“A gente aqui marcou um gol”

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Segue abaixo uma transcrição mais literal e extensa (embora não completa) do debate “Uma política cultural para o funk“, para quem queira mergulhar mais a funda na riquíssima e complexa discussão sobre o gênero musical e a cultura que o cerca – e nos cerca. Os grifos, como de hábito, são de FAROFAFÁ.

 

Netinho de Paula: O ano começou com muito tumulto, com novos vereadores que apresentaram projetos de lei para proibir o funk dentro de São Paulo. Isso causou uma inquietação muito grande entre os funkeiros e também para dentro do governo, um governo que a gente considera democrático. A partir desses projetos, começamos a pensar como o governo poderia apoiar, participar e mostrar que o funk não é esse bicho-papão que estava sendo pintado, não é um elemento próprio da violência.

O funk surgiu como recado de mensagem social no Rio de Janeiro. São Paulo foi o último estado a aderir, o mais resistente. No entanto, quando chegou, chegou com uma força que ninguém entendeu. É a maior expressão popular nos últimos 20 anos em São Paulo, movida e dominada pela juventude. Essa rapaziada conseguiu fazer isso sem a ajuda de ninguém, usando simplesmente tecnologia. Conseguiu organizar um movimento sem ser tutelado. O grande problema é que, com o crescimento do funk, os pancadões começaram a incomodar a vizinhança. O Psiu começou a ser acionado. A Polícia Militar começou a ser acionada – uma polícia que não dialoga com tranquilidade com a juventude, uma policia que chega com muita violência e truculência.

“A questão da droga não existe por causa do funk. Em várias festas a droga está presente. Você não pode usar o argumento da droga para o baile não acontecer. Mas a questão da idade é verdade. O que estava sendo dito nas letras chocava e estava criando uma geração que repetia palavrões, expressões. Ninguém queria isso, quando a gente conversava com eles via que nem os funkeiros queriam.

A gente então propôs, por solicitação do prefeito, um projeto de criar um espaço chamado Território Funk, que fosse organizado pelos funkeiros e tivesse uma margem de horário para começar e acabar. Nós não poderíamos tutelar, nem interferir na questão das letras, de nada. O que a gente podia fazer era entrar com palco, luz, segurança, ambulância. Tivemos duas experiências na zona sul, projetos-pilotos que a nosso ver deram certo, com evolvimento de várias secretarias. É importante frisar que nós não pretendemos, de forma alguma, tutelar o movimento. Essa foi uma solicitação do prefeito. Estamos nesse caminho, do diálogo.”

 

Juca Ferreira: “Como secretário, eu gostaria de dizer que o governo está sensibilizado. A situação que a gente encontrou ao assumir o governo é que há uma criminalização do funk, uma associação preconceituosa e discriminatória do funk com crime, tráfico de drogas, corrupção de menores. Isso é uma coisa construída pela sociedade. Não é o primeiro fenômeno cultural que vive esse processo de discriminação. O hip-hop também teve que lutar e se afirmar para ultrapassar a fase de uma visão preconceituosa. O samba já teve seu momento, no início do século passado. O samba era proibido. A capoeira já foi proibida no Brasil. O forró passou anos considerado como ‘forró pornográfico’.

“Muitas manifestações que depois se afirmaram como expressões culturais nacionais nasceram contando com um nível muito grande de discriminação e preconceito. Isso é parte de uma sociedade que, apesar de ter abolido a escravatura, manteve muito do ambiente do período no qual alguns eram donos de outros e no qual a população não tinha acesso a direitos.

“Mas estamos vivendo um momento completamente diferente: a sociedade está demandando direitos. Vejo o funk como uma manifestação cultural, que alguns estudiosos dizem ser a mais popular entre a juventude de periferia do Brasil inteiro. Como vai ignorar? Como vai proibir uma coisa que é a manifestação mais popular no Brasil inteiro? Só isso já é uma irracionalidade, uma evidência de que há algo errado na política de criminalização.

Quanto à associação fácil ao tráfico de drogas, o traficante vai estar presente, porque é uma parte da sociedade e uma parte do território que o Estado deixou ao deus-dará. As pessoas que vivem ali são obrigadas a conviver, faz parte da realidade de uma parcela grande da população. Além de não ter tido a capacidade de gerar por parte do poder público um controle do território,  criminalizar quem vive perto com um nível de desproteção razoável, me parece que é acrescentar um erro em cima do outro. Essa associação superficial tem que ser substituída por uma compreensão de que o Estado brasileiro tem que estender seus mecanismos de bens e serviços a todos os territórios e a todos os segmentos da população. Me refiro a educação, saúde, cultura, todos os elementos que compõem as políticas públicas, que muitas vezes são restritas. Uma coisa que chamou atenção quando cheguei é que os equipamentos culturais da cidade estão no centro estendido. Quando você começa a se deslocar para a periferia, começam a desaparecer as casas de cultura, os centros culturais, as bibliotecas.

“O funk faz parte de uma realidade de afirmação, de expressão, de desejo, de alegria. A expressão corporal é uma tradição da nossa população. O funk está ligado ao direito de dançar. Como dizia um grupo na Bahia, ‘quem não dança dança’. É um direito que muitas vezes os cidadãos mais conservadores da nossa sociedade não conseguem compreender. É um direito, um direito cultural, um direito fundamental. Faz parte da saúde e da qualidade de vida das pessoas. Como você vai cercear uma coisa dessas? A não ser que você tivesse algo muito melhor para oferecer, mas mesmo assim não acredito que uma postura correta fosse proibir.

“Proibir é uma palavra muito forte, que sociedade democrática tem que restringir ao mínimo necessário: proibir de matar o outro, de desrespeitar. Mas proibir de dançar, se divertir, produzir música? É parte de um lado obscuro que o Brasil carrega desde os períodos da escravidão até hoje, criminalizando práticas culturais de parcelas grandes da população, exatamente aquela que não tem todos os direitos e acesso à cultura e aos demais serviços que são prestados pelo Estado a outros segmentos da sociedade.

“Quem não tem tem direito de sonhar ter. E se a sociedade não oferece todas as estruturas de realização dos desejos, do conforto, não pode chegar e dizer: ‘Não, não é isso, tem que ser aquilo’. Não pode. O processo que a sociedade brasileira está vivendo no momento é de inclusão de milhões de pessoas na sua estrutura econômica, de acesso até para o consumo. Não é de se estranhar a hipervalorização do consumo. Não cabe ao Estado ficar dizendo ‘isso pode’ e ‘isso não pode’, ‘isso é bonito’, ‘isso é feio’. É a própria sociedade que vai processando e construindo uma evolução. O Estado não tem o direito de escolher qual letra é boa ou não é. Não é por aí. O Estado e os gestores culturais devem ter o máximo cuidado quando se relacionam com os fenômenos culturais da sociedade.

“Não cabe à gente dizer o que pode e o que não pode. Toda vez que o Estado fez isso não deu certo. Na história da humanidade, toda vez que o Estado determinou o que é esteticamente positivo ou negativo na área da cultura, sempre deu errado. Acaba predominando um conceito de bom gosto da elite que não quer dizer muita coisa também. Muitas vezes está apenas associado a um esforço de manter o status quo da sociedade.

“Não são só a polícia, os gestores, os vereadores que discriminam o funk. Uma parte da sociedade tem uma visão equivocada do funk. Como secretário de Cultura, recebo uma quantidade enorme de cartas de pessoas e associações de bairro pedindo para proibir o funk, os bailes. Muitas vezes são até pais dos que estão no funk. É facilmente compreensível. É uma questão de geração, de ruptura de diálogo de gerações. Nós temos que compreender que às vezes a discriminação está dentro de casa. E há críticas corretas também, na hora em que se abordam as letras. Os pais não são totalmente desprovidos de razão, nesses aspectos seria importante os jovens perceberem que os pais estão tentando ajudar.

“É um processo vivo da sociedade, cuja complexidade o estado democrático tem que respeitar. No caso do funk, a gente tem que sair do território discriminatório e preconceituoso e instalar de fato uma relação de respeito com os que fazem funk, com os que gostam de funk e dançam funk, com os que querem se expressar corporalmente através da dança do funk.

Temos que ouvir muito. O estado democrático tem que ter uma orelha enorme, uma capacidade de compreender o que está sendo dito pela sociedade, seja de uma maneira elegante ou deselegante. Nem sempre o recado vem empacotado. Vem às vezes cru, grosso, pesado. É exatamente esse processo que vai construindo a possibilidade de avanço da sociedade dentro da democracia. O prefeito Fernando Haddad está comprometido em construir essa relação. A reunião dos funkeiros com ele foi muito boa, de um grau de sinceridade absoluto. Quem quis dizer o que quis dizer disse. E o prefeito ouviu com muito respeito, e depois me disse: “Essa reunião foi uma das melhores que fizemos aqui na prefeitura”. Foi uma reunião muito importante para tirar o funk dessa área do proibido para outra em que será possível a gente superar todas as dificuldades que existem para que essa expressão cultural da periferia brasileira, paulistana, se realize.

“Não acredito que a polícia seja a melhor crítica cultural que a sociedade tem. Há outros instrumentos para se relacionar com os fenômenos culturais, e deve exercitar uma relação muito mais complexa, suave, respeitosa, do que proibir. A gente acaba se acostumando com essa ideia de que o estado tem e direito de proibir. Tem direito de proibir até certo ponto. Tem direito de proibir o que interfere na vida dos demais, desrespeita e agride os demais. Mas as pessoas têm direito à sua individualidade e as comunidades têm direito a construir suas trajetórias culturais, se afirmar através de suas expressões, e o estado tem de respeitar mesmo que não comnpreenda o significado daquilo.

“Estamos lutando para que o artista de rua tenha o direito de se manifestar na rua. A Câmara de Vereadores compreendeu, aprovou uma lei legalizando o artista de rua. Evidentemente ele não pode botar um som a uma altura que fique insuportável para os demais. Mas não poder ter manifestação cultural na rua? Que cidade é essa? Isso é uma cidade ou um convento, um mosteiro?

“O rap, o funk e o samba paulistano estiveram presentes no aniversário da cidade e na Virada Cultural. É eliminar essas áreas de proibição e restrição de expressão que a sociedade tem. No caso do hip-hop, é diretamente por ser uma manifestação de crítica aberta à desigualdade, ao racismo e à discriminação. É isso que incomoda. Se o funk é mais complexo porque tem uns territórios difíceis de decodificar, o hip-hop é direto, é crítica na veia mesmo, aberta, sem mediação. E isso incomoda. O poder público ainda tem uma tradição autoritária que vem desde a formação da sociedade brasileira. A gente está no momento de superar. A sociedade está indo à rua pedir outra sociedade, mais igual, onde o estado preste serviços de qualidade. A sociedade não quer mais repressão policial como principal instrumento de relação com as comunidades.

“O fato de esta discussão acontecer aqui, na segunda maior biblioteca do Brasil, na biblioteca mais importante da cidade de São Paulo,  entre as dez maiores bibliotecas do mundo, é simbolicamente muito importante. Ou seja, o funk é praticado na periferia, mas é objeto de atenção dentro da principal biblioteca da cidade. Parabéns a todos os funkeiros.

“O secretário de esporte já ofereceu os espaços da secretaria de Esporte também para organizar eventos de funk. A gente tem aí um espaço de reflexão e construção. Se for construindo um diálogo sincero, aberto, sem muito qués-qués-qués, a gente vai conseguir estabelecer uma nova realidade. Política pública é isso, não é nada mais complicado: é a forma com que o estado se relaciona com os fenômenos da sociedade”.

 

Chico Macena: “Nós precisamos descobrir qual é a mediação, qual é o diálogo que temos que estabelecer para dentro da prefeitura e também para fora, com toda a sociedade. Existe, sim, um movimento de criminalização do funk na cidade de São Paulo. Esse movimento é real.

Há alguns meses participei de uma reunião com a secretaria de Segurança do Estado, éramos eu, o prefeito Fernando Haddad e o secretário municipal de Segurança. O prefeito foi procurado pelo governo do Estado com a seguinte pergunta: ‘Como é que a gente pode acabar com os pancadões na cidade de São Paulo?. A Polícia Militar tem uma proposta de atuação, mas nós não conseguimos dar cabo nisso a contento sem a participação efetiva do município das subprefeituras e da Guarda Civil Metropolitana, para fazer e dar apoio a apreensão de carros, equipamentos’.

“O Juca já sabe, mas está aprofundando o conhecimento disto agora: a cidade de São Paulo é uma cidade extremamente conservadora, historicamente. Todas as manifestações culturais que se consolidaram há muito mais tempo em outros estados e cidades do Brasil demoraram muito mais para se efetivar aqui. O samba é um exemplo. Os engraxates da praça da Sé eram presos porque faziam samba no pano. O samba era uma expressão cultural proibida aqui.

“Eu sou nordestino, meu pai veio com sanfona para cá, mas aqui o forró também era carregado de preconceito por toda a sociedade, inclusive pelos aparatos policiais. Salão de forró aqui é o “risca faca”. Não é espaço de manifestação cultural, de lazer: é risca faca. Não é rala bucho, é fura bucho. No Nordeste é rala bucho, vamos dançar agarradinho, aconchegante. Aqui, não, aqui vai ter briga – e tinha. Houve durante muito tempo uma repressão policial muito grande ao forró.

Eu poderia dar vários exemplos desse aparato do estado sempre agindo como polícia. Aliás, a prefeitura de São Paulo, tradicionalmente, e não é só na questão cultural, tem uma cultura e uma formação de polícia administrativa, não de organizadora das ações da cidade. Nas subprefeituras isso se expressa de várias formas. Em vez de orientar, por exemplo, a instalação de equipamentos culturais, de lazer, manifestação e expressão na periferia da cidade, as subprefeituras sempre pensam em como fechar, punir, autuar, multar. Primeiro é proibido. Depois se pensa como é que organiza, se tem direito ou não tem. A ação inicial é do aparato de polícia administrativa. Essa é a cultura da cidade de São Paulo, que tem muito a ver com todo o período de ditadura militar.

Nas subprefeituras nós recebemos, sim, centenas de reclamações por conta dos bailes funk. E é o pai do funkeiro, a mãe do funkeiro, o vizinho do funkeiro, que acabam por reclamar e por exigir, inclusive, esse poder de polícia da prefeitura, para que se impeça esse tipo de manifestação. Isso está na base também, o preconceito existe. Mas há espaços coletivos de convivência com os quais nós precisamos dialogar, buscar mediações.

“Esta foi a iniciativa do Fernando Haddad quando disse para o governo do estado: ‘Não, nós não vamos exercer esse poder de polícia que vocês estão pedindo. Nós vamos exercer o papel de indutor das manifestações culturais. Esse é o papel real do estado’. Aí acho que ele conseguiu inverter e daí saiu essa possibilidade de nós, com o pessoal do funk, mas também com as comunidades que moram em cada local onde essas manifestações se realizam, buscar um caminho para o funk sair dessa criminalização e buscarmos um caminho de potencializas as possibilidades culturais da cidade.

“Tem uma dificuldade aí, Netinho enfrentou isso no pagode. É um código novo, uma linguagem nova, uma forma nova de se expressar. E um habitat conservador, num estado arcaico, atrasado, como é o nosso, tem dificuldade de entender esses códigos. Na minha opinião, precisamos aproveitar esses códigos e aprender com vocês, para compreender não só essa juventude através da sua manifestação cultural, mas aquilo que ela quer dizer e expressar mesmo quando não está dançando o funk, que é um código diferente daquilo que a gente foi acostumado a construir em São Paulo. Nós não compreendemos ainda. Por isso essa dificuldade muito grande que temos, na minha geração e em gerações intermediárias, com a juventude de hoje. Não conseguimos compreender o que o jovem quer, de que ele está em busca, o que está esperando do estado. Essa resposta para nós é essencial, porque senão vamos desenvolver políticas de estado equivocadas.

“É uma grande oportunidade que temos, de, através do funk, também do funk, estabelecer um diálogo permanente com uma juventude que precisa ser incorporada às políticas de estado. Para isso, precisamos entender o que essa juventude está dizendo. Aí poderemos encontrar um caminho, que não é, como Juca sempre frisa, um caminho de aparelhar, tutelar o movimento ou querer dizer ao movimento o que ele deve fazer, e sim de escutar, compreender, para poder estabelecer um diálogo positivo, colocando as ideias deste governo para essa juventude”.

 

DJ Teles: Estar sentado hoje aqui, no templo da cultura, discutindo o funk, para mim é um marco na história do funk. Estou certo, por uma caminhada de 20 anos, de que estar aqui discutindo que rumo o diálogo tem que tomar, e vendo o interesse do poder público em colocar o funk na pauta da cultura de uma cidade que não é apenas mais uma cidade, e sim a maior cidade do país, a grande metrópole do Brasil, me deixa muito emocionado, feliz da vida. Com A Liga do FunkMarcelo Anastácio montou aqui exatamente o que imaginei lá no Rio e tentei com vários ícones do funk e nunca conseguir: uma associação que lutasse pelos interesses do movimento. Entendo que historicamente o funk está sendo abraçado pelo município de São Paulo e refletindo isso para o Brasil inteiro, principalmente para o Rio de Janeiro, que perdeu a vez politicamente falando.

“Eu sou do tempo em que batiam nos funkeiros. Batiam. É literalmente falando, funkeiro apanhava na rua.

“Quando o funkeiro de São Paulo busca na ostentação cantar tudo aquilo que ele talvez nunca tenha obtido ou vá obter na vida como bem material, é fazer com que a massa sonhe de uma forma que a estrutura do sistema do país mostra para ela que ela jamais terá condição. Então ela se permite sonhar, chegar no baile e dizer que tem, sim, uma Captiva, uma KM. Embarcando nisso entra também o sertanejo, com o ‘Camaro Amarelo’ e outros carros. É um sonho, um sonho da massa, o comum a todos, a linguagem popular que o funk tem.

Eu só via ação do poder paralelo. Um funkeiro queria, ou quer – não vou nem falar no passado – mostrar sua arte e ninguém olha por ele. Aí existe uma pessoa, uma figura, que chega para ele e diz:  ‘Você tem talento, vai lá, grava, entra no quartinho do irmão para quem dei um computador e bota sua música. Mas não esquece de exaltar quem te ajudou’. A partir dessa menção nós entendemos o porquê de muitas letras contestáveis pela sociedade e pelo poder público. Mas a quem você vai elogiar? A mão que te abandona ou a mão que te alimenta?

“É um momento exato, maravilhoso, este em que a prefeitura de São Paulo está chegando dentro das comunidades e mostrando que o funk é abraçado, sim, pelo poder público, que o funk está sendo entendido, sim, pela secretaria de Cultura como movimento cultural, como legítima música popular brasileira.

“Olhar para o Netinho e ver a posição em que ele está hoje, para mim, é olhar para um espelho onde os artistas do funk estarão amanhã. Ele viveu tudo isso no pagode e hoje é uma figura pública e notória do país. Parabéns, Netinho, por estar abraçando o funk: você conheceu isso tudo. É um momento memorável. Eu gostaria que todos os funkeiros postassem no Facebook o funk sendo debatido dentro da Biblioteca Mario de Andrade, com todos os secretários que aqui estão. Isso é histórico, memorável”.

 

MC Dentinho: “Eu sou o primeiro MC de São Paulo que vim a gravar funk. Depois veio o Marcelo. Nós colocamos a cara a bater, e hoje vemos que são milhões de funkeiros trazendo a mesma ideia que a gente começou lá atrás. Aqui está minha filha, que foi criada no funk. Minha família foi criada no funk. Comecei com Netinho, no mesmo festival, e saí do grupo de samba para cantar funk. Fiz todos os programas de TV no Brasil e fui para o exterior, antes de o funk ser reconhecido aqui em São Paulo.

Fui dependente químico por 30 anos, acabei sendo morador de rua, e na rua eu via a força que o funk tem. Há seis anos me converti, saí da rua e através do funk hoje estou levando para o Brasil inteiro a palavra, a transformação que Deus fez na minha vida. As pessoas não imaginam, eu estou cantando funk nas igrejas, uma coisa meio impossível. O funk está em todos os lugares, dentro das penitenciárias, das igrejas. A força do funk é muito grande, não tem mais como segurar.

“Hoje o Brasil inteiro está ouvindo o funk de São Paulo. A gente fica feliz por saber que começou da gente e hoje o Brasil inteiro ouve, vários MCs fazem parte da popularização do funk de São Paulo  – e hoje vemos a prefeitura de São Paulo comprando uma ideia que no início foi muito discriminada. Éramos três loucos, eu, Marcelo e Zé Colmeia. Saí daqui e fui para o Rio de Janeiro porque aqui ninguém abria a porta. E hoje fico muito feliz de ver o Brasil inteiro ouvindo o funk de São Paulo, nem que seja de ostentação”.

 

Vânia: Sou educadora, professora, e agora vou ser mãe. Acho lamentável. Em primeiro lugar, quero dizer que não sou a favor de discriminação, de preconceito, de maneira alguma. Mas vejo alguns colocarem que o funk reúne uma massa, e acho lamentável porque reúne em torno de um conteúdo que…  Não tem como fugir do conteúdo. Infelizmente, o funk leva tantas pessoas porque atinge um nível que a educação não supre, não atende. Estou nessa área há 20 anos, e muito triste com os rumos da educação, hoje doente, afastada, por essa questão do funk na escola.

“É complicada essa permissividade toda da sociedade, até me admiro de ver pessoas aqui reclamando e contestando, porque não tenho visto isso. As pessoas permitem tudo, hoje em dia não se pode discernir nada, porque é antidemocrático, preconceituoso. Mas o conteúdo colocado em funk não desrespeita alguém? Na verdade, tudo isso é produto de um sistema econômico, social, político, que leva ao consumo, à erotização, à banalização das relações humanas. É fruto, é uma cultura de massa. Eu ficaria muito feliz se as pessoas tivessem o comum o que é o ser, a essência do ser humano, valores humanos, sem questão moral. Com respeito, porque não sou respeitada quando as pessoas colocam o som altíssimo, nem minha filha, que infelizmente já está ouvindo essas coisas e não sei qual vai ser o resultado.

“Não concordo com essa comparação com os gêneros musicais anteriores. O conteúdo é muito diferente, muito. O brasileiro, com sua matriz africana, tem sensualidade, tem a malícia, mas não é da forma que é no funk de pancadão. Desculpe, mas não é, é muito diferente. Eu sou da cultura hip-hop, que tem também as suas questões, mas na maioria o hip-hop não é do crime, não é da droga. É social, um trabalho mais feito por ONGs e agentes culturais que se envolvem com a cidadania, com a juventude. Eu só queria colocar a minha visão, porque eu não concordo. A meu ver a prefeitura tinha que se aproximar, sim, mas eu acho que teria que ter algum critério. Não dá pra ficar do jeito que está, porque é um desrespeito muito grande, eu me sinto desrespeitada”.

Fernando Morgato: “Sou da Escola de Sociologia e Política e estudo o funk aqui em São Paulo. Os jovens são violentos ou violentados? Uma mãe, uma educadora, uma professora, um estudante se sente violentado por uma música ou letra, mas quais são as qualificações que esse jovem teve para conseguir se expressar da maneira que a sociedade busca, num senso comum e contraditório? O MC Daleste (funkeiro paulista assassinado em 7 de julho passado) escreveu grandes músicas, minha escola é a escola na qual ele viveu a vida inteira, não tendo o que comer, tirando a merenda da escola pra ter alguma condição de se alimentar, e depois teve que aderir ao funk proibidão, por uma questão óbvia de visibilidade e até mercadológica. É uma linha da qual a pessoa acaba não conseguindo sair.

“Compreendo a fala da companheira, também sou educador, mas infelizmente sou obrigado a ir contra ela. Se você culpabiliza um jovem pelo que ele fala, pelo modo como ele se expressa, não necessariamente você está auxiliando ele a sair desse caminho. Ao contrário. Você está criminalizando uma ação dele, da qual ele propriamente é vítima“.

 

?: Sou da Associação SerUmano, da zona sul de São Paulo, voltada para o hip-hop, e há algum tempo tomei a decisão política de me somar ao funk. É bom que se diga que há mais dez anos acompanho um rapper chamado Dexter, que ficou 13 anos preso e é aclamado por todo o hip-hop. Ele cometeu seis 157, seis assaltos à mão armada, e o hip-hop todo aclama ele, porque entendeu todo esse processo. E eu resolvi correr para o funk porque comecei a ver minha sobrinha no funk, meu sobrinho no funk, meus filhos no funk, minha família toda no funk. Percebi que se eu não fosse agora daqui a pouco até minha mãe estava no funk (risos). Eu ia ser o último, então resolvi ir antes da minha mãe.

“O funk é mais um capítulo da mesma novela. O rock sofreu ataques nos anos 1960, o hip-hop, a capoeira, o samba. Exisita lei para criminalizar o samba, lei. Fazer samba lá fora era vadiagem, vejam se pode. Isso quer dizer que no carnaval temos 50 milhões de vadios, no mínimo. As pessoas que pulam carnaval são todas vadias, não têm nada pra fazer, é tudo vagabundo.

O questionamento que tenho às letras de funk que uma molecadinha está fazendo, à forma como é apresentado o crack, à vulgarização da mulher. eu quero fazer é ao governo do estado, que está há 30 anos aí e não olha para a cultura lá da quebrada. O município não leva nada para os CEUs, nada. Tiveram a ousadia de tirar o rap da Virada Cultural, porque a polícia desceu porrada nos moleques na praça da Sé e os moleques revidaram. Só isso.

Eu tenho muita preocupação com setores de esquerda e de movimentos sociais que se levantam contra o funk. Melhor que eu ficar mal na escola em que dou aula é chamar essa molecadinha que está no funk, cantando funk na sala de aula, e dar um tema para ele rimar sobre. É garantir para ele o direito de expressão e fazer com que ele a partir daí dê o segundo o salto. O moleque está com um monte de energia para queimar, quer ser artista, tem os sonhos dele. Ele não quer carregar caixa, gente. O moleque do funk não quer ser estivador, ele quer ser artista. Tem gente que quer ser artista e não dá, mas pode ser produtor, roadie, DJ, organizador, ativista cultural, agitador cultural. A questão é que o cara não quer ser humilhado pelo patrão.

“Se eu chego no CEU e o CEU está de porta fechada, vou abrir o som do meu carro na rua. Eu quero ouvir, eu quero ter a nossa cultura. É muito bom a gente ouvir Leonardo falar o monte de merda na música dele, vulgarizando mulher, os jovens, a massa sertaneja do sertanejo universitário. O ‘Camaro Amarelo’ é maravilhoso, o sertanejo vai na balada dele porque pode e tem grana pra pagar. O moleque do funk não, ele está me incomodando. O funk não presta porque me incomoda, o cara abre o som na porta da minha casa. Mas por que ele está abrindo o som na porta da minha casa? O crime já descobriu que, se colocar o som e pagar R$ 200 pro moleque tocar, vai lucrar fácil.

“Só o poder público e os movimentos sociais não descobriram que se entrar dentro desses movimentos, colaborar com a organização, com a conscientização, é melhor porque não vai ter mais um milhão de pessoas virando criminosos amanhã. Criminalizar não é o caminho, definitivamente, como não foi no caso do hip-hop, do samba, de uma série de outros movimentos culturais e sociais. Eu queria fazer um apelo aqui às pessoas que se dizem progressistas e querem uma sociedade mais justa e igual que reflitam melhor nas abordagens. Não posso dizer que um menino de 14, 15 ou 16 anos que está fazendo funk-ostentação me incomoda porque esta fazendo funk-ostentação. É o MEU papel orientar ele. Se ele está errado, gente, em alguma coisa eu, que tenho quase 40 anos, estou errado. Não estou conseguindo orientar ele”.

 

?, promotor de bailes funk: “Comecei a fazer eventos em escola, para a comunidade. Fiz 480 bailes em escola pública, e nos meus bailes nunca morreu ninguém, nunca houve acidente, nunca tive problema com a polícia nem mesmo com a direção da escola. Para mim era muito importante, porque os jovens se divertiam na sua própria comunidade, na sua própria escola. Quando veio o funk, fiz uma baile funk na Cidade Ademar. Depois desse baile, foi proibido pela Delegacia de Ensino, porque houve muitas críticas por parte dos pais. Mas foi um baile limpo, bonito, sem palavrão, briga nem confusão.

“A droga já existe há muito tempo. Quando comecei a fazer eventos, com 14 anos de idade, já existia. Sempre existiu. A mulher tem que se dar respeito. Não significa, porque uma vai lá de minissaia e shortinho curto, que o funk está desvalorizando a mulher. É ela que está se desvalorizando.

“O funkeiro de ostentação quer passar luxo para o jovem, isso também estimula ele a querer ser alguma coisa, estudar mais, trabalhar para ter o que é seu. Não dá para o hip-hop criticar a alta do funk, porque todos os funkeiros adoram hip-hop. Muitos do rap hoje são funkeiros com muito orgulho e falam da importância do rap, que foi onde começaram. Meu filho curte funk, e eu fico feliz por isso, cada um faz do seu jeito, vive da maneira que quer”.

 

Wesley Alves de Lima: “Sou morador de periferia, participei do ciclo de debates desde o primeiro dia. Fui mais ou menos com a mesma ideia da educadora, porque sou pai de três filhos, uma de 15, uma de 13 e um de 11. Na minha infância curti o funk, mas o funk atual não consigo curtir, nem minha família. Eu me sinto envergonhado com a tratativa das letras.

“No primeiro debate, perguntei para MC Leonardo Montanha sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, que contribuição o funk deixaria para as comunidades da periferia. O rap deixou um legado. Muitos rappers são educadores, são conscientes, têm uma consciência política. Naquele dia, eu disse que não conseguia identificar essa mentalidade política na juvemtude que pratica o funk hoje em dia. Só que depois do discurso eu fui amadurecendo um pouco mais minha ideia sobre a discussão. Cheguei ali para combater o efeito, e não a causa. Eu não tinha uma compreensão do todo. Falava, e falo, enquanto sociedade civil. Mas, participando dos debates, pude perceber e parabenizo o poder público aberto a esse diálogo.

Eu não conhecia essa outra parte, porque estava na frente da minha casa revoltado com o som do batidão na porta de casa às 2 horas da manhã, e nós temos que trabalhar. Mas percebi que essa juventude que não tem espaço passou por um período de 21 anos de aprovação automática que o governo promove aqui. Exigir dessa juventude algo mais do que isso é um crime. É chegar para uma pessoa que recebe R$ 600 de salário e dizer: ‘Hoje você vai me pagar R$ 5.000’. ‘Mas eu só recebo R$ 600.’ ‘Mas você vai me pagar.'”.

 

?, angolana: “Eu não sou brasileira, sou angolana. Sou amante do funk, ouço funk lá em Angola. Nós temos uma cultura musical que é parecida com o funk, que passou por esse processo, o ritmo chama-se kuduro. A gente dança o kuduro, e as pessoas ficam assim: “Que escândalo!”, “que sensualidade!”. Dança o kuduro escandalosamente quem quer dançar escandalosamente. Saber que, com essa revolução toda do funk, ainda se está nessa discussão de governo que não quer, não aceita e não apoia, é quase que incrível para mim, porque lá em Angola o funk é cultura. O governo apoia.

“É admirável, o nosso kuduro hoje é aceito pela elite. Temos o filho do presidente da república de Angola cantando o kuduro. Muitos filhos da elite dançam o funk e o kuduro. O pai repreende o filho por dançar e cantar funk, mas como o jovem fica se não dança o funk? Fica agressivo, fica violento. A escola devia receber essas pessoas e dar educação. A juventude depende da sabedoria dos mais velhos”.

 

Alexandre, morador de Heliópolis: “Eu vivo diariamente a questão do funk, sou lá de Heliópolis. A questão de espaço é a que mais me incomoda. Existe espaço, e a juventude ocupa a rua. Abre a porta do carro, toca o som, fica até tarde, é uma coisa que incomoda, porque o trabalhador adulto está ali presente também.

É preciso criar mobilidade, não existe mobilidade. O jovem fica ali. Vai pro cinema? O cinema é 30 paus. É preciso enfrentar uma política de redução de danos. A questão do uso de drogas me incomoda no ambiente. É todo mundo usando latinha de inalante, é absurdo. E cheirando muito pó, as cápsulas de cocaína que ficam no chão depois do funk são coisa que impressiona qualquer um que passa. A alcoolização também, é embaçado”.

 

Dênis, morador de São Mateus:  “Sou professor pela prefeitura de São Paulo e mestrando pela Universidade Federal de São Paulo. Apesar desta aparência burguesa de branco, cabelo liso, barbudo, estudante da UFF, nasci cresci e vou morrer na periferia. Sou da região de São Mateus. Morando nessa região, curti muito o rap, sofri pra caramba com o rap, sofri várias discriminações na escola. Para a escola, era música de bandido. Ainda bem que o rap teve um ícone que entrou para a academia sem ter diploma: Mano Brown. Ele é discutido na academia. É questão de tempo, porque o funk, no que depender de mim, vai chegar lá.

O aparelho cultural que existe na periferia hoje se chama polícia. É uma polícia bem armada. Bala de borracha, velho, é de vez em quando que os caras usam, porque sempre é bala de verdade, que mata, e mata molecada. Quando se fala que o funk é violento, primeiro existe a violência que é feita com essas crianças desde quando elas nascem. Não existe aparelho democrático na democracia. Não existe um hospital digno onde o cara entre e seja tratado dignamente. Minha mãe, cardíaca, precisa de quatro meses para marcar uma consulta. Isso é uma violência contra ela.

Na quebrada existe a praça do vinho, que aglomera 3.000 favelados. Isso, para a sociedade burguesa, é um pânico, são 3.000 favelados juntos (risos). Para mim é lindo, mas para os caras é horrível, 3.000 favelados! A polícia chega e chega batendo, chega e chega atirando. Morrem trocentos neguinhos lá e não sai uma linha no jornal. A sociedade não fica sabendo”.

 

Régis, morador de Capão Redondo, acompanha a professora Vânia: “Será que a professora aqui está criticando o ritmo funk? Não. Ela esta criticando a erotização e coisas específicas dentro do funk. Sou artista, moro na região do Capão Rendondo, não preciso ter nenhuma gíria de mano pra dizer que moro no Capão Redondo.

“Vou ler uns versos que fiz agora, o título é ‘Respeito ao Funk’: ‘O funk critica e pensa sobre a sociedade, assim como qualquer outro ritmo que se proponha à queda da alienação/ eu sou artista e respeito o dom que tenho/ incentivo o dom dos outros/ de criação com consciência/ mas expresso nestas linhas o meu desejo de ser respeitado/ e dizer uma palavra crítica a um amigo/ isso não é discriminação/ amigo não é o que passa a mão/ expresso o direito de ter espaços como cidadão pensante/ de artista criador/ mas não como extravasamento sem reflexão em orgia ou culto à banalização/ estudo e respeito a cultura afrobrasileira/ (inaudível) era um culto ao sagrado/ e respeito a ancestralidade/ diferente dos meus vizinhos/ que encontram no transe das batidas a fuga da vida maçante que levam/ esmagados pelo sistema/ no qual são apenas um voto ou um cliente que consome/ sem pensar em erotização precoce/ o que é isso?/ ou na mulher (inaudível) escravizada pela própria imagem/ é reduzida como objeto de satisfação/ pois o funk que ouço é sexo e ostentação/ numa geração que cresce impossibilitada pela sufocante lei de sobrevivência que se acirra/ e da falta de perspectivas/ que um dia se colou na voz de alguém que só queria ser feliz/ ser feliz é ir até o chão?/ (inaudível) é ter como usar as palavras para argumentar além dos números, porcentagens, aparências/ em prol da educação de qualidade/ que realmente dê asas e voz a quem tanto busca?/ parece essa uma causa justa/ em prol da qual usarmos nosso direito à expressão?/ por essas batidas capazes de arrastar multidão?/ se sim, eu respeito o funk“.

 

?, mexicana:  “Não podemos libertar ninguém machucando outros. Queremos mulheres que possam decidir seu futuro. Eu não quero mulheres violentadas. Propomos e fazemos cultura em nossa sociedade? Ou privamos as mulheres da oportunidade de manifestá-la?

 

MC Beto, morador de São Mateus:  “Nasci e cresci dentro da favela, passando dificuldades. Trabalhei a vida inteira, desde os 16 anos. Hoje trabalho na Assembleia Legislativa, como ajudante de pintura. Trabalho em pintura o dia inteiro, para ganhar R$ 950 por mês. Pego duas horas de condução para ir, duas para voltar. Minha linha de trabalho no estilo do funk é no funk-ostentação. O carro mais barato de que falo na minha música não custa menos de R$ 100 mil. Aí o pessoal fala que ostentação é demais. Particularmente, eu vejo o seguinte: se a gente for falar a nossa realidade, que a gente vê no dia-a-dia, dentro da comunidade, dentro da favela, vai voltar a ser o famoso funk proibidão, porque a real é essa.

“Como um jovem como eu, com 28 anos agora, que o máximo de renda que teve na vida são os R$ 950 de agora, vai ter uma condição de parar de sofrer, ter uma profissão melhor, ganhar um pouquinho a mais? Vários vão dizer aqui: tem que estudar, tem que fazer uma faculdade. Pra gente conseguir entrar numa faculdade, tem que enfrentar uma prova. Pra passar nessa prova, a gente tem que fazer no mínimo um ou dois anos de curso preparatório fora. Quem concluiu o terceiro ano na escola pública não consegue passar numa prova dessa. Mesmo conseguindo passar, vai ter a mensalidade da faculdade, que não vai sair por menos de R$ 500 por mês. Ganhando R$ 950 por mês, para pagar água, luz, alimentação, como a gente vai conseguir pagar?

“Recentemente conheci a Liga do Funk, hoje faço parte da Liga do Funk, que graças a Deus está me proporcionando várias coisas boas, várias oportunidades. Está me levando para os melhores estúdios para produzir  minha música. Pergunto para todo mundo que está aqui: se através da Liga do Funk minha música estourar um sucesso no Brasil inteiro, e eu começar ganhar, como muitos, chutando baixo, R$ 100 mil por mês, vocês concordam que daqui a um ano vou ser um milionário? Concordam que muitas pessoas que estão do meu lado, envolvidas com a minha música, vão poder trabalhar comigo, como produtores, DJs, e vão poder sustentar a família deles através da minha música, do meu funk?

Hoje em dia, na minha música, falo de carros de R$ 100 mil ou mais. Mas minha realidade, o meu irmão aqui do lado não me deixa mentir, a gente mora numa casa de quarto e cozinha, quatro pessoas no mesmo quarto, em duas camas e dois colchões de chão“.

 

Amanda, mediadora do debate, negra, funcionária do Centro Cultural da Juventude, na Vila Nova Cachoeirinha: “Como única mulher na mesa, eu queria dizer que me incomoda a expressão ‘a mulher tem que se dar o respeito’. É um lugar-comum na sociedade, mas a mulher que veste uma roupa apertada ou curta, que vai pro baile se divertir, está se dando respeito, está respeitando sua vontade, seu corpo, seus desejos. A mulher tem que ser respeitada, é um pouco diferente. Se dar o respeito, cada um sabe o que é se dar o respeito e se respeitar. A mulher tem que ser respeitada em todas as ocasiões, em todos os espaços, independente da roupa que ela veste. É importante colocar essa questão em todos os debates. No funk é importante porque acontecem desrespeitos no funk, como em outras expressões culturais.

“No Centro Cultural da Juventude, onde trabalho, às vezes alguém pede para ouvir uma música, a gente deixa, pode ouvir. E quando alguém coloca um funk, em cinco minutos aparece alguém na sala: ‘Estão ouvindo funk lá, alguém autorizou?’. Sim, autorizou, pode ouvir, tudo bem. Acontece nos espaços culturais”.

 

Chico Macena: “Não tenho uma posição ufanista ou idealizadora a respeito do funk. Não acho que o funk é a melhor música que tem no mundo. O que estou dizendo é que eu reconheço o funk enquanto manifestação cultural que existe e tem o direito de existir. É uma manifestação que tem contradições, como toda a nossa sociedade. A gente às vezes mistura conteúdos e assuntos e acha que, através dessa manifestação ou da negação dela, nós vamos resolver, e não é por aí que vamos conseguir resolver.

“Eu não gosto de escutar certas letras de funk, assim como, quando era jovem, eu arrancava etiqueta de calça para não fazer apologia de empresa. Eu era anticonsumo até, e me chamavam bicho-grilo, e assim acontecia em várias manifestações. Quem era reggae era maconheiro. Quem era bicho-grilo era maloqueiro. Quem era do samba era ligado ao tráfico – durante muito tempo, o samba foi vinculado ao tráfico. Atuo em escola de samba até hoje, eu venho do movimento e da periferia de São Paulo. Onde está o crime? Onde está o crack? Se eu perguntar, cada uma aqui vai apontar uns dez locais, situações e aparelhos do Estado e da sociedade em que estão presentes.

“A negação desses instrumentos ou dessas ações vai resolver? Por que elas evoluíram? Por que o crime avançou? Por que a periferia, assim como entidades de assistência social, escolas e entidades culturais, tem a presença dele? Porque o crime avança quando o estado é ausente. E a forma mais fácil de o estado ser ausente é quando ele, em vez de assumir seu papel no diálogo, de interlocutor, de mediador, de indutor, ele exerce o papel repressivo. É a forma mais fácil. Não requer esforço intelectual. Não requer política mais elaborada. Não requer esforço de educação de base.

“Não é um problema só do funk, é um problema cultural da sociedade brasileira, que a gente vai conseguir superar à medida que a gente conseguir discutir mais abertamente e fazer a mediação. Mas começa pelo respeito às manifestações que existem. E o pessoal do movimento do funk também tem que fazer a mediação com a sociedade, respeitar os outros, a própria comunidade. Não se trata aqui de dizer ‘é a melhor coisa’ ou ‘é a pior coisa que existe no mundo’. É uma manifestação cultural que existe, que é expressão de milhares de jovens da cidade de São Paulo e de outras cidades do país. Nós queremos dialogar com ela e mediar inclusive os conflitos sociais que existem, não só aí. Devemos incluir a todos, não é só o funk. A todos”.

 

Netinho de Paula: “É estranho às vezes falar como governo, sendo que na verdade o que os caras do funk vivem hoje é tudo que eu vivi. Não tem diferença nenhuma, em nada. Pagodeiro era alienado que falava de amor. Rapper era ladrão que falava da polícia.  E nada mudava. Até que, nos anos 1990, eu e Brown resolvemos gravar juntos pra dizer o seguinte: a dor é a mesma, o sofrimento é o mesmo.

É mais simples do que a complexidade que se levanta, em que o funk vai carregar o problema da saúde, da polícia, da droga, da educação. A coisa é muito mais simples. Durante mais de 20 anos a juventude do estado de São Paulo não teve a atenção devida, ponto. Em função disso, ela está reproduzindo o seu nível cultural através da sua arte. O que nós, como prefeitura, estamos tentando fazer, analisando que o ritmo funk é muito forte e reúne muita gente, é tentar nos aproximar dessa juventude, para mostrar para ela tudo que a prefeitura de São Paulo tem em termos de programas, nas áreas de educação, esporte, saúde… E entender o que eles estão falando, e ter um elo de ligação.

Como eu vou criticar as letras do cara? Vou ficar aqui mesmo, na academia, fazendo uma análise? Se eu não for no campo empirico da pesquisa para entender de fato o que está acontecendo, e respeitar, sem interferir nem mudar aquela realidade, como vou conseguir julgar? Proibir, esta prefeitura não vai. Nós não queremos. Nós entendemos que a prefeitura tem que estar mais próxima desses jovens. Se a gente não chegar, vamos ficar numa discussão aqui para dizer que a gente não deve se aproximar do funk porque a letra é uma baixaria, porque desrespeita a mulher? Não dá.

“A gente entende o que incomoda a professora, tem gente que vai direto na delegacia fazer essa denúncia, ou para o camburão na rua pra acabar com o funk. É o mesmo que está acontecendo aqui. O que estamos dizendo é: se a gente quer se aproximar dessa juventude, a gente tem que ir até eles, ouvindo e entendendo a linguagem deles. Infelizmente, vai demorar um tempo pra gente poder fazer uma análise, por que esse cara falavam tanto palavrão?, por que esse cara não respeita a figura feminina? A gente vai entender que a ausência, a ausência do estado, durante anos na vida dessa juventude fez com que ela seja o que é hoje. Se na escola, socialmente, não pode, eu vou pegar o carro do meu amigo e vou por na praça. Na escola não pode, não tenho um lugar para ir.

“O projeto que nós testamos, o Território Funk, é uma proposta concreta do governo de se aproximar da juventude e não intervir no que eles realizam. É dizer: tem palco, tem luz, tem polícia, tem ambulância. Pra ver que a gente está presente. E cadastrar essa molecada, para no dia seguinte, após o baile, eles receberem uma carta da prefeitura chamando para os equipamentos e programas que existem na prefeitura.

“A realidade é que o funk só vai poder ter essa atenção porque, ainda bem, nós temos neste momento um secretário de Cultura que é sensível a essas coisas. Nós estamos felizes porque estamos aproveitando que tem pessoas que param para ouvir. Param para ouvir. Querem ouvir, conhecer, ir lá. Mas ninguém é dono da verdade. Não existe dono da verdade, dono do movimento. I

“Isso tudo vai ser uma realidade que a gente vai poder analisar depois de alguns anos, como fizeram quando colocaram a guitarra na música brasileira, na tropicália. Hoje as pessoas conseguem entender o que aconteceu com a bossa nova, com o rock dos anos 1980. Nós estamos em pleno movimento funk, gostem ou não gostem. É o  maior sucesso que temos hoje, Angola conhece, a Colômbia conhece. Ou a gente ouve nossos jovens e os chamamos para tentar melhorar, acessar, representar o Brasil, ou a gente vai perder a chance. E vai perder para o tráfico, que é o que já acontece”.

 

DJ Teles: “Qual foi a mão que alimentou o MC? Quem foi que deu condição pra ele? O amigo viu muitas cápsulas de cocaína jogadas no chão depois do baile. Se for um baile para 30 mil pessoas, o volume vai ser maior, realmente. Mas não é no funk. O funk não é responsável pelo tráfico, pelo amor de Deus, o funk é música. Tentaram colocar o assassinato do (jornalistaTim Lopes na conta de um baile funk do Complexo do Alemão, e não era verdade. É óbvio que o tráfico existe nas comunidades, é óbvio. Mas não nasce ali dentro, não. É uma ação imensamente maior. A relação das drogas não é com a música, é com o todo.

“Falam de erotização do funk, mas eu nunca vi uma MC pelada pintada em cima de um carro alegórico de escola de samba, às 18h, transmitido pela TV para o mundo inteiro. O funk não é feito por pessoas alienadas. Eu não sou alienado. É chegado o momento de usar essa ferramenta de mobilização da juventude em estado de vulnerabilidade para fazer algo positivo, e graças a Deus estou vendo isso com o governo da cidade de São Paulo. Vamos jogar a flor, nos abraçar, ajudar – é isso que peço aos senhores que não entenderam ainda o movimento”.

 

Juca Ferreira: “Passamos uma tarde discutindo temas que envolvem o funk com muito respeito. Todos nós estamos de parabéns pela capacidade que tivemos de nos tratar, independente da diferença ou da concordância, com muito respeito, como devem ser sempre as discussões em espaço público. Mas a gente sabe que nem sempre acontece, e quando acontece com esse nível de excelência e respeito a gente deve valorizar e todos nós aqui estamos de parabéns. Foram emitidas opiniões bastante contraditórias e foram assimiladas como parte do ambiente, todos tiveram muita grandeza em lidar com a diferença. Isso é muito importante, a sociedade brasileira não está acostumada a divergir. As pessoas partem logo para tentar destruir o outro, para tentar desqualificar o que pensa diferente. Na verdade, isso não constrói. E esse instinto que predominou aqui entre nós – eu nem diria que predominou, ele se instalou entre nós, foi muito bom para que a gente pudesse pensar.

“Muitas vozes se manifestaram aqui: os que fazem e gostam de funk, os que não gostam, os que se preocupam com as letras, os que acham que é preciso modificar a realidade do funk. Foram muitos pontos-de-vita, e isso é muito saudável. Qualquer movimento cultural que esteja vivo tem toda essa realidade complexa envolvida. É inevitável para os que fazem funk se acostumarem à ideia de que as mulheres estão cada vez mais presentes na esfera pública e cobrando respeito, como minha amiga aqui ao lado cobrou o uso de um termo tradicional, mas que transfere para a mulher a responsabilidade da agressão masculina.

Eu, por exemplo, não tenho nada contra a sensualidade. A sensualidade é uma dimensão da sociedade – do indivíduo e da coletividade. Ai das sociedades que sufocaram sua sexualidade. A sensualidade sai de uma forma doentia. A Inglaterra experimentou isso numa determinada época de sua história, quando a sensualidade era praticamente proibida e se constituiu num grau de hipocrisia e substituição da sexualidade saudável por todas as formas de perversão que você pode imaginar. É inevitável para os que fazem funk se acostumarem à ideia de que as mulheres estão cada vez mais presentes na esfera pública e cobrando respeito, como minha amiga aqui ao lado cobrou o uso de um termo tradicional, mas que transfere para a mulher a responsabilidade da agressão masculina.

“Eu conheço 48 países, e o Brasil é abençoado por não ter permitido que a sensualidade fosse domesticada. Ela é viva, os corpos são vivos, falam, desejam, estão presentes na cena pública, ora dançando, ora de outra maneira. Isso é uma qualidade nossa, que muitas vezes nos coloca numa situação superior a muitos outros povos. Há a possibilidade da vulgarização, e a gente convive com isso diariamente. Mas não é só no funk, não. Eu ligo a TV e vejo o nível de vulgaridade e superficialidade na tentativa de trabalhar a dimensão humana. Em certos momentos, o funk pode ser considerado até um mosteiro diante da barbaridade que é feita com uma das dimensões mais profundas e eu diria sagradas que nós temos. A sexualidade é o que nos faz serese vivos, mamiferos, animais, humanos, e permite com que estejamos com o todo, com as outras espécies, com o ambiente.

Muitas vezes a gente repete um discurso cabeça sobre a sexualidade e cobra dos povos do hemisfério sul que domestiquem seus corpos como os do hemisfério norte domesticaram. Eles domesticaram para viver a sociedade industrial, o capitalismo. Antes do capitalismo não era assim, na Europa não era assim. Tiveram que matar mais de 1 milhão de mulheres para domesticar a sexualidade na Europa, para abafar as culturas anteriores à cultura que veio acompanhando a implantação do capitalismo. E nós, até porque fomos desprezados como periferia, conseguimos sobreviver e, na sociedade pós-industrial, essa inteligência corporal que nós temos vai ser um fator importante.

No processo cognitivo, as pessoas valerão não mais pela capacidade de repetir gestos, mas sim de criar, inventar e formular. A demanda do nosso amigo (MC Beto), de não querer entrar na sociedade pelo trabalho mais desvalorizado, mas como criador, é uma dimensão humana importante. Todo mundo tem direito à plenitude humana, e a sociedade tem que garantir isso, e nesse sentido a criação é um fator importante. As políticas culturais não podem ser para formar torneiros mecânicos ou encanadores. Quem quiser ser encanador, vá ser encanador, mas quem quiser ser poeta, independente se mora na favela ou não, tem que ter acesso a meios que o capacitem a realizar plenamente a condição de criador.

“É genial a periferia de São Paulo ser talvez a mais forte do Brasil, mesmo considerando Rio de Janeiro e Bahia e Pernambuco e Maranhão, onde a periferia está pulsando uma demanda de criar e construir um discurso cultural próprio. Isso tem de ser parte do processo de democratização da nossa sociedade: abrir as portas para que a periferia possa realizar plenamente o sonho de criador, que é uma parte importante do trabalho de constituição de uma nova sociedade, uma sociedade mais solidária, que ultrapasse as divisões que nós herdamos de 500 anos de subestimação e redução da condição humana das pessoas. Acho que a gente está chegando a um momento em que isso tem que ser colocado no centro das discussões e das relações políticas.

Fiz uma reunião com o hip-hop, e as mulheres entraram pesado criticando o machismo do discurso cultual do hip-hop. Os rappers ficaram um pouco incomodados, como se fosse ilegítimo mulheres que fazem hip-hop estarem criticando o movimento. Mas o rock’n’roll passou por isso, havia um nível de misoginia que as mulheres é que se encarregaram de superar. No samba também.

“Percebi aqui uma coisa com que o funk vai ter que conviver: enquanto nós, do lado do poder público, temos que descriminalizar e reconhecer, dentro das comunidades as pessoas querem mais. Querem um discurso mais qualificado. As mulheres querem estar presente de uma forma não depreciada. A sociedade quer não apenas um sonho que substitua a realidade, que é barra pesada e ninguém é de ferro pra viver só essa realidade. Mas quer também que suas manifestações culturais sejam um veículo de transmissão das suas demandas humanas mais complexas e profundas, inclusive as sociais.

“O funk inevitavelmente será contaminado por essa demanda, e esse diálogo dentro da comunidade é estratégico para o funk. Se é importante o diálogo conosco, com os governantes, a sensibilidade para dentro da própria comunidade e fundamental, senão o funk perde a força social que tem e vira um enclave dentro das comunidades que não vai ter importância nenhuma, vai ser só um fenômeno econômico, de gravadoras, produtores, MCs etc. É uma sugestão: prestem atenção às vozes críticas que surgem na comunidade, porque daí sairá certamente a dinâmica de construção e aprofundamento da lógica cultural.

É evidente que a estrutura cultural classista e elitista da cidade é excludente. Quando você sai aqui do centro em direção à periferia, a partir de certo momento praticamente não tem mais equipamento cultural público à disposição da comunidade. Tem algumas casas de cultura e alguns CEUs, que foi uma invenção muito boa e só cabe a nós reconhecer a grandeza e recuperar o espírito original e estender a rede de CEUs. Mas os CEUs não são suficientes.

“O poder público tem de cumprir três funções para superar essa estrutura de uma cidade dividida, que exclui boa parte de seus cidadãos e cidadãs. Tem que levar circuitos culturais que hoje só acontecem dentro de uma parte do território até a periferia. Tem que levar cursos de formação para possibilitar que os jovens na periferia tenham acesso à informação e a disputar espaço em todas áreas, e no caso da cultura compete a mim construir esse espaço de formação. E a terceira, estimular, fomentar, patrocinar e apoiar os processos culturais locais das comunidades e das suas organizações. Isso pode ser feito sem equipamento, como os Pontos de Cultura fizeram, mas o equipamento qualifica, amplia a possibilidade de processos culturais qualificados (aplausos).

“Falaram aqui uma companheira do México e uma companheira de Angola. Genial isso, São Paulo é realmente uma cidade incrível. Que cidade do mundo permite que na comunidade, discutindo um fenômeno como o funk, venha uma companheira angolana falar de sua experiência de vida, venha uma companheira mexicana também falar de sua experiência? E todos nós entendemos porque somos povos irmãos e as línguas são muito próximas. E, engraçado, foram opiniões contraditórias. A angolana ressaltou que não podemos ter medo da sensualidade. O kuduro – o nome dessa música já diz tudo – foi altamente discriminado porque nasceu nas periferias angolanas, tomou conta e hoje faz parte do hit parade mundial, porque tem uma beleza na dança, é um instrumento da possibilidade do corpo estar vivo. E a companheira do méxico chamou atenção, quase ao contrário, da vulgarização, manifestou preocupação com o excesso de sensualidade, que isso pode favorecer processos de manipulação, por exemplo, por parte do tráfico. São ambas legítimas, porque é dessa complexidade que a gente vai construindo uma lucidez. Todos nós vamos sair mais amadurecidos para pensar.

“Me infernizaram a cabeça três meses, em todos os lugares onde eu ia, até no supermercado. Diziam: “Se acontecer alguma coisa você é responsável em botar os Racionais na Virada”. Outros diziam: “Você é maluco de botar funk na Virada”. Tivemos Racionais, hip-hop e funk na Virada. Não tivemos incidente nenhum, as pessoas estavam ali satisfeitas de ser reconhecidas como uma manifestação cultural.

“Não começamos a planejar a próxima, estamos ainda fazendo o balanço, e tem números incríveis, positivos. Por exemplo, a presença de pessoas de periferia na Virada saiu de menos de 5% para mais de 10%. Alguns jornais e pessoas queriam que eu fizesse eventos lá na periferia, com cara de Virada, para que pessoas da periferia não viessem conviver aqui no centro, com medo da presença das pessoas da periferia. A comunidade de periferia quer vir conviver no momento da Virada com os outros paulistanos. O momento é da convivência, numa cidade que não tem praia e tem poucos momentos de convivência.

O pessoal da periferia também tem direito à cidade, isso é que a gente precisa afirmar politicamente. O planejamento da Virada foi para facilitar a presença de todos, sem discriminação. E foi positivo, porque não gerou problemas – o problema que gerou foi porque houve uma greve branca por parte dos policiais que faziam a segurança e durante a madrugada aconteceram vários arrastões. Mas não tirou o brilho da Virada.

Não quer dizer que a gente esteja exaltando ou elegendo um gênero como prioritário. Certamente, no dia que a gente reunião com o bolero a gente também vai respeitar o bolero. Parabéns a todos nós, nós estamos avançando, é assim que se constrói sociedade democrática. Política cultural só pode ser construída assim, olho no olho, todo mundo falando o que pensa, e a gente vai avançando no sentido de construir um ambiente que comporte todas as manifestações culturais e todas tenham possibilidade e direito de avançar. A gente aqui marcou um gol. Vamos a partir de agora avançar mais ainda”.

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