Recentemente passei um mês de férias no sertão de Pernambuco, mais especificamente em Salgueiro, situada a mais de 500 km do litoral e onde duas obras de infraestrutura se cruzam, a ferrovia Transnordestina e a transposição do rio São Francisco. A economia local está fervendo: shopping center recém-inaugurado, lojas Americanas, mercado imobiliário na estratosfera. Mas não só. Não é só a economia que está bombando.
A cidade tem uma forte tradição no meio forrozeiro. Dali surgiram nomes como Zenilton (aquele que os Raimundos idolatravam), e mais recentemente Gatinha Manhosa e Limão com Mel, algumas das maiores bandas do chamado forró estilizado, que prioriza a veia romântica. Pelas ruas da cidade, desde o centro até a periferia, é impossível caminhar 200 metros sem escutar alguém ouvindo a música do maior astro do forró desde os tempos de Luiz Gonzaga: Wesley Safadão.
E não é só em Salgueiro. O mesmo está ocorrendo em praticamente todo o sertão nordestino, e se existe uma antecipação da nova onda do Nordeste a invadir o resto do país, chama-se fazer sucesso no sertão. A informação é repassada para os emigrantes na grande antena retransmissora chamada São Paulo (e agora também Rio de Janeiro), e pronto! A invasão do resto do país é só uma questão de tempo.
Se a geração que veio na esteira da Mastruz com Leite modernizou o forró, se Aviões do Forró ficou conhecida nacionalmente, Wesley Safadão tem potencial para ir além e extrapolar o nicho dos migrantes e descendentes de nordestinos no Sul e no Sudeste. Acima de tudo, Wesley é um cantor diferenciado, com uma trajetória igualmente diferenciada.
Ele começou a carreira ainda adolescente, para resolver uma contingência. O cantor da banda Garota Safada, após dois discos bem recebidos pelo público, abandonou a banda no meio de uma turnê, com vários shows agendados. Filho mais novo de Dona Bill, a dona da banda (que era um empreitada fundamentalmente familiar), Wesley não pensou duas vezes e, posto que sabia cantar todas as músicas, de presto incrementou o Safadão a seu nome e assumiu o microfone.
Esse foi o primeiro fator diferencial de Wesley Safadão: um cantor jovem era algo inédito. O segundo fator foi que dessa forma ele praticamente cresceu em cima dos palcos, afinando sua performance e seu repertório de acordo com o feedback da plateia. Por ser uma banda de família e com aquela obrigação de emplacar a todo custo, ele teve liberdade para experimentar. Desta forma, gradativamente e sem nenhum hit arrasa-quarteirão no repertório que o colocasse na obrigação de lançar outro, foi crescendo e construindo uma sólida base de fãs, no que não encontro outro termo pra descrever que não seja crescimento sustentável.
O mais próximo que Wesley chegou de um megahit foi com a música “Tentativa em Vão”, lançada no ano de 2010, que definitivamente levou a banda Garota Safada ao patamar do primeiro time dos grandes grupos de forró. De lá pra cá o crescimento da banda foi constante, o que não significa que tenha sido fácil. Como o mercado do forró é dominado por empresas, em que músicos são empregados assalariados, aquela novidade surgida em um mercado estável não foi recebida amistosamente, e a lógica implacável do capitalismo selvagem caiu com fúria em cima dele.
Num período de poucos anos, três cantoras que faziam dupla com Wesley foram perdidas para a concorrência, por propostas salariais irrecusáveis. A solução encontrada por ele (que atualmente gerencia todos os aspectos artísticos de sua carreira) foi se divulgar como cantor solo, acompanhado por uma banda. Atualmente, os banners e os ônibus de sua equipe (um símbolo de status no meio forrozeiro) está plotado como “Wesley Safadão & Banda Garota Safada”.
O terceiro fator diferencial de Wesley é seu som, tanto pelos arranjos, quanto pelo repertório (veja acima clipe de “É Só Chegar e Beijar”, com participação do DJ carioca João Brasil). As músicas possuem letras de temática jovem e os arranjos são feitos para potencializar a pegada pesada e dançante nos paredões de som – sistemas de amplificadores e caixas de som de veículos automotivos, que no Nordeste praticamente substituíram as rádios como divulgadores da nova música. Ao contrário de Aviões do Forró, muitas de suas músicas podem ser dançadas sozinho, uma inovação crucial para que se rompa o nicho do mercado nordestino e ganhe o resto do país.
Seus shows provocam verdadeiras catarses coletivas e alguns deles se estendem por horas. Recentemente as apresentações no Rio de Janeiro tem sido cada vez mais frequentes, revelando uma clara estratégia por parte da produção de evitar o já batido e estigamitizado circuito do CTN (Centro de Tradições Nordestinas) e das casas de shows tradicionais e segmentadas de São Paulo. Quando Wesley toca no Rio, toca no Barra Music.
Não se pode afirmar ainda que Wesley é conhecido nacionalmente, como os Aviões do Forró. Mas a tendência é clara e aparentemente irreversível.
Parabéns ao Wesley e sua equipe, em que pese a escolha do sobrenome artístico. Apenas uma ressalva: sua música, assim como a das bandas que vieram na trilha aberta por Mastruz com Leite, decididamente não é forró (o forró da genealogia do baião, xaxado, xote, coco, repente, galope…): é outra coisa mais próxima do pancadão, do funk e congêneres. O rótulo forró é empregado, talvez intuitivamente, por senso de oportunismo. Como de resto tem sido usado o rótulo MPB por outras trupes.
Esse argumento de “que isso não é forró” é por demais reacionário, João Valença. Desde quando um gênero deve ser engessado e não poder evoluir?