Em 30 de agosto de 2016, um dia antes da deposição definitiva de Dilma Rousseff no Senado, Tetê Espíndola falou sobre seu primeiro álbum independente, Pássaros na Garganta (1982), em entrevista a propósito de um show inspirado naquele trabalho fundador – mas que, por contingências da vida, permaneceu inédita por dois anos. Leia e/ou veja abaixo o passeio da cantora e compositora sul-matogrossense pela terra natal, pela música sertaneja lisérgica, pelo gosto da guavira, por Tetê e o Lírio Selvagem e, pelo encontro com Elis Regina aos 11 anos, em Campo Grande (MS) e pelo ato de assumir-se grisalha na faixa dos 60 anos.
Tetê Espíndola: Fazia 30 anos que eu não mexia nesse trabalho. Sempre tem uma ou outra que está no repertório direto. As que nunca saíram do meu dedo, do meu repertório, são “Cunhataiporã”, que é um grande sucesso do Geraldo Espíndola, “Cuiabá”, “Ibiporã”, “Canção dos Vagalumes” vira e mexe tô cantando, e “Sertaneja”, que é um sucesso, então sempre canto. “Crisálida-Borboleta” é uma música que coloquei agora, que faz parte do álbum que remasterizei e gravei essas inéditas. “Escrito nas Estrelas” (1985) e “Sertaneja” eu tenho que cantar, senão todo mundo acha falta no show. Vou colocar “Tamarana” (1980), que gravei antes do Pássaros, “Na Catarata” (1978), que foi do meu primeiro trabalho com meus irmãos (Tetê e o Lírio Selvagem). No show toquei com Felix Wagner, o cara que participou do LP, faz o piano e o vibrafone no LP. A vida separou a gente, ele foi embora, é alemão, mora em Berlim. Ele fez parte do conjunto Divina Encrenca, no tempo do Lira Paulistana. Ele voltou pro Brasil quando o Sesc Belenzinho me convidou pra refazer, eu achava que sem o Felix não dava, e alguém disse “Felix chegou, está aqui no Brasil de novo”. Então encaixou, a gente se reencontrou, tiramos as músicas de novo. Eu queria fazer com Almir Sater na viola, mas ele não pôde, e o Ivan Vilela participou. A gente fez basicamente igual o Pássaros. Desta vez somos só eu e o Felix mesmo, com participação do Arrigo Barnabé. Felix continua morando aqui, nunca mais foi embora. Ele sofre um pouco pra tocar guarânia e polca. Nós estamos recriando esse repertório, nunca vai ser a mesma coisa de 30 anos atrás.
Pedro Alexandre Sanches: O que é o sertanejo lisérgico?
TE: Eu chamo de universo lisérgico, foi nessa época que pintou a história do sertanejo lisérgico. Foi o Arrigo que falou isso pra mim: “O seu som e dos seus irmãos é muito lisérgico”. A gente compôs duas músicas muito importantes naquela época, que são “Sertão” e “Paisagem Fluvial”. Ele fez as letras. Essas duas músicas trazem aquele espírito do interior. No fundo a gente se encontrou aqui em São Paulo e o que nos uniu, ele fazendo aquele som maluco, urbano, foi esse cheiro de interior que nós tínhamos na alma, na nossa raiz. Foi isso que uniu eu e o Arrigo. “Na Catarata” (1978) é uma guarânia que a Alzira (E) fez, com letra do Carlos Rennó, que era casado com ela, foi em “Na Catarata” que o Arrigo se inspirou nesse papo de sertanejo lisérgico.
Eu vivi pouco tempo em Campo Grande, eu e Alzira saímos. Eu tinha 20 anos e ela 18 quando saímos do Mato Grosso, e não voltamos mais. Tenho 35 anos de São Paulo, ou mais. Acho que 37, depois a gente faz as contas. Aqui as pessoas perguntavam “como você aguenta viver nesta selva de pedra?”. Aí o que aconteceu? Eu fui fundo nessa história do sertanejo lisérgico. Comecei a desenvolver mais isso, porque eu e meus irmãos já fazíamos isso, falávamos sobre essa nossa relação com a natureza, que no fundo era uma loucura. Foi isso que realmente o Arrigo falou: “Vocês são muito doidos, olha o que vocês fazem”. Tinha um astral ecológico muito forte, desde quando a gente chegou eu e meus irmãos trazíamos esse papo ecológico, que não existia na época da discoteca.
PAS: Você disse que saiu de Campo Grande aos 20 anos?
TE: Saí, eu saí com Alzira, nós duas. Os meninos todos ficaram.
PAS: Era uma vida urbana, rural ou misturada? Era pantaneira?
TE: Não, nós nunca fomos pantaneiras, a gente não é de uma família de fazendeiro, nada disso. A gente se criou realmente num antro de arte, com a natureza muito presente, porque a gente morava meio afastado da cidade, tinha um brejo do lado da casa. A gente ia explorar o brejo, mamãe tinha chilique. Eu ia lá e a cobra enrolava na minha perna. Eu ouvia muitos sons de grilos, sapos, convivia com aquele som.
PAS: Os pássaros já estavam ali?
TE: Os pássaros, a gente parava tudo na hora do por do sol, subia em cima do telhado pra ver as andorinhas chegando.
PAS: Quem não é do interior não conhece esse sentimento, né?
TE: É, e Campo Grande até hoje é assim. É um por do sol lindo. O céu de Campo Grande, que eu chamo de Campão, não existe. Aquilo tudo foi tão intenso na minha infância e adolescência, que virou a minha raiz. Então é isso que eu explico: a natureza, os sons da natureza, e especialmente os dos pássaros, estão dentro de mim. Nada, nenhuma cidade, nenhum urbanoide, nenhum som louco vai me tirar isso, porque faz parte da minha raiz mais profunda. E eu me inspiro nisso, continuo me inspirando, fazendo meu trabalho, minha composição, desenvolvendo isso: o canto dos pássaros. Escuto um canto, já sei pra onde vai, já pego a melodia e o ritmo, fica tudo como arquivo na minha cabeça. Na hora que vou compor…
PAS: O lisérgico em Pássaros da Garganta vem da natureza também? Ou vem da cidade?
TE: Vem mais da natureza e da loucura de seres tão caipiras, tão caboclos, ele falava “a Tetê é tão índia, tão cabocla”, que loucura ela viver nesta cidade, São Paulo. E a loucura maior era eu cantar as músicas urbanas do Arrigo Barnabé. Aquilo pra mim, quando conheci, foi um desafio, um aprendizado. Eu e Arrigo trocamos muito naquela época de Lira Paulistana. Eu cantei as coisas dele, aprendi a cantar. Meu lance com a música é de ouvir, é intuitivo, eu não sei ler partitura. E ele se embrenhou mais, trouxe o interior do Paraná também pra fazer as coisas comigo. Esse disco, o Pássaros na Garganta, ele é…
PAS: …Além de ter a capa mais linda do mundo.
TE: Tem essa capa maravilhosa, com essas fotos do Luiz Fernando (Borges da Fonseca, então marido de Luli & Lucina e fotógrafo de Ney Matogrosso), com essa guavira. A guavira é um símbolo muito sensual, muito lá de Mato Grosso.
PAS: Acho que nunca comi uma guavira, que gosto tem?
TE: Basicamente em extinção. É uma frutinha do cerrado. Ela é assim, você pega ela madurinha, é verdinha assim, por isso pus o lado verde e o lado maduro no disco. A guavira é uma mistura desse verde com esse amarelo. Ela está no meio. E você dá uma mordidinha nela, ela estoura na sua boca, mas é coisa dos deuses, dá aquele negócio.
PAS: Gosto de…?
TE: É um gosto de guavira.
PAS: Visualmente parece um araçá, uma goiaba.
TE: Parece, mas não é. Tem aquela outra também, inhambu, será? Não, que é branca por dentro, você morde e sai aquela aguinha, mas parece um algodãozinho branco. Parece mais com aquilo que com uma goiabinha ou qualquer coisa assim. Só que ela é muito aguada, tem uma sementinha lá dentro bem pequena, então quando você estoura ela é água pura. Aí Carlinhos fez a letra, “água pura, a guavira água vira na boca”.
PAS: Você ainda come guavira, ou não dá?
TE: Ah, mas toda vez que eu vou.
PAS: Aqui não se acha?
TE: Aqui não. Lá vou atrás dos índios no mercado, sempre que é época de guavira a gente encontra, e eu fico matando a saudade. E a gente brincava muito disso na adolescência, “vamos catar guavira”. Papai falava: “Ah, foi no guaviral que aconteceu isso e aquilo”. Criou um lance sensual pra isso, os namorados iam catar guavira. E o pé de guavira é bem baixinho, uma arvorezinha muito baixinha. Então você tem que agachar, deitar, pra colher a guavira, então os namoros rolavam aí, no guaviral. Tem essa relação gostosa também, com namoro, com amor. Tudo isso fazia o Arrigo pensar que era lisérgico.
PAS: As músicas realmente têm esse tom, a “Canção dos Vagalumes”, os “Olhos de Jacaré”… É um cinema em forma de música.
TE: Tudo, tudo. A gente estava vivendo isso intensamente quando o Augusto de Campos criou o texto pro LP. Eu pedi, ele criou e deu o nome do texto: “Pássaros na garganta”. Eu e o Carlinhos ficamos loucos, “esse disco tem que chamar Pássaros na Garganta“. Mas por que será? Tem uma cachoeira, a mulher está pelada tomando banho de cachoeira, e chama Pássaros na Garganta? Pedi pro Augusto pra chamar o disco assim, e aí criamos uma música chamada “Pássaros na Garganta” pra entrar no disco. Rennó fez aquela letra, faltava uma letra ecológica mesmo, falando da situação. Você vê quantos anos se passaram e essa música é completamente atual, “ânsia de que a vida seja mais cheia de vida”, e tudo mais. Há mais de 30 anos eu cantava isso. As pessoas perguntavam: “Por que você grita tanto?, esse seu agudo…”. Eu cheguei numa conclusão que, especialmente naquela época, eu realmente cantava muito agudo. Hoje, depois de muitos anos, desenvolvi o meu contralto, uma oitava abaixo.
PAS: Era algo natural seu? Abrindo a boca pra cantar saía agudo?
TE: Muito natural. Era tudo, e eu compunha pra esse tipo de voz. Todo mundo, meus irmãos, fazia já pensando “Tetê vai cantar”. E eu cantava agudo, era natural pra mim. Depois de muitos anos eu comecei a pesquisar mais a minha voz, e vi que eu também podia desenvolver um grave, um grave que chama contralto, na minha extensão vocal. Estou explorando bastante isso no show de agora.
PAS: Seria um Pássaros na Garganta menos agudo do que era originalmente?
TE: Menos agudo, e com mais emissões de vozes, com a minha vivência, a minha maturidade de hoje. Nunca vai ser a mesma coisa, não tem nem como.
PAS: O que têm os Espíndola, que são tão musicais? Tem origem indígena nessa família?
TE: Olha, tem, por parte do meu avô materno. Tem um pouquinho de índio. Mas tem muito espanhol, Espíndola veio da Itália, nasceu na Itália como Spíndola, aí foi pra Espanha. De lá veio pra cá, pra fronteira do Paraguai, então tem uma coisa muito forte com a fronteira. Meus avós por parte de pai, um é bem do sul do Brasil, mais pro lado do gaúcho, que tem a ver com os espanhóis, e minha avó é paraguaia.
TE: São, então já começou ussa junção.
PAS: Paraguaia guarani?
TE: Guarani, claro, Paraguai, índio, tem uma coisa forte. Aí a minha avó materna, que veio do Oriente, turca, da Turquia. A família veio pro interiorzão do Mato Grosso, pro Centro-Oeste e conheceu meu avô, que era de uma família indígena, a mãe e o pai dele.
PAS: Chegava a ser de aldeia?
TE: Eu nunca pesquisei a fundo, puxa, já tem bastante tempo. Meu avô morreu com 90, 88, por aí.
PAS: Você conheceu ele? Era um índio?
TE: Era um indião. Tudo que nós temos de bugre vem dele.
PAS: Seria de qual etnia?
TE: Olha, era de Cuiabá. Eram cuiabanos, índios lá do norte.
PAS: Do Xingu?
TE: Talvez, mas cuiabano. Então musicalmente a família teve várias vergências de raiz musical. Tem essa coisa forte do erudito, porque meus tios trigêmeos tocavam piano, música clássica, e eram filhos dessa avó turca com esse índio cuiabano.
PAS: Eram tios trigêmeos?
TE: Trigêmeos, tocavam ao mesmo tempo, num piano só.
PAS: Chegaram a ser conhecidos?
TE: Conhecidos, eram do tempo do Zimbo Trio.
PAS: E como se chamava o trio?
TE: Não, era só trigêmeos. Eram amigos do Zimbo Trio, na mesma época. Moravam aqui, os Miranda moravam em São Paulo.
PAS: Miranda é o lado materno?
TE: É, materno. E os Espíndola moravam em Mato Grosso, Campo Grande, fronteira. E a gente tinha essa coisa de conviver com a música, principalmente eu e o Sérgio. Como você sabe a família é bem grande, somos sete artistas, sendo um artista plástico, que é o Humberto, e uma, a ovelha branca, como a gente chama, que é a Valquíria, que agora até curte isso. É a oitava irmã que não entrou na arte, não pintou e bordou. Ela é a ovelha branca, porque nós somos todos ovelhas negras. E o povo conhece muito quem fez o Lírio Selvagem comigo, Tetê e o Lírio Selvagem são Alzira, Geraldo e Celito.
PAS: Todos super índios. Olha essas roupas.
TE: Todos. Essas roupas foram feitas pelo João Sebastião, que faleceu, infelizmente, um artista plástico de Cuiabá. Ele pintou no nosso corpo, é uma malha pintada no corpo. A gente fez muito show com essa roupa no começo.
PAS: Muito psicodélica inclusive.
TE: A gente formou esse grupo, começou com ele. Foi o Sérgio, que é mais velho que o Geraldo, começou toda essa coisa da música popular brasileira. Foi ele que começou a aprender violão, por causa dos festivais. Aí já entra o novo show que estou fazendo com ele. A era dos festivais, que a gente viveu, tem uma influência muito grande dentro da minha vida. Mas os irmãos sempre se reúnem pra fazer um som, tem o mais novinho de todos, a raspa do tacho, que é o Jerry, que foi depois da Alzira.
PAS: O roqueiro da turma.
TE: E o Sérgio e Humberto, que são os mais velhos, também. Sérgio canta muito, toca baixo. E o Beto, que é o artista plástico, compõe e canta muito, tem uma voz potente. Então quando a gente junta, cara, e os sete começam a cantar, tremem as paredes, as portas, as janelas, a porta abre e fecha, parece que vai acontecer um negócio. A gente já fez vários encontros assim, gravamos o Espíndola Canta, fizemos o DVD. E agora a família está crescendo muito, porque estamos acoplando os filhos. No meu caso Dani Black, Alzira tem Iara Rennó, agora tem a Luz Marina também (filha de Alzira), o Sérgio tem o Lucas, e assim vai.
PAS: Isso ainda vai virar orquestra.
TE: Já são 15, sabia? O próximo show que fizermos a gente já vai ter 15 Espíndola no palco.
PAS: Quero voltar à origem indígena por um motivo. Quando você vê um ritual indígena, as índias são sempre muito agudas. Não era a índia dentro de você que cantava agudo?
TE: Talvez. Isso aí que pega então, por que eu tinha aquela voz? Por que eu desenvolvi e deixei vir? Porque como minha música tinha uma relação direta com a natureza, com a preservação, com os pássaros, eu fazia os meus improvisos, eu gritava. Porque eu achava que tinha que gritar pra chamar atenção mesmo, pras pessoas se tocarem, olha aqui, olha essa música aqui, lá do Mato Grosso. Não tinha ninguém conhecido lá, né? Só tinha a música sertaneja do Mato Grosso, que foi fantástica.
PAS: E o Ney Matogrosso.
TE: Estou lendo um livro lindo, do Rodrigo Teixeira, Rodrex, chamado Os Pioneiros, sobre a música de lá. Ele pega desde o começo, do índio, do Paraguai, do português que veio, do negro. Ele vai colocando, e no caso da minha música, da minha família, eu vou entendendo, é muito interessante pra entender toda essa raiz, toda essa mistura sonora que nós somos, que os Espíndola desenvolveram e deixaram vir à tona. São todos compositores. Tem várias vertigens. Eu recrio muito a guarânia e a polca, com outros ritmos, misturando blues. É o meu forte, faço muito isso, gosto de explorar o contracanto, o contratempo do ritmo. Porque harpa paraguaia faz o contratempo, aquilo marcou pra mim.
PAS: Por que a craviola, Tetê?
TE: Então, a craviola surgiu na minha vida porque um dos meus tios, tio Erasmo, um dos trigêmeos, mandou uma craviola pro Geraldo, em 1973, por aí. Tinha acabado de sair a craviola, que foi invenção do Paulinho Nogueira, e a Giannini estava fazendo. Ele mandou, chegou essa craviola, 12 cordas. Lá o povo todo tocava violão, mas tinha o violão de 12 também, que todo mundo já tava tocando, Alzira também começou a pegar. E o Geraldo começou a compor, ganhou essa craviola e foi um start pra ele começar a compor músicas incríveis, que nunca nem foram gravadas, que a gente fez na época. Tínhamos um grupo chamado LuzAzul, por isso a minha produtora chama LuzAzul, em homenagem. Foi o começo das composições, tudo na craviola. E eu cantava, ele fazia pra eu cantar com ele. Tudo agudo, porque a craviola tem um braço longo e dava essa coisa das oitavas, você dá uma aqui e outra aqui, violão não tem isso. Ela tem uma curvinha que dá pra você tocar aqui em baixo, aquele som meio de viola caipira, meio com cravo. Comecei a apaixonar por aquilo. E eu não tocava violão, eu só cantava. Todo mundo tocava, eu não tocava violão, e comecei a tocar craviola.
PAS: Assim como a sua voz, a craviola causou estranhamento?
TE: A craviola também. Além de tudo, pra chocar mais, eu tocava um instrumento que era muito metálico, muito agudo. E aquilo misturou com a minha voz e dava essa sonoridade lisérgica. Essa sonoridade começou a chamar muita atenção, e foi assim que eu comecei a minha carreira aqui em São Paulo e nunca mais voltei pra Mato Grosso. Só pra rever os pássaros que eu volto.
PAS: Qual é a história sobre a influência dos festivais?
TE: Eu e Arnaldo Black bolamos um trabalho em função dos 30 anos de “Escrito nas Estrelas”.
PAS: O famoso disco em que você não quis incluir a música de maior sucesso.
TE: Eu não, sabe quem foi? O produtor. O produtor não deixou. Fez parte lá. Tanta lenda, né? Quando “Escrito nas Estrelas” fez 30 anos, em 2o15, fez 50 anos do primeiro festival MPB, que aconteceu na Excelsior, inventado por Solano Ribeiro, em que Elis Regina cantou “Arrastão” (de Edu Lobo e Vinicius de Moraes). Quando comecei a pensar nisso, bolamos um show que se chama Cantando e Contando os Festivais. Já fizemos cinco shows, ganhei um edital da Caixa de Recife, deu pra estrear na Caixa. Bicho, só canto coisa que me representa, que foi importante pra mim. A gente conta a história da minha vida com a história dos festivais. São dois fios que andam juntos. Por que eu estou cantando “Arrastão”, “Alegria, Alegria” (de Caetano Veloso)? Não faço cronologicamente, fico brincando com a cabeça das pessoas no tempo. A Elis Regina, na época que meus tios trigêmeos tocavam com o Zimbo Trio, ganhou o festival com “Arrastão” e foi fazer um show, um dos primeiros shows lá em Campo Grande. Eu tinha 11 anos, não pude ir, fiquei arrasada. Mas ela foi na minha casa, um dos meus tios levou ela em casa.
PAS: Então você conheceu Elis aos 11 anos?
TE: Conheci, ali começou. A gente pega dali, de 1965, eu conto essa história. Tem “Travessia”, por causa da interpretação do Milton Nascimento e da música mineira, que teve muita influência pra gente. E tem os meus festivais. Eu ganhei como melhor intérprete quando tinha 14 anos, em Campo Grande. Canto essa música do Geraldo, “Sorriso”. Passo por ali também, contando a história da nossa adolescência em cima do telhado, todo mundo muito louco, Mutantes, tropicália. Mas antes tem a bossa nova, as músicas de protesto. Eu escolhi a dedo as músicas de protesto. Não estou a fim de ficar ressuscitando, que coisa chata, numa hora desta (a entrevista acontece um dia antes da votação no Senado que selou a deposição definitiva de Dilma Rousseff da presidência da República), né? Canto só “Carolina” (de Chico Buarque) e “Sabiá” (de Chico e Tom Jobim) dessa época. Canto “Sinal Fechado” (de Paulinho da Viola). Cara, “Sinal Fechado”, está muito dez, faço os dois personagens na interpretação. Só canto, quem me acompanha é o Sérgio no violão, esse meu irmão que sabe tudo de música, é um estudioso, lê partitura e ainda por cima canta. Ponho ele pra cantar comigo no show. Canto “Diversões Eletrônicas” (de Arrigo Barnabé, 1980) com a nossa versão. E “Londrina” (também de Arrigo, do festival MPB Shell 81), é claro. Tudo com o nosso jeitinho. Tem música que a gente tentou tirar, ir pra outro lado, e não deu, não adianta, essa música é isso mesmo, “Travessia” tem que ser ao pé da letra. Não dá pra ficar inventando. Mas na bossa nova a gente está renovando bastante, e mesmo as músicas de Caetano e de Gilberto Gil deu pra dar uma mexida legal. Pego a fase de “Arrastão” até “Escrito nas Estrelas” e viajo nesse tempo. O show está muito gostoso, muito, especialmente porque eu não toco, bicho, só tô cantando, é muito louco isso pra mim. Não é fácil, não, só ser cantora. A vida inteira eu cantei e toquei, eu repartia. Agora é só cantar, minha filha. Está sendo um desafio, como estou tendo coragem de cantar certas músicas? Meu Deus, como tive coragem de cantar “Arrastão”? “Travessia”? São músicas que marcaram muito com a voz daquele intérprete. Dá um puta trabalho cantar e depois falar. Agora tem o grande show, eu queria fazer um DVD, queria um Sesc.
PAS: Você falou que não era uma família exatamente pantaneira ou de uma realidade pantaneira. Você viajava para o Pantanal? Ouvindo “Olhos de Jacaré” imagino você dentro d’água cara a cara com o jacaré.
TE: Acho que cada um de nós, por a gente não ser de uma família de fazendeiros e não ter uma fazenda, a gente ia pro Pantanal, mas cada um teve uma vivência única e separada do Pantanal. Quando eu era adolescente fui pro Pantanal. Me impressionou muito, principalmente os pássaros. Foi a primeira vez que ouvi aquele ninhal, por exemplo. E o lance da água, eu ia muito no Rio Verde, a gente que morava em Campo Grande ia pra Bonito ou pra Rio Verde.
PAS: Iam pra Bonito antes de ser um destino turístico?
TE: Íamos. Agora é, mas naquela época? Essa cachoeira da capa, por exemplo, é na nascente do rio Verde, perto de Campo Grande. Eu e o Luiz Borges da Fonseca fomos até Bonito, e eu gravei “Fio de Cabelo” dentro da gruta. Quem gravou foi o Gordo, o Gordo do Lira Paulistana, Wilson Souto Jr. Nós descemos, ninguém entrava naquela gruta. Era um santuário. Agora podem entrar 60 pessoas por dia, tem um lugarzinho que caminha até lá. Quando a gente foi, a gente foi pendurado, com gravador de rolo. Gravei na frente com o lago, 60 metros de profundidade. E a voz que a gente gravou foi a voz do lago, o eco, a sonoridade. A gente fazia esse tipo de coisa, mais do que ir no Pantanal de Corumbá, do rio Paraguai. Mas recentemente, mais ou menos em 2006, eu e a Alzira ganhamos um edital e levamos o som da fronteira pra uma barca, se chama Água dos Matos. Fomos de chalana, corremos de Cuiabá até Corumbá. Descemos o rio Cuiabá, paramos, pegamos outra barca e entramos no rio Paraguai. Aí nós vivemos intensamente, agora que eu descobri o que é realmente o Pantanal.
PAS: E o que é?
TE: As águas. É pura água. Nós fomos no inverno. É um pedaço do planeta onde tem mais vida, por causa da água. A água é tudo, né? Ela abaixa, é um tipo de vida que aparece. Depois ela sobe, é outro tipo. Quando a gente foi, pra gente navegar, era inverno, era em julho. Era um projeto da Natura, uma expedição chamada Água dos Matos. A gente cantava na barca para os ribeirinhos, ia parando. Trocava o show pelo peixe que o menininho trazia na barca, a gente tocando de pé no chão, com um pessoal que nunca tinha ouvido falar de mim. Nunca. Tinha um pessoal, eu comecei a cantar agudo, tinha um velho e uma mulher, eles começaram a rir. Mas eles riam, eles riam de mim, “olha a voz dela, parece uma criança”, a outra falava “não, parece seriema”, “parece tal pássaro”. Foi muito, muito gratificante.
PAS: Como você reagia aos risos deles?
TE: Ah, fiquei fazendo graça pra eles, fazia mais loucura ainda, pra eles saberem como eu era. E a gente fez basicamente esse repertório de fronteira, que era uma música conhecida, de raiz, deles, (cantarola) “foi no belo Mato Grosso há 20 anos atrás…”. Todo mundo conhecia, mesmo os carinhas que nem tinham TV Globo nem nada. Eles sabiam que aquela música era boa. E a gente tocava aquilo. Foi a Lucina com a gente, e dos meus irmãos foi o Jerry. Foi maravilhoso. A gente viveu intensamente, 22 dias de expedição, oito dias direto na água. A gente entrou no mar, no marzão que era o rio Paraguai, ele é todo serpenteado, então quando enche daqui passa pra cá, chegamos num lugar que era um mar. À noite caiu uma tempestade, e tinha ondas enormes, batendo e derrubando as coisas no barco. A gente viveu aquilo, e era frio, mas era frio, de noite era muito frio. E um céu maravilhoso, de uma luz. Caiu um meteoro verde, passou assim. Caía estrela, caía tudo, só faltou cometa, meu. A gente chegou em Corumbá, e fizemos 15 músicas na barca, parcerias, “tricerias”. Ainda nem foi lançado, esse CD Água dos Matos. Ele já saiu, mas a gente não consegue unir todo mundo pra fazer show. Ainda não deu. Aconteceu um DVD, que a gente fez pra Natura, em 2007, e depois de muitos anos a gente entrou no estúdio. Por sorte a gente chegou em Campo Grande, entramos no estúdio e gravamos, todas as músicas quentinhas. É um repertório de chorar, de toda a nossa vivência lá. Foi assim que eu conheci realmente o Pantanal, foi agora.
PAS: A gente vê desde sempre que existe uma relação sua com a música caipira, que foi ficar explícita no projeto com Alzira, Anahí (1998). Queria que você falasse um pouco da sua relação com essa música.
TE: Mamãe cantava muito, dona Alba. Ela já faleceu. Foi ela que trouxe pra gente todo esse universo de música popular brasileira e, nesse sentido, de música de raiz. A gente escutava muito Cascatinha e Inhana. Depois, mais adiante, Délio e Delinha, uma dupla de lá. Tinha uma paraguaia, que chamava Jandira, que marcou muito pra mim, ela e o marido. O marido tocava harpa e ela cantava. Esqueci o nome dele (a dupla se chamava Jandira e Benites). Por que eu tenho essa coisa da música caipira? Eu sempre cantei com meus irmãos. Era um monte de voz, então a gente experimentava as vozes. Ninguém ensaiava direito, um fazia isso e o outro já vinha e acomodava. Por causa da música clássica, eu entendia as vozes, porque meus tios tocavam todos juntos. Tinha todas as vozes do piano na minha cabeça. Eu tinha cinco anos, ficava debaixo do piano escondida ouvindo o ensaio deles. Aquilo entrou na minha cabeça.
PAS: Como eram os nomes dos trigêmeos?
TE: Aécio, Marcelo e Haroldo. Todos já morreram. Papai foi o último, morreu com 100 anos. Enterrou todos os irmãos, era muita gente, tipo 13. Mamãe também teve uma família bem grande, e esses trigêmeos eram os caçulas.
PAS: Eles só tocavam música erudita?
TE: Só erudita. Então tinha o erudito, o popular bom, de rádio – Angela Maria, Maysa, Vicente Celestino, era isso que minha mãe cantava.
PAS: É por isso que tem a música da Angela Maria no Anahí? “Garota Solitária” não era exatamente uma canção caipira.
TE: Não, a gente fez uma homenagem, mamãe adorava cantar essa música. Mamãe tinha acabado de falecer quando a gente lançou esse disco. Então todos em casa têm muita facilidade, principalmente eu e Alzira, de fazer outras vozes. Ela faz a terça, a gente muda, eu vou pra terça, ela vai… Quando estão os outros meninos, a gente tem a possibilidade de fazer outras vozes, uma quinta. É tudo um desenho, né? É como andar num fio, a primeira voz é um fio e a outra é como se fosse uma sombra dessa, e pode entrar outra entre elas. É a terça que tem a ver com a música caipira. A terça é muito usada na fronteira, (cantarola) “galopeeeeeeeeeeira”. Todo mundo já está acostumado, até o público canta na terça. Todo mundo sabe o que é isso lá em Mato Grosso. E aqui em São Paulo, por causa da música caipira do interior, é um negócio que é entendido. Essa parte, quando eu cheguei, era entendida, que existia a terça, existia a quinta. Alguém fazia a primeira voz, a outra fazia a segunda – a segunda voz que fala é a terça.
PAS: Tem Luli e Lucina, e você e Alzira não são uma dupla, mas chegaram a formar uma dupla em algum momento, num universo masculino, de duplas aos milhares. Hoje existe um boom na juventude sertaneja, um monte de duplas de meninas.
TE: Mas é outro tipo de sertanejo, né? A nossa ligação com o sertanejo, com a música caipira, é realmente de raiz. A gente chama música de raiz. A nossa música não é, a sertaneja de hoje não tem nada a ver com a nossa época.
PAS: Você prefere falar música de raiz do que caipira ou sertaneja?
TE: Música de raiz. Caipira também fica bom. Mas acho que é mais música de raiz, memória musical. É a nossa memória. E a gente também começou a compor assim.
PAS: É uma memória que é meio rejeitada por um Brasil mais praieiro, mais litorâneo.
TE: É. O universo musical principalmente do Centro-Oeste ou era aquela dupla paraguaia, da fronteira, ou a música de Goiás, as duplas de Goiás. Mas nunca teve um… Acho que a minha geração – principalmente Geraldo Espíndola, Paulo Simões, Geraldo Roca – pegou isso, bebeu nessa fonte, e começou a fazer uma coisa mais pop, um pouco mais romântica e já colocando a paisagem. Mas a paisagem da natureza começou a aparecer mais mesmo na minha composição. Na verdade a primeira em que a gente falou da paisagem, descrevendo, é uma composição minha com Celito, “Piraretã”. Esse disco, Piraretã (1980), tem uma música… Eu fui a primeira cantora que gravei uma música de Arrigo Barnabé, você sabia? Antes do Arrigo aparecer e gravar o disco dele, eu gravei nesse disco “Tamarana”. É uma música dele com Paulo Barnabé. Gravei porque a gente já estava convivendo, antes de ele gravar Clara Crocodilo eu já tinha dois discos gravados, já tinha contrato com gravadora. Foi aí que surgiu o negócio dos independentes. Pássaros na Garganta já é independente.
PAS: Do selo Som da Gente.
TE: Agora ele é meu de novo.
PAS: Onde mesmo tem “Vida Cigana”?
TE: “Vida Cigana” é de Piraretã. Eu fui a primeira que gravei essa composição do Geraldo Espíndola, depois muita gente gravou.
PAS: É um clássico do Raça Negra (lançado em 2000). Eu queria abordar esse vínculo maluco.
TE: Então, bicho. E “Cunhataiporã” também gravei aqui pela primeira vez e regravei no Pássaros, porque na época era o meu maior sucesso. “Cunhataiporã” e “Vida Cigana”, as duas do Geraldo, fizeram muito sucesso na minha voz, no começo e até hoje. No show Craviolando eu canto. Qual foi o maior sucesso do Pássaros na Garganta, que não posso deixar de cantar até hoje? “Sertaneja”, que não é uma composição dos irmãos, é uma recriação, que foi um toque do Arrigo.
PAS: É Orlando Silva?
TE: Orlando Silva que cantava, que gravou pela primeira vez (em 1939).
PAS: Passa muito por uma música caipira também, mas era um ídolo urbano.
TE: Fui eu que fiz esse arranjo. Era um bolero, (cantarola com voz grave) “sertaneja”, do René Bittencourt. O Arrigo falou “pô, Tetê, essa música ia ficar muito legal se você cantasse”. Aí criei o negócio da guarânia. Essa música marcou e marca muito, até “Escrito nas Estrelas”(1985) ela foi o maior sucesso dos meus dez anos de carreira antes do festival.
PAS: Quem mais gravou “Vida Cigana”?
TE: Ah, gente lá de Mato Grosso. Quem mais? O próprio Geraldo, o povo da família.
PAS: Por que foi chegar no Raça Negra, que é um samba meio samba-rock, paulista?
TE: Sabe que eu não sei, bicho? Não sei, eles procuraram o Geraldo e gravaram. Foi muito bom pro Geraldo, trouxe muito sucesso, deu uma sacudida na carreira dele.
PAS: Tem esse tema do nomadismo, da vida cigana, que é um pouco o índio também, o que mora acampado.
TE: É, dos espanhóis também. A gente convivia muito com cigano em Campo Grande. Tinha os ciganos que acampavam.
PAS: As mães diziam pra não chegar perto…
TE: É, “cuidado!”, mas a gente tinha a maior curiosidade. A gente ia ver. E tinha uns que tocavam, então aquilo chamava muita atenção. A gente teve um terreno baldio em frente dessa casa onde a gente morou muitos anos, onde toda a arte se concretizou. Era um casarão, o casarão número 8. Já virou outra coisa, mas existe ainda o lugar. Depois virou um hotel. Era uma casa enorme, nós morávamos todos lá – fora os agregados todos. E no terreno baldio sempre apareciam uns ciganos, mas o que mais tinha era circo. A gente conviveu muito com circo, então eu e Alzira temos essa coisa, gostamos de fazer palhaçada, criar personagens, tudo por causa do circo. O circo fazia parte da nossa casa, era tão grande que entrava um pouco dentro do nosso jardim, os macacos andavam na minha casa. A gente convivia com isso, era gostoso. A mamãe abria a porta mesmo pro circo, sabe?
PAS: Você chegou a cantar em circo?
TE: Não, eu era muito criança.
PAS: De uma época pra cá acabou.
TE: Acabou, era o Circo Gianini. Ele existe ainda. Depois, numa certa hora, nós mudamos dali. A gente teve uma passada por Curitiba, viveu um ano lá. Foi muito importante pra mim.
PAS: O músico tem uma vida cigana por essência, né? O cigano moderno vive em quarto de hotel.
TE: É (ri). É o negócio que Caetano diz, né?, “como é bom poder tocar um instrumento”. Isso já é mais de agora, esses ciganos chegarem a ter um violão, poxa, que legal. É isso, é a nossa vida. Estou com um disco novo pra lançar, vou finalizar ele em Paris com meu amigo Philippe Kadosch, com quem já gravei dois discos. Agora ele vai dar uma finalizada no meu, que já gravei em Campo Grande, com as minhas músicas.
PAS: É um período de alta produtividade?
TE: Muito, muito, de dois anos pra cá. Estou com 62 anos, depois que a gente faz 60 a coisa voa. Você fala “ah, meu Deus, estou com 60 anos!”. Acho que isso dá esse espírito de fazer as coisas, de fazer o que não fez, de querer recuperar as coisas que ficaram pra trás. Da minha família, sou a única que tenho esse arquivo daquela época de 1972, 1973, do LuzAzul. Arrigo fica falando “pô, Tetê, quando você vai fazer um show, um disco com aquelas músicas do Geraldo?”. São músicas de outras afinações. Estou nesse processo agora, começando a colocar no dedo, na munheca da craviola. Estou tirando as músicas, abrindo o baú e pescando. Esse próximo disco tem oito composições minhas, parcerias com Bené Fonteles, Arrigo, uma guardada que achei num caderninho. Tenho tudo guardado, tudo. Caiu uma letra assim, que letra é essa? Amarelo, amarelo, papel já se fazendo. Era uma letra que o Arrigo tinha feito pra mim, a primeira letra lisérgica que ele fez, 1979.
PAS: Você só foi musicar agora?
TE: Peguei e musiquei na hora. Sentei e pá. Aí começou o lance do disco novo, que vai chamar Luz e Anzol (acabou se chamando Outro Lugar), presente com passado. Queria tanto lançar este ano ainda, mas não vai dar tempo, porque o projeto dos festivais está pegando fogo. O show de Pássaros na Garganta é internacional, estamos batalhando pra fazer no exterior, nos festivais. Craviola com vibrafone é um som muito diferente. É tudo paisagem sonora. É agua pura. Gosto de fazer os arranjos falando “aqui vamos fazer um por do sol”, “aqui tem que pingar igual as gotas de estalactite”. Felix fica louco: “Eu não sou músico de cinema”. Ele sabe fazer, é pessoa que entende meu som. E o Kadosch entende minha voz, ele é um francês que acha que é brasileiro. Ele não se conforma de não ser brasileiro. É um amigo do Arrigo, foi Arrigo que me apresentou, a vida fez a gente se encontrar e a gente fez a parceria de Vozvoixvoice (2001). E fizemos outro trabalho, em que eu desvirginei uma língua que ele inventou em cima das línguas em extinção do mundo. É muito louco, ninguém tem aqui no Brasil. Só foi lançado lá, chama Babeleyes. Ele desenvolveu, criou uma nova linguagem em cima de línguas em extinção, e eu desvirginei isso, porque fui eu que cantei pela primeira vez e dei o sotaque pra língua. E agora, que apresentei Mawaca pra ele, ele está superfeliz porque está começando um trabalho com o Mawaca. Tenho muita coisa gravada com ele em Paris, que ele vai lançar num próximo trabalho.
PAS: Penso na Baby Consuelo, na Baby do Brasil, vendo seu cabelo roxo, mas sei que não deve ter nada a ver. Por que esse cabelo? É roxo? Como chama a cor?
TE: Isso aqui é uma rinsagem. O que importa é que meu cabelo é branco, é todinho branco. Eu nunca mais pintei. Tive cabelo branco muito cedo, e agora assumi. Passo uma rinsagem, não sei se a Baby passa ou não. O dela é azul. Eu gosto de ficar entre o roxo, o lilás e o rosa. Essa última que passei é dificílima de achar, você não acha a mesma, esta ficou mais pra roxo. Antes dessa estava uma rosa. Fico entre rosa e roxo, e resolvi não pintar mais a raiz, vou assumir realmente a raiz branca. Acho que mais um ano.
PAS: Dizem que é difícil pras mulheres assumir o grisalho. É?
TE: Mas tem dois anos já que assumi. Quando fiz os 6o anos falei: não, agora chega. Foi difícil, os dois primeiros meses, você está acostumada…
PAS: Deve ser um saco ficar pintando toda hora.
TE: De 15 em 15 dias você ter que pintar pra não aparecer o branco. Cansei disso.
PAS: E por que o branco não pode aparecer?
TE: Por que, né?… Então agora, graças a Deus, está super na moda, coincidiu. Deixei coincidir no final do ano, que eu ia pra praia, de dezembro pra janeiro, ficaram dois dedos de raiz. Não senti tanto a loucura toda porque a partir daí comecei a usar essa rinsagem. Pro povo entender: rinsagem não é tintura. A rinsagem é um produto natural que trata o cabelo e tem essa pigmentação.
PAS: Indígena de novo…
TE: Indígena. Veio da Índia, e do Japão. As mulheres japonesas usam muito. Quando você tem um cabelo branco, branco, você passa a rinsagem e nunca sabe que tom vai ficar. Fica mesclado. É diferente da tinta, que cobre tudo. A rinsagem dá esse… É divertido, uma hora estou rosa, outra hora estou pink, uma hora estou bem roxa (ri).
PAS: Quem já causou estranhamento com a voz aguda e com a craviola causa com o cabelo, seja ele tingido ou branco?
TE: Ah, eu chamo atenção em tudo quanto é lugar. Principalmente as pessoas mais idosas. Elas acham demais o meu cabelo, “como você conseguiu esse tom?”. Quem não tem o cabelo branco ou pinta eu digo: “É só parar de pintar, assume o seu cabelo branco e usa uma rinsagem”. Em farmácia me param pra perguntar, em supermercado, na rua. Eu, que já estou nessa idade, já sou uma diva, uma senhora, né?, isso chama muita atenção, porque me deixa uma velhinha diferente. Eu gosto de ser assim, cansei, eu não seria…
PAS: Uma velhinha é demais, você não é uma velhinha.
TE: Daqui pra frente é velhinha.
PAS: Você se sente?
TE: Não, de jeito nenhum, mas o povo tem um preconceito com cabelo branco. Acha que, se tem cabelo branco, é velhinha.
PAS: Com mulher, porque homem pode. Isso é machismo, não?
TE: É, homem fica lindo de cabelo branco, né?
PAS: Vai ver mulher também fica, só que não deixam…
TE: Então, mas agora tem um monte de mulher de cabelo branco, assumidamente. Ainda bem que parou essa história. Agora acabou, quem tem cabelo branco é velhinha? Não, eu tenho porque depois dos 6o anos é uma coisa legal, você entra na fila de prioridade, entra no avião primeiro, no banco…
PAS: Você já está usufruindo?
TE: Nossa, faço questão. Estacionamento, tudo isso. Estou adorando, é muito legal. O mais legal de tudo é maturidade, você fica com a cabeça ótima.
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