O funk não agoniza mas pode morrer

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Dois vereadores paulistanos conservadores, de partidos de direita (PTB e PSD), fizeram o que parte da esquerda adoraria fazer, mas faltava coragem. Os ex-policiais militares Conte Lopes e Coronel Camilo conseguiram aprovar um projeto que proíbe a realização de bailes funk em espaços públicos e também em locais privados de livre acesso. Pelo Projeto de Lei 2/2013, que só depende da sanção do prefeito Fernando Haddad (PT), a metrópole paulista pode acabar com essa manifestação cultural.

“As pessoas de bem não dormem sexta, sábado e domingo, tem mães que ficam o tempo todo tapando os ouvidos dos bebês para eles poderem dormir e pessoas me ligam para dizer que precisam ir a um hotel para descansar”, explicou o vereador Conte Lopes (PTB) ao site FAROFAFÁ. “O objetivo é que a prefeitura organize esses bailes e não que ocorram onde as pessoas bem entendam.” Nas palavras do vereador, ao proibir a livre manifestação do funk nas vias públicas, a cidade estará combatendo o tráfico de drogas, o sexo com menores e o crime organizado influenciando as periferias.

Na justificativa para o projeto, os vereadores argumentam que um baile funk é “uma aglomeração de centenas de pessoas, com a participação de menores de idade, que, ao som de música ensurdecedora, reúnem-se em ruas, praças, jardins e muitas vezes em postos de gasolina, bebendo bebidas alcoólicas, usando drogas e fazendo sexo em plena via pública”. Isso sem falar no jovem que insiste em ouvir a música no celular em alto volume, sem o fone de ouvido, ou em carros de som “tunados”.

O vereador é irônico ao dizer que Haddad deve ter se sensibilizado com essa questão depois de ter passado a madrugada de terça-feira (10) com uma “batucada” de sem-teto protestando na frente de seu prédio, no bairro do Paraíso. Conte Lopes alerta que os funkeiros já se organizam para invadir um novo shopping center da capital, desta vez, no próximo fim-de-semana, no Aricanduva – no último fim-de-semana, jovens da periferia ocuparam o Shopping Itaquera.

Prefeito Fernando Haddad (de paletó e camisa branca) com funkeiros - Foto: Secom-PMSP
Prefeito Fernando Haddad (de paletó e camisa branca) com funkeiros – Foto: Secom-PMSP

Em julho, Haddad já havia se reunido com os funkeiros. Juca Ferreira, secretário municipal da Cultura, promoveu, em agosto, um encontro para discutir uma política cultural para o funk em São Paulo. Falou francamente: “É parte de um lado obscuro que o Brasil carrega desde os períodos da escravidão até hoje, criminalizando práticas culturais de parcelas grandes da população”. E mais: “Não são só a polícia, os gestores, os vereadores que discriminam o funk. Uma parte da sociedade tem uma visão equivocada do funk. Como secretário de Cultura, recebo uma quantidade enorme de cartas de pessoas e associações de bairro pedindo para proibir o funk, os bailes.”

Entre os leitores de FAROFAFÁ e do site da revista Carta Capital, há inúmeras manifestações contrárias ao funk. É tema dos mais polêmicos da atualidade, que consegue unir em torno dessa causa diferentes matizes ideológicas. Quantas pessoas que se consideram de esquerda, por exemplo, torcem, ainda que às escondidas, para que a lei dos vereadores conservadores seja sancionada pelo prefeito progressista?

No Rio, berço do funk brasileiro, um decreto estadual delegou a responsabilidade pela liberação dos bailes funks para a Polícia Militar. A associação Apafunk denuncia que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) perseguem os movimentos culturais e impedem a realização dos encontros dos jovens embalados pelo funk. Em outras partes do país, a música da periferia sofre dos mesmos preconceitos.

MC Dede, um dos maiores expoentes do funk paulista, consegue ver um lado positivo se a lei for sancionada em São Paulo, já que ele mesmo se incomoda com as cenas de consumo de drogas que presencia, o incomôdo das pessoas mais velhas e a falta de organização nos bailes improvisados. “O funk gera muito fluxo de rua, então se rolar a proibição as casas de shows vão passar a contratar mais”, afirma. O funkeiro realiza cerca de 40 bailes por mês, cada um deles a um custo de R$ 8 mil. Ele entende que por trás do espírito da lei paira uma perseguição e um preconceito da sociedade em relação ao gênero. “(A lei) Não tira nossa essência. Se isso surgiu na periferia, é a própria periferia que tem que brigar para ver o funk em melhor ambiente. Quem vem de fora acha a gente desordeiro, bagunceiro, mas vai passar anos e anos e o estilo musical mais tocado e ouvido ainda será o funk.”

A perseguição ao funk remete ao surgimento do samba no Brasil. Negros da Bahia migraram para o Rio e se instalaram nos bairros da Saúde e da Gamboa e nos arredores da praça Onze. Era na famosa casa de Tia Ciata, a baiana Hilária Batista de Almeida, na praça Onze, que políticos, empresários e outros abonados se reuniam para comer e dançar ao som do “pagode”. Pixinguinha tocava por lá, assim como Donga, autor do primeiro samba brasileiro, de 1917:

Apesar de bem frequentado, o samba era considerado naquela época um gênero musical de “negros e vadios”, que devia ser tratado como um “caso de polícia”. Na casa de Tia Ciata, a roda de choro na sala sempre dava um jeito de avisar à turma da batucada, que corria solta no quintal, sobre a chegada dos policiais. Mas a perseguição generalizada ao samba e o custo de vida subindo no centro do Rio acabaram por afastar a música e os músicos para os morros, onde o gênero acabou criando novos ares e novos nomes. Nos anos 1930, o samba invadiu as rádios e se firmou com o surgimento dos blocos carnavalescos.

Se no princípio do século passado, políticos tivessem usado a mão forte do Estado contra uma cultura da periferia, não teríamos tido o samba. Ismael Silva, Noel Rosa, Ary Barroso, Ataulfo Alves, Lamartine Babo, Braguinha, Nelson Sargento, todos esses sambistas geniais poderiam nem ter existido. Cartola seria apenas Angenor de Oliveira, um negro pobre de um barraco no Morro da Mangueira. Está nas mãos de Haddad a possibilidade de dizer a que veio.

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4 COMENTÁRIOS

  1. A manifestação de alguém de esquerda mais relevante sobre o funk foi a do filósofo Vladimir Safatle
    no artigo Nome próprio da cultura (de 03/07/2012), criticando uma possível subvenção pública a este tipo de “subproduto cultural” . Houve o mimimi de um interessado, um doutorando em criminologia, repetindo os clichês do coitadismo social, iguais a este texto de Eduardo Nunomura: comparaçãoes patéticas entre o funk e o samba, criminalização dos pobres, um possível efeito “emancipador”, “transgressor”, “desestabilizador” deste tipo de ruído, e por aí vai. Ou seja, coisa pra boi dormir.

    PS: só para tranquilizar o colunista, enquanto existirem descaso com a educação, materializados nos enormes índices de analfabetismo funcional, pedagogos/sociólogos interessados, em nome da vaidade acadêmica, em manter crianças e adolescentes fechados no seu gueto, sem possibilidade de uma formação cultural e científica consistente, o funk não morrerá!

  2. Concordo com o Otto. Comparar a situação do funk de hoje com o surgimento do samba é abominável.
    Essa geração funk é fruto cultural do lixo de educação pública em que fomos submetidos desde a época do FHC e que, infelizmente perdura até hoje. Gente sem capacidade intelectual adora músicas monossilábicas que só falam de festa e vida fácil.
    Aliás é fácil defender bailes funk quando o mesmo acontece bem longe de suas casas, não é. Que tal passar um final de semana no extremo leste para ver como sua opinião muda logo.

  3. Olha, eu acho que cada um tem uma forma de pensar e de ver as coisas que se passam, eu sou funkeira e com muito orgulho, não nego isso a ninguém. Não acho que o funk seja resultado da educação precária em que o Brasil se encontra, pois existem pessoas muito instruídas que admiram o Funk. Mas a opinião é de cada um e não devo criticar só pelo fato de pensar diferente. Mas acho que deveriam pensar um pouco antes de “ofender”, digamos assim, as pessoas que admiram e ouvem o Funk, pois cada um defende o que acha certo, e pessoas como essas pra mim, são desnecessárias!

    • O funk há muito deixou de ser uma questão de gosto musical.
      Uma coisa é povo da classe média que frequenta teatro, cinema, vai pra fafaculdade e viaja no feriado ir curtir o funk pra se divertir, outra bem diferente é ter uma enorme população na periferia que só tem os bailes como opção de lazer e ñ conhece mais nada.
      O autor do texto reproduziu o que esse bando de intelectual com doutorado nas costas que nunca pisou na periferia de São Paulo repete aos ventos, afirmando que o funk é a Cultura da periferia ao iinvés de aproveitar o espaço que tem e discutir a precariedade da educação pública, o emburrecimento da população e o descaso o espaço público visto como terra de ninguém ao invés de espaço de todos.
      Amigo, se certo cada um ouve o que quer, a discussão da lei está em torno da perturbação que o baile causa pra quem é obrigado a ouvir sem gostar, das praças cheias de caco de vidro, das portas que amanhecem puro xixi e para alémalém disso a afirmação de que isso é a Cultura da periferia. Se o caso é tratado com polícia é porque ninguém está realmente querendo discutir nada, é suficiente manter os pobres longe dos equipamentos públicos espacialmente e agora socialmente também, e que a políciapolícia os mantenha assim.
      Espero que o autor reflita melhor sobre o assunto e aproveite seu espaço na internet para falar da situação de caos que se encontra a periferia de São Paulo ao invés de repetir o que sociólogo da classe AAA anda dizendo.

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