A Fifa fez questão de esclarecer: casal de brasileiros negros para apresentar a cerimônia do sorteio da Copa do Mundo não vai rolar, músicos negros para animarem a plateia, sim, claro que pode. É a Casa-Grande & Senzala, só que do século 21.
Ontem (26), a chefe mundial do futebol deu algumas explicações sobre o veto ao casal Lázaro Ramos e Camila Pitanga, preteridos pelo casal Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert. O portal BOL Notícias procurou o Comitê Organizador do evento, que respondeu, em nota, que a escolha dos apresentadores e do corpo artístico do sorteio é de responsabilidade da GEO Eventos, “em momento algum, vetou o nome dos artistas citados” e acusações de racismo não têm fundamento, “pois a lista de artistas que participarão do sorteio final demonstra a diversidade da sociedade e da cultura brasileira. O elenco escolhido para a data inclui Emicida, Alcione, Margareth Menezes e Olodum“. E prossegue a nota:
“A respeito do tema levantado pelo blog ‘FAROFAFÁ’, da revista Carta Capital, que afirmou que a música-tema da Copa-2014 seria interpretada pelo porto-riquenho Ricky Martin, o Comitê avalia que houve um engano. De acordo com a Fifa e a gravadora Sony, o ex-Menudo foi sorteado para integrar o álbum oficial da Copa do Mundo da FIFA 2014. O artista que irá cantar a música oficial do evento será anunciado somente no começo de 2014.”
Já cobri uma Copa do Mundo em 2002, quando o Brasil voltou com o pentacampeonato. Já seria um torneio diferente por ter sido disputado em dois países, Coreia do Sul e Japão. A estranheza maior, contudo, era com a organização impecável do Mundial. Nada, absolutamente nada, sai do controle da entidade. Nas redondezas dos estádios, quem manda é Comitê Organizador, com apoio das polícias locais. Como jornalista munido de uma credencial da Fifa, conseguia furar qualquer bloqueio policial e os disciplinados policiais sulcoreanos e japoneses apenas abaixavam a cabeça para eu passar. As exigências são tantas ao país-sede que até artigo acadêmico discute se o evento não viola a soberania nacional.
As manifestações de junho de 2013 foram contra muitas coisas, mas também contra a realização da Copa do Mundo no Brasil. Às vésperas da realização do Mundial, tudo o que a entidade que comanda o espetáculo não quer é ser associada ao racismo, ou a falta de combate a ele. O presidente da Fifa, Joseph Blatter, em seu perfil no Twitter condenou os torcedores do Bétis, da Espanha, que imitavam macacos para o jogador brasileiro Paulão.
Em entrevista ao site da revista “Rolling Stone“, o cineasta Spike Lee criticou o veto aos atores negros: “Isso mostra quem realmente está no comando. Quando se trata de futebol, quem realmente manda nessa porra é a FIFA, e a FIFA só está preocupada com a audiência.” Seu Jorge, também entrevistado, foi ainda mais duro: “A FIFA não age da mesma forma no Brasil como agiria em outros países. Isso jamais aconteceria nos Estados Unidos se eles escolhessem o Jay Z e a Beyoncé para apresentar algo assim.”
O encontro de Spike Lee e Seu Jorge não é casual. O diretor norte-americano veio ao Brasil dirigir uma campanha publicitária alusiva à Copa do Mundo. É a Arena LG, da fabricante sulcoreana de eletrodomésticos, que pretende incentivar os brasileiros a assistirem o torneio no conforto do lar, bem diante de uma TV. Faz todo sentido, já que só uma minoria de brasileiros conseguiu ter acesso aos caros ingressos da Copa. “Embora não ter sido proposital, a área de marketing da LG demonstrou sintonia com a realidade brasileira. Quase 60% da população por aqui tem origem na raça negra”, afirmou a jornalista Marili Ribeiro.
Importante frisar três pontos sobre a nota da Fifa. A GEO Eventos, que teria escolhido o casal loiro em vez do negro, é uma empresa das Organizações Globo. E é um negócio falimentar. Segundo o site Meio & Mensagem, a empresa realizará o sorteio da Copa e fechará as portas. Segundo a Fifa, a escolha dos artistas que participarão do show de 90 minutos, a partir das 13 horas do dia 6 de dezembro, na Costa do Sauípe, na Bahia, e dos apresentadores foi “particularmente embasada em dois dos cinco pilares que representam o Brasil e que inspiraram o slogan ‘Juntos num só ritmo’ – sociedade coesa e terra da alegria.”
Por último, em resposta a FAROFAFÁ, o Comitê Organizador afirma que “houve um engano” sobre a afirmação de que a música da Copa será interpretada por Ricky Martin. “O vencedor viajará a Porto Rico para trabalhar ao lado de Ricky Martin e de um grande produtor musical na versão final da música, que será gravada pelo artista e incluída no Álbum Oficial da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014™, a ser lançado pela Sony Music Entertainment em 2014”, anunciou em seu site oficial. É um bom sinal. Já que se trata de um álbum completo, que mobilizará compositores de dezenas de países em um concurso mundial, a canção gravada pelo ex-Menudo poderá ser a sétima ou oitava faixa… “Por isso canta, dança, grita, ô, ô, ô, ô, ô.”
* texto corrigido às 14h50, porque em 2002 o Brasil foi penta e não tetra, não é Galvão Bueno?