Novo MinC é mais antigo do que se pensa, e falta de transparência já é uma marca da gestão interina que se inicia

Jotabê Medeiros



A primeira entrevista foi à revista Veja. O primeiro artista a abraçá-lo foi o ator Odilon Wagner. A primeira entidade a abrir negociações com ele foi o grupo Procure Saber, de Paula Lavigne, que chegou a preconizar censura prévia na publicação de biografias no País.

O perfil do ministro interino da Cultura, Marcelo Calero, vai se desenhando mais pelo que deixa ver do que pelo que impede de ver. Negocia onde vê acolhida fácil, locomove-se onde há pouco atrito. Representa evidentemente uma guinada ideológica, nenhum problema até aí. No entanto, é preciso atenção: a recriação do Ministério da Cultura é antes uma transcriação do que um renascimento.

O novo MinC nasce já com um sinal controverso: no dia 23, no Diário Oficial da União, o decreto que o recriava também lhe impunha um apêndice, a Secretaria Especial do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Sabemos que o MinC já tinha uma entidade vinculada que cuidava do Patrimônio Histórico, o quase centenário Iphan. Qual a necessidade de se criar, na miúda, uma nova secretaria para isso?

Ainda não se sabe nada sobre esse novo apêndice, não foi nomeado o secretário e no site do MinC não há, ao lado das outras 6 secretarias pré-existentes, um texto sobre suas atribuições. Ex-integrantes do governo afastado, no entanto, veem uma intenção clara nessa secretaria: tirar o Iphan da jogada, “esvaziá-lo de sentido” e facilitar interesses da especulação imobiliária.

É compreensível a preocupação. Os técnicos do patrimônio histórico são uma pedra no caminho de todos os gestores vorazes desse País. Eles são vigilantes na questão de intervenções em sítios arqueológicos, áreas históricas urbanas e edificações antigas, não importa a coloração partidária. O Masp, por exemplo, queria construir no seu entorno uma torre bisonha (que foi até apelidada de “Pirocão”) para angariar recursos, mas essa intenção foi brecada – o Masp é o grande símbolo arquitetônico de São Paulo. O Iphan suspendeu obras olímpicas na Lagoa Rodrigo de Freitas e embargou intervenção no anel viário de Porto Calvo, em Alagoas. Em Congonhas do Campo (MG), outra intervenção bárbara que não foi adiante por causa do Patrimônio Histórico era um “depósito de obras” para abrigar as imagens do Aleijadinho.

Criado em 1937, o Iphan é um órgão técnico preservado da voracidade dos interesses políticos pelo menos nos últimos 20 anos de democracia. Onde pretende chegar a tal secretaria é um fato que será revelado em breve. Até mesmo para que se negociem bens de interesse histórico, o Iphan é empecilho: é preciso avisar o comprador que naquilo ali não se mexe sem autorização. Um secretário na área pode ter a função de “desburocratizar”, ou entregar sem delongas. Qual poderia ser a outra?

Curiosamente, na posse de Marcelo Calero, o presidente interino Michel Temer anunciou a destinação de recursos da ordem de R$ 250 milhões para “sanear as finanças” da pasta. Esse dinheiro ainda não existe, viria da megablitz de privatizações que o regime no poder estima fazer a toque de caixa. O novo ministro não quer saber de onde virão os recursos, ele só quer que venham e o quanto antes.

Observadores do mundo cultural temem um rápido “encolhimento” do antigo MinC que viria num enxugamento compulsório. Instituições sem direção tendem a morrer por inação. E o vazio deixado pelo cria-descria-recria de Temer já faz seus efeitos. O Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) comunicou essa semana que “devido ao forte contingenciamento orçamentário que órgão enfrenta”, resolveu cancelar o 7º Fórum Nacional de Museus, que seria em Porto Alegre este ano.

Até agora, se sabe que Helena Severo (ex-secretária de César Maia e Anthony Garotinho) vai assumir a Fundação Biblioteca Nacional. Flávia Piana foi convidada para a Secretaria Executiva do MinC, mas recusou. Carla Camuratti foi sondada para assumir a Fundação Nacional de Artes (Funarte). Alguns integrantes do governo Dilma parecem querer ficar.

Calero também estuda a adoção de um mecanismo de endowment, um fundo para editais públicos que se destinaria exclusivamente ao financiamento de fundações. Seria apenas para o custeio dessas instituições, nunca para a atividade-fim. Estimularia acervos e corpos estáveis. Isso só seria possível se o MinC recebesse repentinamente recursos extraordinários – mas para uma pasta que seria extinta por economia, não parece um milagroso contrassenso?.

Claro que há problemas na gestão cultural do Brasil. Não fosse assim, não se admitiria que o Museu de Arte Moderna (MAC) de Niterói fosse alugado para a Louis Vuitton. Mas não é justamente permitindo a adoção do vale tudo que resultou nisso que se desenhará uma “política de Estado”, como preconiza a democracia.

Apesar do sorriso largo do ministro, o problema é que seu início prenuncia uma falta de transparência, uma coisa que não vai ajudar quando ele tiver que se bater com a questão da ocupação de 27 sedes do Ministério da Cultura pelo País (incluindo a Funarte de São Paulo e o Palácio Gustavo Capanema no Rio). Esses artistas, músicos e produtores, segundo reportagem do Los Angeles Times, convertem-se rapidamente numa nova oposição no Brasil. Ignorar isso não vai facilitar nem um pouco para o nouveau régime.
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