Era uma crônica anunciada desde o início desta década, em episódios relativamente desorganizados como o Manifesto Carnavalista e o Existe Amor em SP. Em 2013, Fernando Haddad (PT) assumiu a prefeitura de São Paulo e deixou o bicho crescer. De cerca de 200 blocos de rua em 2014, a cidade passou a abrigar cerca de 300 no ano passado, especula-se que com maior arrecadação geral que o velho e confinado carnaval de sambódromo. Para 2017, há 495 blocos cadastrados na prefeitura paulistana.

Neste janeiro chegou ao poder o novo burgomestre (segundo o linguajar da revista golpista Veja) de São Paulo, João Doria Jr. (PSDB), ao que parece disposto a organizar e orientar o carnaval. De cara surge a pergunta: é possível apagar 495 blocos (100% deles integrados por centenas e às vezes milhares de seres humanos) do mapa, como se fossem desenhos inanimados gravados nos muros da avenida 23 de Maio?

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Portaria para a subprefeitura cinza de Pinheiros

Para seu primeiro carnaval como rei momo eleito, o apagador humano Doria Jr. mandou o subprefeito de Pinheiros editar uma portaria, daquelas bem restritivas. Meteram o facão no carnaval classe média da Vila Madalena. Proibiu (veja bem, PRO-I-BIU) blocos com mais de 20 mil pessoas, o que, se estendido à cidade toda, inviabilizaria iniciativas comerciais como os blocos de Alceu Valença Daniela Mercury e o carnaindie dos Acadêmicos do Baixo Augusta.

Organizadores de blocos se retraem diante da permanente tensão público-privada, agora sob nova direção, entre os foliões anárquicos de rua e os moradores insones dos bairros mais boêmios e carnavalescos. Há quem pense que governar é arbitrar conflitos. Há quem pense que o porrete resolva todo e qualquer impasse. O Brasil de agora sofre da hiperpolarização intransigente entre os dois polos opostos.

A gestão Haddad trabalhava para dispersar os blocos ao anoitecer (uma invenção paulistana, o carnaval apenas diurno?) silenciosamente, sem fazer alarde nem gritaria, valendo-se de limpezas, faxinas, jatos d’água e outros artifícios dispersores, digamos, leves. Organizadores de bloco temem que a bala de borracha e o gás lacrimogêneo tão apreciados por governos conservadores resolvam voltar a frequentar o baile popular de 2017, como fazia na gestão seresta de Gilberto Kassab (PSD).

Ao que contam bloqueiros que vinham se consolidando em anos recentes, estancou-se o livre fluxo de diálogo que a gestão Haddad e os blocos vinham tateando. Integrantes de blocos afirmam que as reuniões coletivas de tempos atrás vêm sendo substituídos por chamados em pequenos grupos ou individuais. Os grupos de foliões de rua já vivenciam uma nova realidade, na qual decisões verticais determinam que rua e avenida pode, que avenida e largo não pode.

A batuta do maestro Doria Jr. aponta para a instituição de “blocódromos” em pontos específicos de bairros específicos da cidade, nos quais os blocos terão de passar não mais em cortejos espontâneos, anárquicos e dispersos pelas ruas, mas em sequência, em desfile, como se estivéssemos em um… sambódromo. Assim como o fazem as grandes cervejarias patrocinadoras, a Liga das Escolas de Samba de São Paulo busca avançar sobre o carnaval de blocos de rua, sabedora de que os lucros privados vêm (ou vinham?) escoando pelas sarjetas públicas.

Impõe-se a segunda pergunta, aquela que existe desde que os tucanos têm bicos: Doria Jr. e seus mentores pretendem re-esvaziar as ruas paulistanas no carnaval, ou “apenas” privatizá-las? Persistirá nos próximos anos a noção de que o espaço público existe para ser frequentado por pessoas, ou voltará ao primeiro plano o uso da via pública apenas para transportar valores?

Acima de tudo, a guerra de folia de 2017 será simbólica, feita de limões de cheiro, ou o aparelho repressivo brasileiro que se ergue e ruge feito pitbull arrasará nas (e as) fantasias neste carnaval? A bolsa (sempre ela) de apostas está aberta.

 

 

 

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