André Sturm e a volta das salas de cinema

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Ex-secretário municipal paulista de Cultura na gestão João DoriaAndré Sturm classifica como “catastrófica” a crise do coronavírus para o cinema, área em que atua mais diretamente. Em entrevista cinco dias antes de o agora governador Doria anunciar a antecipação da reabertura das salas na capital a partir do dia 27 de julho, na sexta-feira 3, o dono do cine Belas Artes defende a retomada, ainda que os números de mortes e infecções se mantenham assustadores. “Se infelizmente acontecer um recrudescimento da doença, fecha de novo. Mas acredito que não vai ser porque os cinemas abriram que a gente vai ter esse problema”, argumenta.

Na conversa a seguir, Sturm fala sobre os modelos de drive-in e de streaming adotados pelo Belas Artes durante a crise e do relançamento do filme Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola, nos dois formatos. Comenta também a situação da Cinemateca Brasileira e a passagem-relâmpago pela Secretaria do Audiovisual na gestão bolsonarista de Roberto Alvim à frente do ex-Ministério da Cultura.

Pedro Alexandre Sanches: Quais têm sido os resultados do Belas Artes Drive In?

André Sturm: As pessoas vão, elogiam muito. Está sendo muito bacana. É uma maneira de a gente manter o cinema Belas Artes em operação, juntando um desejo das pessoas de saírem de casa com o cuidado da saúde, mantendo o isolamento.

PAS: Você tem dados sobre como foi o Apocalypse Now no drive-in?

AS: Foi lotado. Todas as sessões que a gente fez até agora, que foram três, tiveram lotação, 97 carros por sessão.

PAS: Qual é a expectativa para o lançamento em streaming?

AS: A expectativa é grande. É um filme icônico, com muitas pessoas que são fãs ou conhecem. É um filme marcante da história do cinema, e que tem esses dois adicionais, o adicional de 22 minutos e o adicional do som. Quando o filme foi feito, a qualidade de som era uma, e hoje tem outras possibilidades. Num filme como esse, épico, o som agora é uma outra dimensão. Então mesmo quem já viu o filme poderá ver digamos que um novo filme. Além disso, estamos também oferecendo dois documentários simultâneos sobre o Apocalypse Now. Também é uma novidade, porque o documentário sobre o fotógrafo nunca foi exibido no Brasil, e o documentário da esposa do Francis Ford Coppola nunca foi lançado nos cinemas. Só foi lançado em VHS, há muito tempo, então é basicamente inédito aqui também. Nunca saiu em DVD (Leia reportagem sobre o relançamento do filme na edição 1113 da revista CartaCapital).

PAS: Se não fosse a pandemia, eles estariam sendo lançados nas salas normalmente?

AS: Com certeza. Nós exibiríamos no cinema também o documentário, claro que uma sessão por dia, uma coisa menor. O que a gente realmente estava planejando fazer grande era o Apocalypse Now. A gente ainda fará. Mesmo colocando no streaming, não vai impedir que a gente coloque nos cinemas quando for possível. A oportunidade de assisti-lo numa sala de cinema é especial. Como está sendo no drive-in, com o som por FM. É nas caixas do seu carro, você controla o volume.

PAS: Como tudo que está acontecendo está impactando financeiramente o Belas Artes?

AS: É . Qualquer cinema tem, como duas principais despesas, folha de pagamento e aluguel. Cinema emprega muita gente. Então foi muito difícil no começo, porque a gente foi a zero. Cinema não tem delivery. E foi por isso até que eu fiquei pensando como é que eu podia fazer para ter algum tipo de movimento, para não ter que demitir as pessoas, e o drive-in surgiu como essa possibilidade. Quem está trabalhando é a equipe do próprio Belas Artes, então isso dá um alívio para a gente. Seria muito difícil manter toda a estrutura por mais tempo fechado.

PAS: O streaming dá alívio também?

AS: O streaming não dá muito alívio ainda, porque ele está crescendo e tem um custo considerável. A gente tem um número de assinantes que está crescendo, mas ainda é pequeno. Vamos dizer que o streaming é uma atividade que ainda gira em si mesma. A gente coloca quatro filmes novos por semana, 16 filmes por mês, tem que pagar os direitos desses filmes, então ainda não é uma atividade que contribua para o cinema.

PAS: Como funciona isso? Você tem de pagar direitos para a distribuidora? É só isso?

AS: Existe uma figura chamada agente de vendas, que é a pessoa que procura os produtores, pega os filmes e oferece para os distribuidores em vários lugares do mundo. Assim como a Pandora compra filmes para lançar no cinema, a gente compra direitos só para streaming. É um custo considerável, porque depois tem legendagem, os materiais, a master do filme que tem que vir para poder legendar, equipe. Só aí são 16 filmes por mês, o que já é um custo razoável.

PAS: Esses preços são os mesmos, maiores ou menores do que se fosse no cinema?

AS: Menores, menores. É difícil dizer os preços, porque para cinema você pode comprar um filme hoje por 10 mil dólares ou por 500 mil dólares. Depende muito do filme. Agora teve o mercado do Festival de Cannes, com os filmes que estavam selecionados para Cannes, embora não tenha acontecido o festival. A gente não compra um filme desses direto para o streaming. Mas um filme para o streaming custa na base do valor de um filme para cinema.

PAS: Um filme como Apocalypse Now salva o negócio neste momento em que os lançamentos inéditos estão parados?

AS: É, nós até fizemos dois filmes que a gente tinha direito para cinema, O Pai, que é um filme búlgaro, e Hotel às Margens do Rio, de Hong Sang-Soo. Eram dois filmes da Pandora que íamos lançar no cinema. Como a perspectiva de reabertura começou a ficar muito distante, nós lançamos esses dois filmes diretamente no streaming. Foram filmes que foram pagos por valores de lançamento para cinema, mas que a gente decidiu lançar assim, para fazer algum movimento, e também para oferecer filmes 100% inéditos. O Apocalypse é uma coisa que eu diria mais especial, mas que a gente, entre aspas, vai arriscar, apostando que ele tenha uma procura grande no streaming também.

PAS: Já estamos há quatro meses nessa situação. Será que toda essa série de transformações veio para ficar?

AS: Eu não acredito. Sem querer fazer filosofia, sinceramente acho que o que define a vida na civilização é o encontro com as pessoas. Acho que a gente vai ter uma transição. Na hora que abrirem os cinemas talvez as pessoas ainda fiquem meio na dúvida. Mas não tenho a menor dúvida de que já, já está todo mundo frequentando restaurantes, bares, cinemas, festas. Sempre tem a história de que “o streaming vai acabar com o cinema”, antes era o DVD que ia acabar com o cinema. Cinemas continuam cheios, assim como os estádios de futebol, os shows. De novo, acho que o que caracteriza a vida é estar juntos. Claro, tem uma parcela da população que talvez mude seus hábitos, mas acho que é pequena.

PAS: E você arriscaria quando é que os cinemas serão reabertos (entrevista feita antes do anúncio da reabertura na capital a partir de 27 de julho)?

AS: Olha, isso depende do governo do estado. No primeiro momento, naquele primeiro quadro que foi feito, os cinemas estão lá a perder de vista. Eu conversei com o secretário da Cultura, com o governador, com a secretária de Desenvolvimento, e sei que outras pessoas também falaram, expuseram que sala de cinema não é um lugar de aglomeração. Quando você entra no cinema, você fica na sua cadeira, não fica andando. Então estamos tentando que a gente possa reabrir os cinemas no máximo no final de julho ou começo de agosto, com limitação de cadeiras, cuidados, álcool, máscara. Espero que a gente consiga isso, porque se demorar muito talvez não tenha mais metade das salas quando forem autorizadas a abrir. A minha expectativa é que o governo do estado libere os cinemas para voltar a funcionar até o final de julho, que acho que seria um prazo para que a gente pudesse se preparar. Para poder abrir, tem que ter duas ou três semanas de preparação. Precisa haver mobilização de equipe, reforço de equipe de limpeza, compra de materiais. Tem que conversar com as distribuidoras para ter filme, porque não adianta abrir o cinema e não ter filme para estrear.

PAS: E se o pico não tiver chegado até lá? Temos cidades reabrindo no auge da epidemia.

AS: Como te falei, acho que só podem reabrir os cinemas com os cuidados necessários. A covid não é uma doença que você pega no ar, é uma doença que você pega por contato. Os cinemas não devem permitir que pessoas estranhas sentem-se ao lado. Se você for com seu amigo, a cadeira dos dois lados vai estar vazia. Terminou a sessão, todas as cadeiras são higienizadas pela equipe com produtos adequados. Todos os funcionários com máscara e aquela outra segunda máscara de técnico de maçarico. Banheiros higienizados o tempo todo. Álcool-gel. Não vejo muito risco que haja contaminação das pessoas. Vou aqui falar uma coisa que não quero que seja mal entendida: já fui diretor do Museu da Imagem e do Som, adoro museus, mas num museu você tem risco de aglomeração. Imagina o Louvre reabrir, o quadro da Mona Lisa vai ter aglomeração. O cinema, não, a pessoa entra e senta. Acho que com cuidado a gente pode abrir. Se infelizmente acontecer um recrudescimento da doença, fecha de novo. Mas acredito que não vai ser porque os cinemas abriram que a gente vai ter esse problema. Tem tanta coisa aberta, funcionando. O cinema e o teatro têm essa diferença, não é show de rock ou jogo de futebol, onde inevitavelmente tem aglomeração e você pode ter um contato muito maior.

PAS: O Belas Artes já passou por várias situações de ameaça de fechar. Essa seria uma delas?

AS: Olha, desta vez eu não estou considerando. Abri o drive-in, tem o streaming que está crescendo, então estou menos preocupado. É diferente de contrato de aluguel interrompido, como foi a primeira crise grande que a gente teve. Aí não tem jeito. O drive-in não será lucrativo, mas vai permitir pagar os salários de todos os funcionários. Só aí já ajuda enormemente.

PAS: O drive-in é suficiente para pagar os salários?

AS: É, e as despesas dele próprio. Com isso, a gente elimina o prejuízo que o Belas Artes vinha sofrendo todos os meses.

PAS: O aluguel você está pagando normalmente?

AS: Sim. A gente conseguiu uma negociação com o proprietário, que contribuiu substancialmente. Aí a gente consegue manter com o recurso que tinha ainda referente a patrocínio, que ficou guardado e permite parar. Claro que, se a gente fosse pensar em abrir o cinema só no ano que vem, a situação mudava de figura.

PAS: Daria para dizer que é uma crise sem precedentes, ou houve outra pior que essa?

AS: Com certeza, estou nesse negócio há 30 anos e nunca teve nada parecido. Todo mundo está tendo problema, mas as salas de cinema foram o primeiro negócio que fechou, literalmente, com o mês a zero. A quarentena foi declarada para todo mundo uma semana depois. Boa parte dos negócios tem como vender na internet. O cinema, não. Então foi muito duro, muito duro. Antes de abrir o drive-in a receita era zero. Zero, zero, zero. Para você ter uma ideia, o cinema fechado custa 250 mil reais por mês. Faz a conta, em quatro meses é 1 milhão de reais. Não tem como pagar, não tem de onde tirar 1 milhão de reais. O drive-in aliviou enormemente essa conta, tornando possível que a gente atravesse mais uns dois meses.

PAS: O aluguel por streaming nem entra nessa conta?

AS: Não, porque o que a gente está rendendo está gastando, para poder manter essa ideia de quatro filmes por semana, que a gente está cumprindo. Outra coisa é que o streaming tem em seu principal insumo o dólar. E a moeda brasileira desvalorizou gentilmente 45% nos últimos sete meses. Um filme barato, que a gente compra por 2 mil dólares, eram 8 mil reais e viraram quase 12 mil. São 16 filmes por mês, dá 200 mil reais por mês só de comprar filme. Agora baixou um pouquinho o dólar, mas continua esta 5,30 reais. Custa caro o streaming.

PAS: Só dá para concluir que você está gastando reservas.

AS: Então, no streaming, até maio, eu estava colocando dinheiro, senão a gente não conseguia cumprir. Em maio a gente começou a ter um pouco de receita que permitiu diminuir o investimento próprio, e é o que a gente está tentando fazer agora: o que entra é o que a gente gasta.

PAS: Dito tudo isso, aqui em São Paulo temos ainda o caso da Cinemateca Brasileira. Qual é sua opinião sobre? Não sei se o Belas Artes se intromete nessa questão.

AS: O Belas Artes não se intromete, cada coisa é uma coisa. Agora eu, André Sturm, tenho total preocupação. A Cinemateca foi o primeiro lugar onde trabalhei na vida, meu primeiro emprego, em 1989. Então tenho um carinho imenso e participei daquele momento em que houve a restauração do Matadouro, onde é a sede hoje. É muito triste. Além da preservação, tem também todo o trabalho que a Cinemateca fazia como lugar de difusão, programação de cinema, festivais, eventos. Tudo isso foi suspenso, atrapalhado. E na verdade é um processo que infelizmente não é deste ano. Começou já há alguns anos, quando houve uma ação do então Ministério da Cultura de abrir um processo contra a Sociedade Amigos da Cinemateca, muito equivocado, que provocou a paralisação das atividades. A Cinemateca funcionava com patrocínios, que eram obtidos por essa Sociedade Amigos da Cinemateca, com décadas de existência. Na hora que ficou travada pelo MinC, por processos e uma série de coisas, deixou de ser possível conseguir recursos, e aí foi piorando a situação. Esse modelo de organização social que foi colocado para cuidar da Cinemateca acho que foi uma ideia excelente, uma maneira eficiente de cuidar. Em 2018 teve a história do contrato com a Educação, e aí as coisas foram ladeira abaixo.

PAS: Como você mediria o risco de haver um incêndio ou se perder o acervo por essa ou alguma outra razão?

AS: A gente tem dois tipos de material lá. Com o material que está no Matadouro, na Vila Mariana, a chance de pegar fogo é só se for criminoso. O material em acetato não pega fogo tão fácil. Mas, de outro lado, se não tiver ar-condicionado, climatização adequada, temperatura e umidade, como aquele material é muito antigo e muito sensível, você pode perdê-lo muito facilmente por calor e falta de umidade, problemas que São Paulo tem. Então não precisa nem de incêndio para perder o material. É mais perigoso ainda. O material que está na Vila Leopoldina é que ainda tem um pouco de nitrato, que pode pegar fogo sozinho. Mas é muito pouca coisa. Portanto, estou querendo dizer que é mais grave. Se você deixar esses materiais trancados numa sala sem ar-condicionado porque o ar-condicionado quebrou, eles podem se deteriorar muito facilmente com o calor elevado. É gravíssimo. Não tem segunda chance, né? Se perdeu o negativo de um filme, não tem outro.

PAS: Você usou antes, falando da pandemia, o termo “catastrófico“. Esse é outro tipo de catástrofe?

AS: É, exatamente. E é uma catástrofe como perder uma vida. Não tem reposição.

PAS: E você vê perspectiva de alguma possível solução?

AS: Olha, eu acho que a solução melhor seria que a Secretaria de Cultura e o Ministério do Turismo fizessem um chamamento para uma outra organização social. Essa é a solução ideal. Eu ouvi dizer que a Cinemateca vai ser trazida de volta para a administração direta. É melhor do que nada, mas é muito difícil. Administração direta hoje é muito amarrada, muito complicada, tudo é complexo demais. Comprar papel higiênico é difícil. A Cinemateca precisa de equipamentos e suprimentos muito particulares. Para fazer licitação vai demorar oito meses, acho muito perigoso a Cinemateca estar em administração direta, por melhores que fossem as intenções.

PAS: E não dá para contar com o governo federal para buscar soluções, não é?

AS: É… Ficamos quase seis meses sem secretário da Cultura, né? Já diz tudo. Porque, com todo o respeito, Regina Duarte nunca foi secretária da Cultura. Não dá nem para dizer que ela fez uma má gestão, ela não foi gestora, não assumiu basicamente. Agora tem esse rapaz que está chegando aí (o ator Mário Frias), não dá para saber muito para onde vai. Mas não quero nem criticar, porque ele está chegando. Não dá nem para falar bem ou mal. Volto a falar, acho que a única solução possível para a Cinemateca seria uma licitação por contrato de gestão com organização social. Isso dá flexibilidade, permite contratar equipe, ter os equipamentos, fazer manutenção, comprar suprimentos. Foi como a Cinemateca cresceu. Ela estava ligada à administração direta, porém a Sociedade Amigos da Cinemateca conseguia patrocínios e receitas e com isso podia complementar suas necessidades. Já funcionou assim, e funcionou muito bem, a Cinemateca virou um centro de referência, um laboratório de restauro. Inúmeros filmes brasileiros foram restaurados, alguns relançados no cinema. A obra de Nelson Pereira dos Santos foi quase toda restaurada. Filmes do Hector Babenco, muita coisa.

PAS: Poderia se esperar algum socorro da administração estadual ou municipal?

AS: Veja, o prefeito se manifestou interessado em assumir. Acho que qualquer manifestação de interesse de resolver o problema é bem-vinda. Portanto, como a Prefeitura já tem modelos de contrato de organização social, se assumisse ela provavelmente faria isso, um contrato de gestão com alguma instituição privada.

PAS: Você chegou a aceitar o cargo de secretário de Audiovisual na gestão de Roberto Alvim na Secretaria de Cultura?

AS: Foi. Eu fui convidado, aceitei, achei que podia contribuir para um momento tão difícil que o cinema brasileiro estava enfrentando. Meu nome foi aprovado, fui para Brasília inclusive, cheguei a trabalhar umas quatro semanas. Mas a minha nomeação mesmo não saiu. Aí, quando Roberto saiu, eu saí, né?, porque eu não estava nomeado. A Regina também não assumiu, ficou sem secretário, eu saí. Então fui sem nunca ter sido.

PAS: Deu para fazer alguma coisa?

AS: Deu, a gente conseguiu que o presidente assinasse a cota de tela para 2020. Fiquei muito orgulhoso em ter conseguido. Conseguimos aprovar os 705 milhões de reais para o Fundo Setorial no finalzinho do ano, senão a gente ia perder.

PAS: Para muitos, é um governo de características fascistas. Você se sentia bem em participar?

AS: Olha, fui convidado para cuidar da Secretaria do Audiovisual. Perguntei se teria autonomia para fazer o trabalho que considerasse correto. Me disseram que eu teria. Eu entendo que estaria trabalhando para a Secretaria do Audiovisual. Eu não teria que estender bandeiras com que não concordasse. As coisas que pude encaminhar aconteceram. Para mim, te falo com toda sinceridade, o episódio da cota de tela era decisivo. Se não tivesse sido assinado, eu não teria ficado. O presidente assinou. No ano anterior, num governo que a gente não chamava de fascista, não assinaram. Eu não quero dizer com isso que eu não tenha eventuais críticas a esse governo. Mas acho que se a gente pode contribuir para que as coisas caminhem é melhor do que só reclamar, né? Essa é a minha visão.

PAS: É que se a gente olhar, por exemplo, o Ministério da Saúde, quem entrar lá tem que aderir à ideologia do governo, tem que defender cloroquina…

AS: Portanto, a pessoa que for entrar entra ou não entra. Se alguém me dissesse “veja bem, não pode mais fazer filmes com mulheres nuas”, eu sairia. Ninguém me pediu. O episódio da cota de tela não foi no primeiro dia, teve um diálogo. E aí, com a posição de que era necessária a cota de tela, ela foi assinada, então acho que contribuí. A mesma coisa a aprovação dos 705 milhões para o fundo setorial. Teoricamente, esse recurso, que se chama Plano Anual de Investimento, o PAI, teria que ter sido tratado no primeiro semestre, porque era o PAI de 2019. A diretoria da Ancine não cuidou disso. Os ministros e secretários que passaram antes não cuidaram disso. A gente fez a reunião do comitê gestor, que foi na semana anterior ao fim do ano, no finzinho, aprovamos e ganhamos o recurso. Se não tivesse sido feito até dia 31 de dezembro, teria perdido 705 milhões. Então acho que foi possível contribuir positivamente pelo que vale. Enquanto eu pudesse contribuir, teria contribuído. Se eu achasse que minha posição, minha biografia, minhas ideias estavam sob risco, eu não ficaria. Entendo que é delicado, mas naquele momento eu achei que podia ajudar.

PAS: Foi Roberto Alvim que te convidou?

AS: Foi.

PAS: A passagem dele foi no mínimo turbulenta, como você avaliaria aquele final?

AS: Aquele final foi muito decepcionante, claro. Foi muito decepcionante. Eu não conhecia Roberto, não era uma pessoa com quem eu convivia. A maneira como fui convidado, foi tudo muito surpreendente. Não era meu plano, absolutamente. E aquele vídeo, claro, foi muito, muito, muito ruim. Fiquei muito constrangido. Acho uma pena, um erro. Acho tudo errado. Não é porque tinha uma foto ou um símbolo ou uma frase. O vídeo todo é errado, né? Para que conflitar, litigiar?

PAS: Temos um ano e meio de governo, daria para usar o termo “catastrófico” também para o setor cultural?

AS: Olha, eu não acho que as ações do governo são catastróficas no setor cultural, porque na prática está funcionando a Lei Rouanet, que é a principal ação do MinC. O que eu acho que é muito ruim é, como eu posso dizer?, o astral. É uma coisa de o tempo inteiro a cultura ser tratada e colocada como uma coisa ruim, negativa. Tem uma desvalorização muito grande da cultura.

PAS: Muitas vezes é tratada como inimiga.

AS: É isso, como inimiga. Agora, não é só o governo federal, né? Se você olhar bem, tem bem mais perto da gente políticas catastróficas para a cultura.

PAS: Está dizendo aqui em São Paulo?

AS: Olhar mais perto… Veja o que aconteceu com o orçamento da Cultura no estado.

PAS: Que foi o quê?

AS: Você precisa pesquisar.

PAS: Queria ouvir da sua boca…

AS: É, então, mas não vai ouvir, não (risos).

 

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