Em 2007, a cantora canadense Feist cancelou o que seria seu primeiro show no Brasil, no antigo TIM Festival, devido a uma crise de labirintite. Havia uma expectativa, diziam que ela era uma espécie de Mary Poppins do indie, uma fadinha das terras geladas. Cinco anos depois, eis que ela desembarcou esta semana no templo indie da Liberdade, o Cine Joia.

O segundo show de Feist, ontem à noite, repetiu o encantamento que o primeiro causou em quem esteve lá, na segunda-feira. Ela surgiu de vestido vermelho, empunhando a guitarra, cantando Intuition, justamente uma canção de seu disco The Reminder, de 2007, aquele ano em que ela não viria. “Você escolheu, você escolhe. Poesia sobre prosa”, cantou Feist. Aquela parte da plateia que esperou pelo show até 11h08 sentada no chão, no gargarejo, logo foi convidada a participar, e se esgoelou com a cantora na frase “Did i? Did i?”.

A canadense se faz acompanhar por uma banda com um baterista focado nas caixas; um tecladista; um guitarrista que também toca trompete; e três cantoras de apoio que se vestiam e dançavam como se fossem inrizetes, aquelas seguidoras do messiânico Inri Cristo. A performance deles se insere numa onda neohipster que tem como expoentes, hoje em dia, grupos como Edward Sharpe and the Magnetic Zeros, uma nova Era de Aquarius de butique.

As músicas que se seguiram a Intuition, como The Bad in Each Other, A Commotion, Graveyard e Mushaboom, com coros catárticos e harmonias artesanais, todas elas continham um componente acelerado de vaudeville, de euforia cênica, do tipo que embala, por exemplo, outra trupe canadense, o Arcade Fire.

É um nicho que destaca, há mais de uma década, outras cantoras como Regina Spector ou Florence + the Machine e a pioneiríssima Björk – um som turbinado pelo teclado, com sutis toques de eletrônica, fazendo um amálgama de pop, jazz e folk. Um som que se materializa numa fronteira daquilo que já foi chamado de new age, com climas hipnóticos, uma ambição de transcendência. Mas também um som que já começa a parecer trivial, pela profusão de adeptas. A atualização veio por conta do peso que Feist adicionou ao show, com um componente de rock extra, uma pitada de progressivo.

Curioso notar hoje que a música de Leslie Feist, apesar de alternativa, também já se tornou um tipo de mainstream, influenciando gente pelo mundo todo – as garotas do duo sueco Taxi Taxi, por exemplo, parecem ter ouvido muito. A noite estava muito agradável, o Cine Joia tava lotado na medida certa, sem atropelos. Como Beth Ditto, do Gossip, Feist derramou-se em elogios à nova palavra que aprendera na noite anterior, “caipirinha”, e ensandeceu sua plateia de convertidos e neoconvertidos. Demorou, mas justificou.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

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