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Parece que eu estou dentro de um filme. Quando me dou conta, estou no meio da cena. Do alto do carro de som, e ecoando pelo asfalto, os militantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) entoam com força o manjadíssimo slogan de manifestações  “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!”.

Passam correndo por mim um, dois, três, não sei quantos homens vestidos de preto e munidos de câmeras de filmagem e outros equipamentos midiáticos. Saio correndo atrás do último deles, e ouço a galera ao redor rachando o bico de dar risada – mais que tensa, a cena tem um quê de filme d’Os Trapalhões.

A cena é mesmo digna de um exército de Brancaleone: a) equipe da Rede Globo, com microfones e câmeras tampados sem identificação e roupas camufladas todas pretas, como se estivessem de luto, b) militantes de vermelho vaiando, hostilizando, rindo e passando corridão nos homens de preto, c) euzinho no final da fila.

Eu, no caso, sou Pedro Alexandre Sanches, 46 anos de idade, jornalista profissional há 20, dez anos de estrada de rodagem na Folha de São Paulo (1995-2004), mais quatro na CartaCapital (2005-2009), ou últimos seis vividos na vida frila, capenga, mal das pernas, empregado-e-patrão de mim mesmo (e do irmão e colega uspiano de faculdade de jornalismo Eduardo Nunomura, parceiro de todas as aventuras deste FAROFAFÁ).

Mas por que corro atrás da Rede Globo? Estaria eu também em busca de um emprego cheio de mordomias e salários regiamente depositados em paraísos fiscais BRITÂNICOS pela família Não-Marinho?

Não, não é o caso. Aqui no asfalto da marcha pela democracia de 13 de março de 2015, eu, além de ser eu mesmo, estou também transmutado em Midia NINJA por um dia. Estou atrás dos globais porque tenho uma ideia na cabeça e uma câmera-celular na mão e posso, eu mesmo, sozinho, filmar e transmitir ao vivo para você o bem-humorado passa-fora dos trabalhadores vermelhos braSileiros em seus irmãos trabalhadores azuis da multinacional braZileira Globo.

11071130_292132234243994_1742334682629923867_nTento explicar o contexto. Menos de 24h atrás, atendemos à convocação da colega Laura Capriglione, uma das mais completas repórteres do BraSil com S (ex-colega de Folha, por sinal), e participamos de uma reunião que culminou na criação do grupo colaborativo #JornalistasLivres (procure saber, caro colega, #ProcureSaber!), com o objetivo inicial específico de fazer uma cobertura ANTIGOLPE das manifestações pró e anti-Dilma Rousseff de, respectivamente, 13 e 15 de março.

Enquanto discutimos animadamente o que fazer, algo incrédulos de estarmos testemunhando um ensaio de nossa própria organização desorganizada, um lampejo me vem à cabeça enquanto observo Gabriel Ruiz Rafael Vilela, amigos e companheiros mais-que-jornalistas do controverso coletivo Fora do Eixo: eu também quero ser NINJA por um dia.

Em poucos minutos euzinho, dinossauro tecnológico que tenta-mas-não-consegue estar antenado com as transformações por minuto dos meios de comunicação, baixo o aplicativo Twitcast, aprendo o básico de seu uso com o Gabriel, volto pra casa me perguntando se daqui a bem menos de 24 horas vou ter coragem de entrar numa aventura dessas.

Entro. Entro por uma razão simples. Desde as manifestações de junho de 2013 trago a convicção de que mais uma revolução dentro das muitas revoluções que vivemos começou quando, hostilizadas expulsas pelos manifestantes, as câmeras da Rede Globo e de outras redes de mídia televisiva tradicional subiram para os helicópteros (os “robocops”, “globocops”, “heliPÓpteros”, qualquer desses tipos de monstrengos hollywoodianos). Ao subirem a céus olímpicos, nossos antigos Big Brothers abriram passagem para que, praticamente no mesmo instante, os NINJAs (e outros cinegrafistas-cidadãos) se materializassem no asfalto e se tornassem tradutores das manifestações vividas de dentro, não das beiradas, muito menos do céu.

O jornalista, ali, começava a se transformar no que sempre foi: um participante ativo, e não mais aquela garatuja de observador ~isento~, alienado e alienador dos acontecimentos preconizado por seus patrões.

(E, gente, que emocionante ver e ouvir a população discutindo política enfática e efusivamente, apenas cinco meses depois da mais recente eleição! Como diz o colega de #JornalistasLivres e de mídia televisiva Rodrigo Vianna, que bem nos tem feito a direita conservadora e reacionária ao tentar nos destruir!).

De volta às ruas: desde junho de 2013, a mídia global-hollywoodiana não controla mais a transmissão das manifestações públicas de massa no BraSil. Eis por que eu saí, por mero instinto, correndo atrás dos colegas da Globo: para ajudar a demonstrar uma vez mais que a mídia corrupta não é bem-vinda onde os trabalhadores estão, e que onde o povo está a Globo (& suas foquinhas amestradas) não pode(m) estar. Quem é contra a corrupção, afinal de contas?, o BraZil ou o BraSil?

Quando chego em casa, vejo no Jornal Nacional imagens daquele repórter de elite que é a cara do Fernando Color (como é o nome dele?) narrando a passeata de dentro da passeata, todo-todo, dono da razão como eles sempre são. Me lembro imediatamente de um vídeo que, pouco antes, o companheiro de #JornalistasLivres Ivan Freitas me mandou (e me fez, de início, me perguntar quem diachos era aquele policial militar de capacete e farda parecido com o governador tucano Geraldo Alckmim). Espia:

Não sei se foi esse mesmo sósia de Collor que persegui na corrida atrás dos ninjas PM globais. De todo modo, minha experiência pessoal, neste dia aventuroso, é oposta à que o Collor Cover Global viveu. Por onde passo com meu celularzinho, seja me identificando ou não como NINJA e/ou #JornalistasLivres, sou acolhido com sorrisos, olhares afetuosos, abraços, desejos de bater papo. O manjado grito de “abaixo a Rede Globo” não é contra os jornalistas ou contra a mídia – é contra AQUELA mídia, aquela que mente para os enganar 24 horas por dia, sem parar, em seus muitos (quase todos) canais.

Minha conclusão, ao final dessa primeira jornada, é que… ser um NINJA é difícil pra caralho! Para quem se acostumou a carregar só contate (e olhe lá), em pouco tempo o pequeno celular começa a ficar pesado (a transmissão, fora algumas folhas, digo, falhas ~técnicas~, é ininterrupta durante o trajeto todo). Além de energia, é preciso ter muito assunto, e como não tenho tanto assunto assim, menos ainda retórica, fico sem palavras e emudeço durante longos trechos de trajeto.

Ao contrário do que todos tememos e quase esperamos, a manifestação transcorre 100% pacífica, festiva, sem confrontos, sem depredações (a própria #GloboGolpista reconhece isso em reportagens de rabo entre as pernas). A propósito, este aprendiz de NINJA sairia de banda rapidamente se se visse no meio de confusão (viu, Nina Lemos?!), mesmo sabendo que esse seria um comportamento antiprofissional, antijornalístico – pô, meu, antes de jornalista eu sou gente – prezo por minha integridade física antes de qualquer coisa – é um contraponto de eu jamais esconder meu nome e minha cara atrás de rótulos-clichês do tipo black bloc, anonymous ou outras sub-invenções da indústria POLÍTICA de Hollywood para ludibriar jovens e tiozões de países, er, menos desenvolvidos.

Minha incursão como NINJA é uma provocação aos próprios amigos da Mídia NINJA (fui eu que me ofereci para entrar na transmissão e na página deles, até receoso de não ser aceito). Gosto dos NINJAs quando eles mostram a cara (no célebre Roda Viva de 2013, por exemplo, que tanto dissabor causou à época aos também amigos Pablo Capilé Bruno Torturra – e Lino Bocchini, acrescento aqui), não gosto quando resvalam para antiquíssimos subterfúgios subterrâneos ditatoriais. O erro não são os erradores, e quem nunca erramos que atiremos a primeira câmera na mão e a primeira ideia na cabeça.

Certamente, falei um monte de bobagem durante minhas muitas horas de transmissão – bobagens que um NINJA talvez não falasse e que um jornalista profissional a serviço da mídia tradicional jamais falaria. Falei da minha sexualidade, do meu lado, das minhas posições políticos, do meu apoio sempre entusiasmado aos governos petistas de 2003, 2007, 2011 e 2015.

Adicionando um ponto às provocações, concordo efusivamente com os colegas #JornalistasLivres quando afirmam que precisamos ser sóbrios e antipartidários nessas nossas coberturas. Ao mesmo tempo, discordo respeitosamente dos que ainda guardam dedos medrosos para, enquanto cidadãos/cidadãs, peitar as próprias escolhas e os próprios votos nas mais recentes eleições.

É algo que me causa espécie desde o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva: depois de cada eleição, levas e mais levas de eleitores agem como se simplesmente nunca tivessem votado em quem votaram – estou falando especificamente de cidadãos-jornalistas, mas também de quaisquer outros cidadãos. Os próprios políticos o fazem, tal qual fizeram, em seus respectivos tempos, Luiza ErundinaMarina Silva Marta Suplicy, três mulheres (ex-)petistas aparentemente inconformadas por ser presididas por uma mulher que não elas mesmas.

IMG_2422O processo é tão daninho que, de tempos para cá, eleitores de Lula e de Dilma se transformam em seus opositores ferrenhos e rancorosos apenas um ou dois ou três meses depois da posse do novo presidenta – quando não antes mesmo desse prazo. Não preciso repetir o rame-rame neoliberal de que todo governo merece e tem de ser criticado – o que me deixa pasmo é que o façam (jornalistas especialmente, para bem de sua própria sinceridade e transparência perante os leitores) primeiro fingindo que não votaram em quem votaram, depois eventualmente combatendo o próprio voto, sempre ameaçando desembarcar de si próprios.

Isso me cheira a falta de auto-respeito, auto-estima, amor-próprio, qualquer desses termos tão surrados quanto “o povo não é bobo abaixo a Rede Globo”. A indústria jornalística vai ruir – está ruindo – já ruiu por incompetência de patrões ultrapartidários camuflados dentro de peles de cordeiro, mas também (quem sabe principalmente) pela tibieza de nós mesmos, empregados semi-escravizados que latimos pelos patrões enquanto eles se refestelam do alto das sacadas gourmet.

(As sacadas gourmet, já que mencionei, são a mais ~nova~ manifestação do midiagolpismo de helicóptero e heliPÓptero – trabalhadoras nas ruas sendo xingadas de “vagabundas” por patrões do alto de edifícios de luxa – a mais antiga das profissões de luta de classes).

Falei pelos cotovelos: é por isso tudo que desejei ser NINJA por um dia, rompendo ao mesmo tempo com normas dos NINJAs e dos patrões de jornalistas que escrevem manuais de redação tão falsos quanto notas de R$ 35. Este texto procura ser leal aos acontecimentos sem fingir imparcialidade; cioso sem deixar de ser transparente; oblíquo, mas nunca dissimulado; ponderado sem jogar no lixo o próprio direito cidadão à manifestação e ao voto; ~antijornalístico~ para quem sabe conseguir um dia ser aquilo que mais quero ser quando crescer: um jornalista.

 

Obs.: parabéns a todas as companheiras e companheiros que mandaram ver e fizeram a mais linda das coberturas via a tag #JornalistasLivres – vocês somos FODAS – amanhã tem mais!

 

#JornalistasLivres em defesa da democracia: cobertura colaborativa; textos e fotos podem ser reproduzidos, desde de que citada a fonte e a autoria. Mais textos e fotos em facebook.com/jornalistaslivres.

 

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8 COMENTÁRIOS

  1. Muito bacana a cobertura de vocês. Acompanhei partes dela durante o trabalho. Também postei o link da CUT SP no meu Blog para que muitos leitores assistissem este cobertura “da hora”. Parabéns pelo desempenho. O Brasil e os trabalhadores precisam dos Ninjas ao seu lado.

  2. Oi, Pedro. Muito interessante esse seu texto-depoimento. Mas me saltou aos olhos o trecho, que colo a seguir, que me incomodou e fiquei aqui tentando entender as razões:

    “Os próprios políticos o fazem, tal qual fizeram, em seus respectivos tempos, Luiza Erundina, Marina Silva e Marta Suplicy, três mulheres (ex-)petistas aparentemente inconformadas por ser presididas por uma mulher que não elas mesmas.”

    E daí me caiu uma ficha, a do possível sexismo benevolente. Tomara que eu esteja enganada na interpretação do texto – porque faço o exercício que você propõe a partir do manifesto dos #JornalistasLivres, o exercício do jornalismo não-arrogante, do jornalismo autocrítico, que não fica apontando o dedo, mas debate, reflete, discute na boa.

    Mas quando li o fim da frase, me soou como um trechinho de ~recalque~ atribuído a “mulheres que têm invejinha de outras mulheres”. O fato é que, a despeito de serem mulheres, o jogo político estava posto. E escrever, sem refletir, uma frase que termina com um “três mulheres (ex-)petistas aparentemente inconformadas por ser presididas por uma mulher que não elas mesmas” é de uma carga que, inconscientemente, reforça essa ideia da invejinha, apenas pelo fato de serem mulheres que se sobressaíram nesse grande jogão da política-macho.

    Lamentei porque me pareceu um escorregão seu, que escapou, assim, sem querer. E acho importante a gente tomar esses cuidados pra não reproduzir isso sem refletir.

    Abs!

    • Oi, Evelin. Muito obrigado pelo seu comentário!

      Vou refletir sobre isso, é possível que você tenha toda razão – e, nesse sentido, eu deveria ter incluído, no mesmo tópico, nomes como os de Plinio de Arruda Sampaio (já morto) e Cristóvão Buarque, que me parecem imensamente menos relevantes e centrais que os de Luiza, Marina e Marta.

      É possível, sim, que haja o ranço do sexismo na minha argumentação. A inclusão desse trecho se deve a meu imenso incômodo com as atitudes recentes de Marta, de quem sou eleitor (como já fui da Erundina). São insatisfação de eleitor que quer cobrar seus representantes, mas, sim, aceito sua crítica de que possam ter um laivo sexista (no Plínio, no Cristóvão, no Dirceu etc. eu nunca votei).

      De todo modo, minha grande ~dor de cotovelo~ (hahahaha) é mesmo por essas três mulheres que eu tanto admirava terem ido engrossar o caldo do antipetismo a qualquer custo.

      Abraço, obrigado pela delicadeza, conto sempre com sua vigilância crítica!!! <3

  3. Pedro,

    Quando li “jornalistas livres” fiquei empolgado. Mas depois de ler o texto uma dúvida ficou. Achei que o “livres” seria desvinculados de qualquer amarra e com isenção para mostrar a verdade. Livre “deste” mas “preso” àquele não me parece uma liberdade real. Esta “verdade” que se mostra é tão tendenciosa quanto a daqueles que criticamos?

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