Vira e mexe, a ministra Ana de Hollanda é atacada pelos jornais, através de artigos e manifestos, como uma Geni da cultura. Esta semana, texto subscrito por professores universitários, no jornal “O Estado de S. Paulo”, e entrevista do ex-ministro Juca Ferreira, na “Folha de S.Paulo”, pareciam petardos sincronizados, como numa campanha bélica bem tramada.
Não sou especialista em administração pública. Mas conhecendo a ministra e acompanhando de longe sua ação à frente do ministério, me estarreço com a violência praticada contra ela. Chego a pensar que não estamos acostumados à política exercida com discrição e serenidade, gostamos da tradição dos berros e dos murros na mesa, confundimos delicadeza com fragilidade.
São tão tortuosos e pouco sólidos os rumos desses desaforos, tão clara sua voracidade política, que seria mais simples se os agressores declarassem logo: “É que não vamos com a cara dela.”
Juca Ferreira, o ministro do projeto autoritário da Ancinav, não esconde contra o que se bate: “Num estado com pouco controle social como o Brasil, você diz e faz o que quiser”, declara em tom de lamentação, sobre algo que devia nos orgulhar. Antes dele, os professores liderados por Marilena Chauí listam várias expressões acadêmicas que gostariam de ouvir vindas do MinC e exigem dele uma participação criativa que não lhe cabe ousar ter. O velho e místico sebastianismo brasileiro ainda pensa que é o estado que produz e deve produzir cultura.
Ora, para os que já se esqueceram dele, lembro trechinho do belo discurso de posse da presidente Dilma Rousseff: “A cultura é a alma de um povo, essência de sua identidade. Vamos investir em cultura, ampliando a produção e o consumo em todas as regiões de nossos bens culturais.” E então fui me informar do que anda fazendo o MinC de Ana de Hollanda para atender a esse programa anunciado pela presidente. Aqui transmito algumas respostas ouvidas por mim.
Em 2011, o MinC não só conseguiu dar conta de um enorme passivo de compromissos que ficaram a descoberto em 2010, como alcançou uma execução recorde de 98,98% dos limites autorizados para empenho. Isso significou R$1,069 bilhão em investimentos diretos, o maior número já alcançado pelo Ministério no que se refere ao efetivamente investido.
Ao contrário do que se tem dito, o orçamento do MinC, na gestão da presidente Dilma, é maior e mais realista do que o de gestões anteriores. O total de investimentos é de R$1,24 bilhão. Somando-se a isso os R$400 milhões a serem incorporados através do Fundo Setorial do Audiovisual, chega-se a R$1,64 bilhão, um recorde sem precedentes na pasta. E não se computa aqui o investimento indireto através das leis de incentivo, como a Rouanet.
E para onde têm ido esses recursos?
Os Pontos de Cultura encontravam-se sem pagamento desde o mês de março de 2010. Na atual gestão, o MinC já pagou cerca de R$100 milhões. O crescimento do orçamento do Programa Cultura Viva tem permitido a criação de novos Pontos de Cultura, o revolucionário projeto inaugurado por Gilberto Gil. Em 2010 o investimento nos Pontos de Cultura era de R$50 milhões. Em 2011, o primeiro ano da gestão atual, foram empenhados R$62 milhões e em 2012 esse valor saltou para R$114 milhões.
Em fevereiro deste ano, a ministra aprovou, junto à presidência, uma lista de programas prioritários que já estão em execução: o Brasil Criativo, que visa a ampliar as possibilidades de emprego e renda, a partir do potencial criativo; o Mais Cultura & Mais Educação, em parceria com o Ministério da Educação, para investir em cultura nas escolas; o PAC das Cidades Históricas, atuando em 125 cidades que possuem sítios históricos ou bens tombados; o de Praças dos Esportes e da Cultura, na periferia de 345 cidades, para construção de parques esportivos, bibliotecas, salas de espetáculo, cineclubes.
O ministério está investindo no processo de implantação do Sistema Nacional de Cultura, que pulou de 337 municípios e um estado integrados até 2010, para 782 municípios e 17 estados hoje. Na área do audiovisual, a aprovação recente da lei 12.485 vai permitir a presença do produto nacional independente nas televisões por assinatura e o crescimento dos recursos do Fundo Setorial. Um instrumento de remissão do cinema brasileiro.
Além disso, o MinC, com o apoio da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura, se empenha na aprovação, pelo Congresso, de leis como as do Vale Cultura, do Procultura e sobretudo da revisão dos Direitos Autorais. Sou internauta e sei que não é mais possível nem desejável recolher esses direitos como se fazia no passado. Mas também não estou disposto a entregar o que sai de minha cabeça ao Creative Commons, um projeto de marketing de empresa esperta.
Foi isso o que me contaram e eu ouvi do MinC. Se alguém não concorda, que apure e se manifeste. Não precisa trucidar quem está do outro lado.
Chico Anysio foi e será sempre o Rei da Comédia, como Pelé é do futebol e Roberto Carlos da canção popular. Aqui, o clichê é exato e irresistível: o mundo vai ficar mais triste sem ele.
(*) Pé bibliográfico e adendos por Pedro Alexandre Sanches:
a) Este texto de Cacá Diegues, informadíssimo sobre os trâmites internos do MinC Buarque de Hollanda, foi publicado originalmente na edição de hoje do jornal carioca “O Globo”. FAROFAFÁ o pirateia porque trata-se, até agora, do único documento pró-Ana de Hollanda e único modo que encontramos de ouvir o chamado “outro lado”, a turma que hoje pilota o MinC. Se se sentirem pirateados, que nos processem a Globo, o Cacá, o MinC, a Dilma. Se são realmente a favor da liberdade de expressão que tanto propalam em público, não nos processem.
b) Pô, Cacá, FAROFAFÁ dá crédito (em creative commons) a você! Por que você não dá crédito (em copyright) a FAROFAFÁ? (Aliás, por que a faxina na imagem do Ecad e o Ecad não aparecem no texto de Cacá entre as realizações de Ana?)
c) O chamado “outro lado” insiste em não dialogar. Do mesmo modo, “O Globo”, o “Estado”, a “Folha”, Cacá etc. insistem em não repercutir as denúncias de FAROFAFÁ contra o MinC da pobre Ana de Hollanda, de quase duas semanas atrás. Sendo assim, abrimos nossos canais e convidamos publicamente qualquer integrante da gestão Juca-Gilberto Gil (outra figura estranhamente ausente do texto de Cacá) para assinar, aqui neste site independente, um texto de justificativa e defesa do MinC “autoritário” de Juca, Gil e Lula atacado no texto acima. Gil? Juca? Alfredo Manevy? Quem? Alguém se habilita?
d) O texto do autor não foi modificado em uma vírgula por FAROFAFÁ. Só tomamos a liberdade zombeteira de fazer duas pequenas intervenções (dois samples, para não dizer que não falamos de música?) no título de Cacá (e/ou do Globo): colocamos letras iniciais maiúsculas nas palavras “cultura” e “povo”. Sentimos saudades lancinantes de Glauber Rocha.
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“Creative Commons, um projeto de marketing de empresa esperta”
O Cacá Diegues também é autista? Pra quem não é “especialista em administração pública” e foi se “informar do que anda fazendo o MinC de Ana de Hollanda”, ele decorou muito bonitinhos os números econômicos. Mas não foi capaz de pesquisar e entender o que são as licenças CC?
Se houvesse honestidade nesse diálogo, ele saberia que as licenças CC são até uma proposta de solução muito aquém do que a realidade exige, em especial porque elas pressupõem a manutenção de toda a estrutura legal do direito autoral vigente. Para os mais radicais, como eu e tantos outros, toda essa estrutura não se sustenta e precisa ser repensada integralmente, a partir do próprio conceitão de propriedade intelectual. Mas não, insistem nessa bobagem de demonizar o CC. E ainda tem a pachorra de dizer que o MinC se empenha a aprovação da reforma da LDA. Tem gente cuja alma tem preço.
A alma do povo de Cacá
O notável cineasta Cacá Diegues vem, corajosamente em socorro da Ministra da Cultura, que pessoalmente é sua amiga. Vem cumprir o que todos os bons amigos fariam. Em seu lugar eu faria o mesmo, em companhia de um amigo querido, a bordo de sua torpedeada piroga ou Ministério eu afundaria junto. Em nome de uma vida de parcerias artísticas e experiências pessoais compartilhadas. Coisas da alma.
Esse é o legado das primeiras linhas de seu texto em relação aos críticos da gestão do MinC, pasta ainda ocupada pela cantora Ana de Hollanda. Essas primeiras linhas de seu texto são moralmente defensáveis, certamente e tal como o defendo aqui. Venho em sua defesa aqui não como artista, mas como cidadão. É pela representação da cidadania que nos colocamos finalmente em posições de igualdade nesta República recente. E nesta República, a Cultura representa esse imenso mundo simbólico que tece irresistívelmente nossos laços identitários como povo, na ditadura ou nesta também recente democracia.
Em outros aspectos, também morais e sobretudo políticos, todavia, o texto sofre da mesma fraqueza que a gestão a ser defendida. Publica, em seguida, uma compilação de dados da gestão do Ministério da Cultura. Estes dados já publicizados pelo MinC carecem, todavia, da necessária precisão e fundamentação. São, naturalmente, documentos políticos, na tentativa de criar uma agenda positiva que, sabe-se, não corresponde aos fatos e às ações. A parceria do MinC com a Frente Mista em Defesa da Cultura foi absolutamente nula, a questão do Direito Autoral não é o Creative Commons, é algo suficientemente grave para ser matéria de análise de uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal. Nesse sentido, o MinC deixa seu defensor nu e a descoberto. Digo isto porque estou ciente de documentos públicos a que todos os cidadãos brasileiros têm livre acesso e não pela leitura de releases.
É também um equívoco grosseiro crer na versão de que há uma perseguição pessoal à Ministra. Assim como emprestar-lhe um caráter irresponsávelmente destruidor e interesseiro, quando o que está implicado é precisamente a justificada reação da larga maioria dos artistas e gestores culturais, ao rompimento unilateral desta gestão do Ministério com compromissos institucionalmente contraídos com a sociedade civil e a descontinuidade das políticas públicas para Cultura que foram amplamente consensuadas, com muito investimento e esforço de cidadãos dispostos a investir, sem qualquer lucro pessoal, muito trabalho e participação, desde 2004. Tratava-se de uma operação inédita pela edificação de documentos de Estado estruturantes de um plano de Cultura nacional, democrático e para todos. Nada mais representativo, democrático, sagrado.
Não é possível concordar com a interpretação de que se trata de uma ação orquestrada de invejosos, oportunistas e os artistas não-contemplados com as políticas que vêm caracterizando esta desastrosa gestão. Não é aceitável aportar a estes, a pecha de opressores. Os artistas e a sociedade civil foram traídos pela cassação da participação popular na proposição de políticas públicas do Estado e pelo seu efetivo desmonte. É a isso que denominamos desastre. Isto não é obra da Ministra, é de uma gestão do Ministério, o que implica em muitos agentes que não podem ser identificados fácilmente. A discordância do setor quanto aos rumos adotados pela gestão não é nem nunca foi uma perseguição pessoal.
Este comportamento não é compatível com um Ministro de Estado da República. Fazer-se desde a primeira hora de sua gestão, vítima de perseguição pessoal é muito mais a revelação de um comportamento personalista. Isso não expressa os fatos, é algo forjado e busca focar justamente no que não está em questão. Importante é estabelecer a verdade sobre essa questão de uma vez por todas: a pessoalidade da Ministra não tem nenhuma relevância para a Cultura ou para o Brasil. O que poderia ter relevância seria o diálogo com a sociedade, com o setor, com o povo e com os artistas, precisamente o aspecto onde sua gestão fracassou miserávelmente. O nível com que a instituição máxima do Estado para a Cultura trata as contradições que engendrou está envergonhando o país.
O cineasta é lançado em defesa da Ministra municiado com bolas de papel, que não poderão em nenhuma hipótese arrefecer a indignação generalizada do setor da cultura, porque não é possível negociar com a nossa alma. A Cultura é a alma de um povo.
Dedicamos o melhor de nossos esforços e o nosso trabalho, como artistas, a princípios que pretendemos, por toda a vida, ter sido seus defensores. Nesses aspectos enfim, não posso defender, neste momento, a oportuna aparição do cineasta.
“O amor é valente, não há lugar para covardia no amor”, disse-me uma vez uma extraordinária pintora argentina. Assim também é na cultura. São coisas da alma de um e de todo um povo. Todos nos expomos desnudos, nos gabinetes, nos palcos, nas redes sociais e nos jornais.
Felipe Radicetti, músico compositor.
O MinC resolve morder
As oportunas manifestações contra o irresistível movimento nacional por mudanças no rumo das políticas culturais dessa desastrosa gestão do MinC têm como características comuns o sofismo, a difamação dos críticos, o desapreço pela democratização da cultura e o culto personalista da irrelevante figura da Ministra. Muitos deles bem aparelhados pelo que resta do Ministério – um poder institucional governamental, porém isolado – têm acesso direto à publicação tanto na mídia comercial como a oficial e as utiliza indiscriminadamente em abimal desigualdade de forças com os alternativos blogs de jornalismo e pequenos veículos da mídia digital, que tanto caracteriza a comunicação das classes populares. O cientista político e diretor da Casa de Rui Barbosa tenta em vão desviar o foco da questão e de tudo o que está implicado, na tentativa de adjetivar o movimento nacional de sexista, com o objetivo de provocar uma reação irrefletida da Presidente. O baixo nível de suas declarações trai a também abissal diferença de nível intelectual entre este e o quilate de uma Marilena Chauí. Enquanto Marilena identifica a questão e debate idéias e fatos, o diretor da Casa de Rui Barbosa adjetiva agressivamente sem em momento algum entrar no mérito da questão, uma atitude incompatível com um diretor de uma instituição cultural. Orquestrada, essa reação chapa branca implica outros agressores recém cooptados, onde não há qualquer defesa fundamentada em fatos, como é ainda o caso de Neumanne, o ilustre detrator de Lula. É exatamente isto o que está ocorrendo: a tentativa de ocultação dos fatos.
Felipe Radicetti, músico e compositor