O pesquisador se lança a partir de hoje ao programa de web-rádio Mergulho no Escuro, em que tocará e comentará músicas a esmo, com presença e participação de plateia ao vivo.
O plácido homem de barba grisalha está sentado diante da plateia. Estamos num típico auditório de rádio. Diante do microfone, não há artistas da chamada “era de ouro”. Não é a Rádio Nacional. Na plateia também não há as célebres “macacas de auditório” de meados do século passado.
Nada de Carmen Miranda ou Orlando Silva. O homem grisalho é Zuza Homem de Mello, instrumentista, jornalista, crítico, engenheiro de som, homem de TV e rádio, pesquisador, escritor, enciclopedista, produtor – sempre voltado, em qualquer desses ramos, ao estudo da música e à paixão pela música. É com essa bagagem que ele mergulha, a partir de hoje (5 de março), às 20h, na aventura do programa de web-rádio Mergulho no Escuro, irradiado de São Paulo para o mundo a partir do edifício do promotor da iniciativa, o Itaú Cultural, na avenida Paulista. O fato de o apresentador estar de frente para espectadores de carne e osso é o que promete fazer desta iniciativa uma velha e doce novidade.
A proposta é simples. Quem vier para a plateia de Zuza deverá trazer música gravada em vinil ou CD. Sem conhecimento prévio da seleção de cada noitada, o apresentador-comentarista colocará as faixas para tocar com auxílio de um DJ, tecerá comentários sobre elas e ensaiará um diálogo direto com cyber-“macacas” pós-modernas de web-auditório.
Na terça-feira, 26 de fevereiro, FAROFAFÁ testemunhou uma gravação-piloto do Mergulho no Escuro, no pequeno audiitório vermelho do Itaú Cultural, ainda para poucos e engajados espectadores. “É um programa de rádio com auditório, nos moldes daquilo que não existe mais”, anunciou Zuza logo de cara.
A primeira música a raspar, com bastante estática, a agulha da picape foi “Carta ao Tom 74”, homenagem metalinguística da bossa nova à bossa nova, extraída de um álbum de 1974 de Vinicius de Moraes & Toquinho. Em seguida, o toca-CD sem estática nenhuma atacou de “Você Não Serve pra Mim” (1967), na voz ainda jovem-guardista de Roberto Carlos. A estática voltou à toda na sequência, nos sulcos eruditos de “Also Sprach Zarathustra”, repopularizada como tema retrofuturista do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, mas aqui reproduzida na versão funkeada de 1972, pelo brasileiro Eumir Deodato.
Zuza entrelaçou a eclética seleção com fartos comentários e alguma dificuldade em envolver e trazer para a conversa os espectadores presentes. Possivelmente nervoso com a pré-estreia, não lembrou de mencionar a ligação do tema de Richard Strauss com o filme de Kubrick. A fórmula esquentou mais quando a seleção passou a abranger música contemporânea, de agora, que o pesquisador confessou não conhecer – caso de uma canção de Rubi, intérprete masculino de timbre feminino, que a sorte e o sorteio calharam de colocar lado a lado com Ney Matogrosso, na clube-da-esquiniana “Coração Civil” (1982), de Milton Nascimento e Fernando Brant.
De modo análogo, a música nova-pop-MPB de Socorro Lira foi emparelhada com a música clássico-caipira de Inezita Barroso, que inspirou Zuza a comentar a cinebiografia Gonzaga – De Pai pra Filho (2012), de Breno Silveira, e citar Luiz Gonzaga e Gonzaguinha, num balé de décadas que deixaria tontas “macacas” novidadeiras de outrora.
O organista Zé Maria também compareceu em tempo de estática, na versão pré-cambriana de “Mas Que Nada” (1963), de Jorge Ben, com participação do então desconhecido autor nos vocais. Em raro momento mais irreverente, Zuza classificou como sem-graça a versão do organista, desprovida do violão de Jorge, que logo a seguir se tornaria uma das marcas registradas máximas da chamada MPB como a conhecemos até hoje. Na hora de tocar (em CD) o Grupo Pau Brasil, Zuza demonstrou indiretamente sua predileção: foi a única faixa que ele deixou correr praticamente inteira.
A ideia está em movimento, e a partir de hoje começa a tomar forma pública, em edições mensais, sempre na primeira terça-feira do mês. Ao final da gravação do piloto acompanhada com amorosa torcida por sua esposa, Zuza abriu seu conhecido sorrisão e sonhou com o que pode vir a ser do Mergulho no Escuro: “Eu não sei como vai ser o programa. Pode ter altos e baixos, mas é o risco. Quando for uma coisa baixa, o que pode acontecer, eu vou cair matando. Não tem como fugir”.