O jornalista francês Philippe Lançon estava na redação da revista satírica Charlie Hebdo em 7 de janeiro de 2015 no momento em que ela foi atacada por dois terroristas. Doze pessoas morreram, onze ficaram seriamente feridas. Sete dias depois do atentado, pela primeira vez em 30 anos de profissão, Lançon escrevia em um jornal, o Libération, para dar notícias de si mesmo em vez de relatar notícias dos outros. “O jornalista, com sua disciplina pavloviana, vinha em socorro do ferido para que o paciente pudesse se expressar”, escreve ele, no livro O Retalho, lançado pela Todavia Livros.
O Retalho, por conta do grau de aprofundamento do debate ético e profissional, se converte num livro fundamental da profissão de jornalista. Da primeira à última página, Lançon reflete sobre a persistência do humano debaixo das regras da imparcialidade e do distanciamento. “Escrevo para lembrar também disso, de tudo o que quase esqueci, de tudo o que perdi, sabendo que mesmo assim tudo foi esquecido e perdido.”
O momento que sobreveio ao massacre do Charlie Hebdo trouxe um sentimento de solidariedade e rejeição da violência. “Há pessoas demais que, pela palavra, recorrem à violência”, disse Lançon. Mas, dez meses depois, homens armados invadiram a danceteria Bataclan, em Paris, e mataram mais uma centena de pessoas. O Retalho se passa entre esses dois períodos terríveis, e narra em grande parte a rotina de Lançon tentando se recuperar dos ferimentos que sofreu (um deles na mandíbula, desfigurando seu rosto).
O Retalho. De Philippe Lançon. Tradução de Julia da Rosa Simões. Todavia Livros. 464 páginas, 80 reais.