Rubem Fonseca, que encravou manhas e ódios caboclos no romance policial tradicional, morre aos 94 anos
Morreu no Rio de Janeiro na quarta-feira, 15, de parada cardíaca, aos 94 anos, o escritor e roteirista Rubem Fonseca, um dos autores brasileiros a vencer o prestigioso Prêmio Camões (2003), o mais destacado da literatura em português (além de diversos prêmios Jabuti e outros). Autor de temperamento recluso, o que cimentou parte de sua reputação, ele deixa pelo menos um romance unânime, A Grande Arte (1983), um marco da literatura policial no País. Nesse romance, Fonseca “cabocliza” a literatura noir, criando o detetive obsessivo Mandrake e utilizando o Rio de Janeiro como um cenário insidioso de dramas escorados na inevitabilidade da corrupção, da violência e do crime.
Há outras obras fundamentais na literatura de romances e contos do escritor, como O Caso Morel (1973), O Cobrador (1979) e Agosto (1990). Seus livros, recheados de brutalidade e personagens monolíticos, contém um condimento cinematográfico nato, e não foi à toa que diversos deles foram transpostos para o cinema e a tevê.
A Grande Arte (1991), sua obra mais festejada, foi vertido para a telona pelo cineasta Walter Salles, e o roteiro foi do próprio Fonseca e de Matthew Chapman. O norte-americano Peter Coyote encabeçou o elenco, que tinha ainda Raul Cortez, Giulia Gam e Paulo José, entre outros. Em 1993, estreou na Rede Globo a minissérie Agosto, sobre o suicídio do presidente Getúlio Vargas. A direção foi de Jorge Furtado e Giba Assis Brasil e a direção de Paulo José, Denise Saraceni e José Henrique Fonseca, filho do escritor. Em 2005, estreou pela HBO brasileira a série Mandrake, com Marcos Palmeira à frente do elenco.
Sua obra não conhecia impedimentos históricos e temporais. Em O Selvagem da Ópera, pela Editora Nova Fronteira, o protagonista era o compositor Antônio Carlos Gomes, autor de O Guarani. Com condimentos de farsa e romance, Rubem Fonseca conduz o leitor pela cena cultural e política da segunda metade do século XIX, imiscuindo-se nos bastidores da corte no Rio de Janeiro.
Fonseca era raramente visto fora de seu casulo e era comparado a outros misantropos famosos, como o curitibano Dalton Trevisan e o norte-americano J.D. Salinger. Em novembro de 1989, virou uma espécie de “meme” nacional sua surpreendente aparição num momento histórico universal, a queda do Muro de Berlim, em pleno horário nobre, na TV Manchete. Conhecido por não dar entrevistas, ele foi abordado pelo jornalista Luiz Azenha, que não o reconheceu, e deu uma declaração. Foi creditado como um brasileiro comum, José Fonseca. Em 2010, ele saiu novamente de seu refúgio para prestigiar, em São Paulo, o lançamento do livro de uma jovem escritora, Paula Parisot.
José Rubem Fonseca era mineiro de Juiz de Fora. Nasceu em 11 de maio de 1925 e formou-se em direito. Exerceu a advocacia e também foi policial, atividade que deu mais realismo a sua literatura. Também foi integrante de uma instituição que deu sustentação ao golpe civil-militar de 1964, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), e que tinha entre seus membros o general Golbery do Couto e Silva, expoente da ditadura. Fez editoriais e filmes de divulgação para o instituto com o codinome JRF.
O livro mais recente de Rubem Fonseca foi Carne Crua, de contos, lançado aos 93 anos. Um ano antes, lançara Calibre 22, no qual retornava com o personagem Mandrake, de A Grande Arte.