológica do movimento hippie. Gilbert Shelton dinamitou a construção filosófica em torno do possível alargamento da consciência pelo uso livre de drogas. Seus quadrinhos acabaram se tornando parte da expressão da chamada contracultura, embora fossem a sua sentença de morte.
No século XXI, não há mais utopias para tingir com as tintas da liberação o comportamento jovem. Utilizando os mesmos estratagemas de Crumb e Shelton, um jovem cartunista australiano da Tasmânia, Simon Hanselmann, retrata o cânion existencial de sua geração com uma HQ tão chapada quanto triste, tão desagradável quanto brilhante: Mau Caminho (lançamento da Veneta Editora). Os personagens Megg, a bruxa deprimida, e Mogg, o gato priápico, poderiam ser comparados aos personagens da animação Beavis & Butt-Head, que marcaram época nos anos 1990 na MTV, mas têm uma diferença fundamental: eles não são apenas nerds de sofá, têm uma dolorosa consciência de sua inadequação e ruína.
Inserindo personagens fabulísticos (uma bruxa, um gato, um lobisomem, uma coruja, um vampiro) numa rotina de normalidade de depressão, tráfico de drogas comunitário, filas de auxílio desemprego, rotina de lojas de fast food, Hanselmann cria um dos mais perturbadores retratos da vida suburbana de classe média do nosso tempo. Uma época em que os adultos são tão imaturos quanto os jovens, e os jovens não têm nem mesmo o sexo e as drogas como componentes de alguma ação subversiva – são apenas dados corriqueiros da pasmaceira cotidiana.
Hanselmann, de 41 anos, vive em Seattle, nos Estados Unidos, e já é amplamente reconhecido. Seu álbum Megg, Mogg e Owl já frequentou a lista dos best-sellers do jornal The New York Times durante um bom tempo, ganhou prêmios no maior festival de quadrinhos da França, em Angoulême, e tem indicações aos prêmios Eisner e Ignatz. No Brasil, é a primeira vez que é publicado. O artista estabelece pontes com o passado como que numa negação deliberada dele. Mogg, o gato, tem compulsões sexuais parecidas com o gato Fritz, de Crumb, mas isso não o põe em ação, pelo contrário, é paralisante. Entre a violência de uma entrevista com um burocrata do serviço social e a última página do álbum, uma citação ao quadro A Verdade Saindo do Poço, de Jean-León Gérôme (1896), Hanselmann nos empurra para uma colisão com o próprio terror da nossa época. Sem air-bag.