Uau, acabo de devorar “O Bisbilhoteiro das Galáxias – No lado B da cultura pop”, livro de estreia do jornalista Jotabê Medeiros, crítico e repórter do jornal O Estado de S. Paulo. É uma pequena grande obra da literatura musical. É uma soberba lição de jornalismo para jovens que queiram seguir a profissão. E é, até onde sei, uma inédita exposição dos bastidores do mundo pop, que de pop quase nada tem.
O livro usa como argumento pequenos flagrantes fotográficos tirados por Jotabê Medeiros em sua jornada de intrépido repórter musical. Um lambe-lambe faria retratos mais bonitos, mas a beleza da obra reside justamente nesse olhar comum que as imagens nos remetem. Porque é a partir delas que o jornalista escreve pequenos e bem-humorados textos desnudando o mundo pop. Não há a glamourização do artista. Não vemos o suor pingando de Bruce Springsteen durante um show, nem a dança maluca de Amy Winehouse no palco. Vemos Iggy Pop vestido e de chinelo e meias esperando seu voo num aeroporto. Manu Chao no botequim do Hugo, em São Paulo. Bob Dylan vestido até o pescoço em pleno outono carioca. Roberto Carlos, sisudo, de costas para o Muro das Lamentações, em Jerusalém.
Em pleno Oriente Médio era como se um armistício de exageros tivesse sido declarado. A plateia de cinco mil pessoas se espalhava pelas imediações da fortaleza murada de Davi. Alguns seguravam cartazes como “Shalom Bahia”, “Belém do Pará em Israel”, e outros berrava “Eu te amo, Roberto”, usando camisas do Flamengo ou do Botafogo e entoando corais imensos para canções muito conhecidas. No Brasil, obviamente.
Jotabê Medeiros é uma testemunha privilegiada da cultura pop, mas não só porque atua há 25 anos na cobertura da área musical. Muitos outros também estão na estrada há tempos, só que vivem à mercê de assessores de imprensa, dos jabás (mimos oferecidos para “alegrar” para quem vai escrever) e da agenda imposta pela indústria cultural. Começam seus textos com frases como “O melhor show de todos os tempos”. O sempre bem-informado Jotabê, ao contrário, costuma se expor, como quando criticou um show de Guns n’Roses, de 2001, e que no livro ele reflete sobre o episódio:
Escrever crítica de rock, de um show visto por 130 mil pessoas, é como escalar o selecionado nacional – sempre haverá umas 30 mil que vão divergir violentamente de sua escolha. As outras serão muito mais objetivas: simplesmente vão querer matar você.
O livro reúne 50 textos de artistas, a quase maioria de músicos, que são reexaminados pelo autor sem a “formalidade” da reportagem ou da crítica publicada no jornal. Apenas 8 são brasileiros, e não espere encontrar no livro Lulu Santos, Skank, Ivete Sangalo ou Claudia Leitte. Pop, para Jotabê Medeiros, são Arnaldo Baptista (“não estava ali em forma – era o que sobrara dele que estava ali”), Zé Ramalho (“naquela noite, em Piritiba, descobriria que a vida geralmente é muito mais dura com os vivos do que com os mortos”), Eumir Deodato (“Para ele, Stan Getz era um oportunista medíocre. Tom Jobim jamais poderia ser chamado de ‘maestro soberano’ – no máximo de ‘compositor soberano’, pois tinha preguiça de fazer arranjos”) e até a pouco conhecida banda de heavy metal brasileira Gloria (“eles atravessaram um campo minado e não perderam nem um dente”).
Poderia escrever muito mais sobre o autor e o livro, mas se você quer conhecer de verdade nosso Lester Bangs tropical, nosso John Fante com muito mais dinheiro e sorte, vale a pena comprar o livro (aqui já está à venda). Deixo apenas um mea-culpa que Jotabê Medeiros faz sobre seu trabalho, a partir de um encontro fortuito com o senhor de terceira idade Ritchie, sim, o autor de “Menina Veneno”:
Devo advertir que testemunhei os anos 1980 de um observatório não muito privilegiado: o de aspirante a cronista pop. Não tinha dinheiro, não tinha para onde correr, não tinha onde publicar. Mas me recordo perfeitamente que Ritchie, para a cartilha de nossa época, era alguém a ser desprezado, assim como Kid Abelha ou Sempre Livre ou coisas massivas do tipo. Não haveria lugar ali para debruçarmos nossa “nobreza crítica” (…) Era um preconceito típico de nossa época: só quem roçava o circuito da MPB universitária poderia ser considerado digno de nota. A gente se escorava num pretexto de fundo meio marxista: no Brasil, programas de TV como O Cassino do Chacrinha, Silvio Santos, Raul Gil, Gugu Liberato e outros contribuíam para disseminar uma ideia de uma música popular sob custódia, domesticada, massificada, obediente, manipulável. Como representantes do povo, cumpriria a nós defender o povo desse rebaixamento.
PS: o título do post remete à inspiração do autor para o nome de seu livro, “O Guia do Mochileiro das Galáxias” (tradução para o original The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy, de Douglas Adams)
Estou sem dinheiro para comprar seu livro. A vida é dura não só para os repórteres.
Iggy pop é um rock star de quinta categoria, não emplacou nenhum “hit”, não criou nenhuma horda de bandas, não fez nenhum dark side of the moon, mas vcs sabem, é da cultura pop gostar de junkie “punk”, pq são incompreendidos, tristes e “underground”.. O mesmo vale pra lou reed, kurt cobain e ian curtis.. “É maneiro ser diferente, mesmo que na época haviam bandas mais maduras, mais populares, mais influentes e com maiores vendagens”
e até a pouco conhecida banda de heavy metal brasileira Gloria??
Sério mesmo? Tipo, tem o Angra, vários nomes, tem o sepultura.. Cara me vem e fala de Glória? Uma banda com composições para um publico teenager???