As alucinações de Serguei

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“Vocês gostam de Wanderléa?” Gritos inaudíveis, é impossível ter certeza se a resposta é “sim” ou “não”. “Vocês gostam do rei Roberto Carlos?” Idem. “Vocês gostam de Serguei?” Silêncio sepulcral. “Então eu vou cantar as minhas alucinações”, Serguei responde ao silêncio.

Assim começa “As Alucinações de Serguei” (ou “Sergei”, como ele se assinava em 1966), o primeiro rock iê-iê-iê transviado gravado pelo artista amalucado que morreu na sexta-feira 7 de junho de 2019, aos 85 anos. “Nessas alucinações/ vejo o rei Roberto Carlos/ dirigindo seu carango/ Tremendão todo adoidado/ ele tem cabelos longos/ e ideias loucas também/ e comanda a jovem guarda, é barra limpa esse rei”, continua. “Eu Não Volto Mais”, lado B do compacto, é um êmulo de “O Carango”, do “tremendão” Erasmo Carlos.

Dois anos depois, em 1968, aparecem mais duas canções, no LP coletivo A Grande Jogada e a Margarida, com “Maria Antonieta sem Bolinhos” e “Eu Sou Psicodélico” – a abordagem ousada, de menção quase explícita às drogas alucinógenas em voga, será poderoso fator para atravancar Serguei junto às gravadoras convencionais. “Ganho pouco, bem pouquinho/ mas somado ao carinho/ que sempre, sempre a ti eu dediquei/ eu te dei todas as pompas sem querer ser rei”, canta em “Maria Antonieta”, já aparentemente resignado de não ser o rei do iê-iê-iê. Apesar de psicodélico no título, o rock “Eu Sou Psicodélico” é melódico e mimoso à la Burt Bacharach, e desfere: “A vida para um hippie é mais vida/ o mundo é uma flor/ sem espinhos/ e sem dor/ plantada com amor”.

Lançamento do obscuro selo Orange Discos, o próximo compacto, de 1969, traz “Alfa Centauro” e “Aventura”, e já padece da ressaca lisérgica que acometeu todo o rock psicodélico na virada para os anos 1970. A voz já está cremosa, o cantor está a anos-luz da Terra (e do sucesso comercial). De um jeito torto, “Aventura” guarda algum parentesco com as canções de protesto que a ditadura está varrendo diligentemente para debaixo do tapete. Com 1970 chega mais um compacto com o rock lisérgico-motociclista “O Burro Cor de Rosa” e “Ouriço”, bancado pela Polydor de André Midani.

O ideário hippie e o rock rural à moda do clube da esquina, de Sá, Rodrix & Guarabyra e d’O Terço marcam o compacto de 1975, com as idílicas “Pegue Zé (Rock Rural)”, um forrock de sanfona, e “De Sol a Sol”. Ironicamente, a questão gay não é explícita na música de Serguei – nesse sentido, apesar de anterior aos Secos & Molhados, ele perdeu o bonde da androginia e fez-se um Lulu Santos antecipado algumas décadas.

Compacto duplo “Samba Salsa”, de 1979

Os rocks de Serguei não mudaram o mundo, e provavelmente não mudariam mesmo que ele fosse um superstar. Mas ajudam a definir o sujeito divertido e despachado que ele foi. Ave, Serguei.

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