Em plenária, mais de mil pessoas levaram suas demandas ao secretário de Cultura de São Paulo, o ex-ministro Juca Ferreira, que prometeu diálogos permanentes com a classe artística

Uma mulher da plateia, sem microfone, gritou: “Na periferia só tem posto de gasolina e funk.” O ex-ministro e agora secretário municipal de Cultura, Juca Ferreira, continuou a falar. E falou por quase três horas sobre seus planos para a capital paulista na plenária #ExisteDiálogoEmSP. A estimativa é a de que mais de 1.000 pessoas estiveram presentes no encontro no Centro Cultural São Paulo (CCSP), algumas dezenas falaram e todos saíram de bolso e chapéu vazios, embora muitos dali demonstraram que só estavam de olho nisso.

“Saiu o lacônico e entrou o histriônico”, bradou um representante de uma importante classe artística, que congrega cerca de 800 grupos filiados. Ele se referia ao ex-secretário serrista/kassabista Carlos Augusto Calil e ao seu sucessor. Acostumado a bater na porta dos gabinetes, o artista fez um discurso apaziguador na plenária, mas distante dela não teve papas na língua: “Foi muito blá-blá-blá, aquela coisa chata do PT de assembleísmo, fóruns, GTs (grupos de trabalho)”.

Secretário Juca Ferreira, no CCSP - Foto SMC

Ficou evidente nesse encontro que parte da classe artística paulistana não é muito afeita ao diálogo. Cineastas de renome que dependem de recursos da Prefeitura, por exemplo, não deram as caras. O jornalista Gilberto Dimenstein, do projeto Aprendiz, também não. Talvez porque, na semana passada, ele teve acesso direto ao gabinete do secretário. Enfim, grupos que abocanham parte substancial dos recursos para a produção artística não fizeram questão de se notar na plenária.

A queixa generalizada, fora do CCSP, era com o corte das verbas para para a cultura. Os atuais 400 milhões de reais, segundo disseram, corresponde a 0,9% do orçamento. É a lógica do cobertor curto, pelo menos para 2013 – para o ano que vem, Juca garantiu que Fernando Haddad elevará os recursos para 2% do orçamento. O prefeito, segundo ele, afirmou que chegar a esse montante é um compromisso.

Questões marginais, como a falta de programação dos CEUs (centros de educação unificados) ou de transporte para as pessoas irem aos teatros, cinemas e shows, também foram apontadas. Num raro momento mais propositivo da plateia, um orador sugeriu a criação de uma rua 24 horas no bairro central do Bixiga. Juca não disse que sim, nem que não, mas sugeriu que demandas como aquela devem ser enfrentadas na discussão do Plano Diretor. O uso das ruas, inclusive cultural, é uma questão que passa por aí.

Um outro crítico do “assembleísmo”, fora dos microfones e sem muito conhecimento de causa, afirmou: “Ouvi dizer que quem nomeou o secretário foi esse tal de Fora do Eixo”. E fez cara de intrigado, como se esperasse uma confirmação do interlocutor. Havia, de fato, representantes do Fora do Eixo no encontro, até porque dialogar é o prato preferido desse coletivo que agora parece chamar atenção da imprensa tradicional. Juca e Rodrigo Savazoni, atual número 2 da Secretaria da Cultura, prometeram tornar essa fórmula de diálogo permanente, e foram ovacionados pelo público.

Mas retomemos à frase inicial da mulher que se queixou do funk, o hoje onipresente ritmo que tomou conta da cidade. Juca disse que São Paulo tem uma vocação muito maior do que a de só oferecer palcos para músicos internacionais, e que um de seus objetivos é permitir a produção cultural nas comunidades da periferia e do centro, além de promover o giro de artistas brasileiros pelos palcos da metrópole.

Só que parte dos que associam o funk a posto de gasolina, e por tabela ao PCC (a facção criminosa), parecem pouco dispostos ao diálogo. Assim, o movimento que surgiu espontaneamente das periferias, na ausência (e, paradoxalmente, também na presença) do poder público, parece ser o mal do momento a ser combatido. É preciso levar a “boa” cultura aos “povos oprimidos”, a panaceia que se vende de tempos em tempos quando se turva a visão sobre a realidade.

Fora do Eixo, funk, periferia. Palavras cada vez mais presentes na ordem cultural brasileira que têm assustado aos que se acostumaram a tomar cafezinho na Casa Grande das secretarias e ministérios da Cultura. Como diria Regina Duarte: “Eu estou com medo.”

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