Morreu nesta quinta-feira, aos 86 anos, o Professor Eduardo de Oliveira, um dos mais aguerridos defensores do movimento negro no Brasil e autor do ‘Hino à Negritude’.
Se hoje o Brasil possui um Estatuto da Igualdade Racial, deve-se muito à sua luta do Professor Eduardo de Oliveira. “Eu sempre falo que o negro, não só no Brasil, mas no mundo, é sempre uma afirmação de um crime perpetrado contra a Humanidade. Cada rosto negro é um corpo de delito. É a prova de uma perversidade feita por um grupo sobre outro grupo. Mas o que é fundamental é que esse erro ficou marcado e está sendo reconhecido o crime”, afirmou ele, em março de 2010 por conta da aprovação do estatuto – sancionado em julho pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
À “Revista Raiz da Liberdade”, o professor tocava o dedo na ferida ancestral brasileira: “Dizem que o negro não existe, que não existe raça e que o povo não tem mais referência racial, mas até pouco tempo tinha, para ser escravo, para trabalhar muito, para ficar na senzala, era a raça que servia, eram os filhos do continente negro.”
Eduardo de Oliveira cresceu num orfanato. Poucos anos depois e ainda na adolescência, ao perceber a sociedade desigual em que vivia, começou a rascunhar os primeiros versos de algo que ele levaria 60 anos para terminar. É o “Hino à Negritude”, um cântico em homenagem à africanidade brasileira. Demorou esse tempo todo, afirmava, porque as conquistas dos negros custam a acontecer. Dizia que o hino era a condensação da “generosidade humana”, de tantas contribuições que recebeu.
Em setembro de 2009, quando a Câmara dos Deputados discutia a inclusão do “Hino à Negritude” como um dos hinos oficiais do país, por iniciativa de um projeto do deputado Vicentinho (PT-SP), o jornalista e crítico musical Nelson Motta tratava a composição como uma “marcha escolar-militar banal e tradicional”. Em artigo no jornal “O Globo”, bradou, ao melhor estilo “Nós-não-somos-racistas”: “O ‘Hino à Negritude’ se parece mais com os velhos hinos ‘brancos’ e ufanistas. E o que seria homenagem soa como uma paródia do estilo do opressor.” O racismo que o Professor Eduardo de Oliveira sempre combateu, como se vê, sobrevive.
Nascido em 1926, Eduardo de Oliveira foi um dos três estudantes que se formaram numa turma de 800 alunos do ano de 1950 no tradicional Colégio Caetano de Campos, em São Paulo. Em 1963, foi eleito como primeiro vereador negro da capital paulista, e por conta disso seu velório está sendo realizado nesta sexta-feira na Câmara Municipal.
Presidente do Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB), desde a sua fundação em 1995, o militante da causa negra escreveu vários livros, como “Ancoradouro” (1960), “Banzo” (1965), “Evangelho da Solidão” (1969), “A Cólera dos Generosos” (1988). O primeiro deles, “Além do Pó”, foi publicado em 13 de maio de 1958. É também autor da enciclopédia “Quem é Quem na Negritude Brasileira”.
Hino à Negritude
Letra e Música: Professor Eduardo de Oliveira
Sob o céu cor de anil das Américas
Hoje se ergue um soberbo perfil
É uma imagem de luz
Que em verdade traduz
A história do negro no Brasil
Este povo, em passadas intrépidas
Entre os povos valentes se impôs
Com a fúria dos leões
Rebentando grilhões
Aos tiranos se contrapôs
Ergue a tocha no alto da glória
Quem, herói, nos combates, se fez
Pois que as páginas da História
São galardões aos negros de altivez
Levantado no topo dos séculos
Mil batalhas febris sustentou
Este povo imortal
Que não encontra rival
Na trilha que o amor lhe destinou
Belo e forte na tez cor de ébano
Só lutando se sente feliz
Brasileiro de escol
Luta de sol a sol
Para o bem de nosso país
Ergue a tocha no alto da glória
Quem, herói, nos combates, se fez
Pois que as páginas da História
São galardões aos negros de altivez
Dos Palmares os feitos históricos
São exemplos da eterna lição
Que, no solo Tupi
Nos legara Zumbi
Sonhando com a libertação
Sendo filhos também da Mãe-África
Aruanda dos deuses da paz
No Brasil, este Axé
Que nos mantém de pé
Vem da força dos Orixás
Ergue a tocha no alto da glória
Quem, herói, nos combates, se fez
Pois que as páginas da História
São galardões aos negros de altivez
Que saibamos guardar estes símbolos
De um passado de heróico labor
Todos numa só voz
Bradam nossos avós:
Viver é lutar com destemor
Para frente marchemos impávidos
Que a vitória nos há de sorrir
Cidadãs, cidadãos
Somos todos irmãos
Conquistando o melhor por vir
Ergue a tocha no alto da glória
Quem, herói, nos combates, se fez
Pois que as páginas da História
São galardões aos negros de altivez
(bis)
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