Como era de se esperar, o presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro e sua secretária de cultura Regina Duarte nada disseram sobre as mortes do escritor Rubem Fonseca (11/5/1925-15/4/2020) ou do cantor e compositor Moraes Moreira (8/7/1947-13/4/2020).
São dois dos maiores nomes do Brasil em suas respectivas áreas, mas aos ocupantes do Palácio do Planalto e arredores, isto pouco importa.
Se não se solidarizam pelos famosos, o que esperar das milhares de vítimas de coronavírus?
Ao que interessa: o cantor e compositor Zeca Baleiro fez circular o texto abaixo entre amigos, via whatsapp. Com sua autorização, Farofafá torna público, com exclusividade (ainda que tardiamente), o misto de lamento e convite à reflexão.
LÁ VAI O BRASIL, DESCENDO A LADEIRA
POR ZECA BALEIRO
Recebi a notícia da morte de Moraes Moreira na segunda, 13, no fim da manhã. Dois amigos me enviaram quase que simultaneamente a notícia. Na dúvida se era fake ou não, liguei pro amigo e parceiro Fausto Nilo, que divide parceria e amizade com Moraes há dezenas de anos e canções. Sua resposta: “Acabei de saber, parceiro. Infelizmente é verdade”.
Passei a segunda-feira triste e abalado, como se tivesse perdido um irmão mais velho (nunca perdi, só imagino a dor) ou um primo/amigo distante, a quem se quer muito bem, apesar do pouco contato. Tive poucos encontros com Moraes, sempre amorosos. Ele está, no meu panteão particular da música brasileira, entre os seus maiores inventores, e não só pelo trabalho à frente dos Novos Baianos. A carreira solo de Moraes é também brilhante e inventiva, mesmo quando esteve em momentos menos favoráveis em termos de mercado. E aqui chegamos ao ponto.
A morte de Moraes causou frenesi nas redes sociais. De Gilberto Gil a Drica Moraes, de Fernando Haddad a Ivete Sangalo, de Ciro Gomes a Maria Ribeiro, todos lamentaram a morte do baiano, realçando a grandeza e o pioneirismo do artista. Eu também postei uma canção em sua homenagem. Não ousaria duvidar da honestidade de nenhum desses posts/homenagens, mas há que se perguntar: é preciso morrer de fato para ressuscitar artisticamente? Ao longo de sua vida recente, Moraes Moreira não teria merecido de nós nenhum post emocionado e grato por sua música ter feito parte de nossas vidas, ter embalado nossos romances, nossas festas e nossa desolação diante do mundo cruel? Foi preciso morrer para ressurgir de certo ostracismo? (Midiático, digo, nunca artístico).
No fim da carreira, Belchior tocava em bares e pequenos teatros do interior com cachês de iniciante, apesar de seu imenso tamanho artístico. Luiz Melodia, antes de partir, fazia menos shows do que merecia fazer, sabe-se lá em que condições. E assim se dá com muitos artistas, não só os da música.
Quando o “jornalismo de internet” começou a sobrepujar o jornalismo profissional, nós rebeldes celebramos o fim de uma certa “curadoria” da notícia, o fim da editoria, por assim dizer. Mas o conceito de “mídia” já estava impregnado em nós. Aprendemos a supervalorizar o hype, o atual, o “novo”, o bem-sucedido, enquanto virávamos as costas aos artistas fundadores da cultura brasileira – e Moraes Moreira é um deles, não resta dúvida.
Em um lindo texto escrito na Folha de S. Paulo no mesmo dia 13, Sérgio Rodrigues lamentou que ficaremos sem a doce malandragem de Moares, num Brasil hoje governado por malandros otários.
Não deve ter sido coincidência que a morte de Moraes tenha ocorrido um dia após o fim da Páscoa, que celebra a ressurreição de Jesus Cristo. Cristo, todos sabem, tornou-se muito mais popular no seu post-mortem. Que os artistas brasileiros não precisem morrer para ocuparem o lugar que têm por merecimento. Isto não é um clamor ao mercado, mas à sensibilidade do povo brasileiro. Que ela sobreviva, apesar dos achaques da barbárie.
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Em tempo: Ricarte Almeida Santos e Neto Peperi compuseram, em homenagem a Moraes Moreira, “Só uma fake news”:
https://www.facebook.com/ricarte.almeidasantos/posts/3193330740677616
O ministério da cultura aplica guerra cultural aos mesmos moldes do PT. A ÚNICA coisa que diferencia são as PESSOAS afetadas.
ahahahahahahah