Quem tem dois olhos e, principalmente, dois ouvidos já sacou, mas não custa comentar: os sertanejos levaram todas na música comercial brasileira em 2011. Paula Fernandes, Luan Santana, Michel Teló, Gusttavo Lima etc. etc. etc. são os artistas mais bem-sucedidos (e ricos) do Brasil atual. Gente da velha guarda também seguiu abiscoitando nacos de fama e falatório, nem que fosse por intermédio de brigas e sofrimentos, como foi o caso recente de Zezé di Camargo & Luciano.

Aí a filial brasileira da Sony Music acaba de lançar “Amor de Alma”, novo disco da dupla Victor & Leo, da, digamos, geração do meio do pop sertanejo (a geração mais nova está abolindo as duplas, é isso mesmo?). Dá o que pensar desde a capa, que é bonita, impressionante, inclusive por remeter a uma cena de faroeste norte-americano, ou coisa parecida, Victor e Leo de caubóis, em movimento, montados em garbosos cavalos “de raça”.

Este sempre foi um grito de guerra da chamada MPB, desde pelo menos o início dos anos 1960, quando Roberto Carlos ganhou o Brasil como ídolo do rock à brasileira, também chamado de jovem guarda: a música sertaneja dos anos 1980, assim como antes o iê-iê-iê de Roberto, Erasmo & cia., foi frequentemente combatida pela ideologia MPB como “americanização” da canção brasileira, cópia piorada do country & western (e/ou rock) norte-americano, música pop ligeira que não deveria ser levada a sério por quem se supusesse sério por aqui.

Confesso que não faz muito tempo que passei a tentar perder alguns dos meus preconceitos contra os sertanejos — a ponto de achar Luan Santana e Paula Fernandes bem simpáticos, patati patatá. Mas por grande parte da vida tive certeza, vinda não sei de onde, de que não gostava de música sertaneja, ou da caipira, mesmo tendo saído de Maringá, no interior do Paraná, estado natal de vários artistas caipiras e sertanejos, e mesmo morando em São Paulo, estado caipira até a raiz da careca, mesmo quando faz tudo para disfarçar essa origem.

A primeira música do disco de Victor & Leo me soou vibrante, sanfonada (quem tem ouvidos e olhos abertos também percebeu, certamente, que a sanfona é O instrumento em alta no Brasil atual, dos sertanejos em geral até o MPB-pop-roqueiro Marcelo Jeneci, passando por vários emepebistas, er, “puros”). Mais familiar — e bem divertida — me bateu a versão “sertanejo pop” para o hit MPB-pop-axé baiano “Sexy Yemanjá”, de Pepeu Gomes, em 1993 (e agora, de novo, pela reprise da novela “Mulheres de Areia”), ou mesmo a releitura do antológico sucesso sertanejo “Fuscão Preto”. Da maioria das faixas, sinceramente, não sei o que dizer.

Já sou bem marmanjo (tenho 43 anos), me formei como jornalista/crítico musical pela escola “Folha de S. Paulo”, de desprezo total e geral por tudo que o Brasil tem de mais popular, interiorano e não condizente com o cosmopolitismo Rio-São Paulo. Ainda estou aprendendo, me acostumando, encarando que preconceitos brutais sempre turvaram meus olhos (e ouvidos) e me impediram de qualquer apreciação ou avaliação mais, digamos, séria da música mais popular do Brasil. Em 2011, essa música é essencialmente sertaneja — como alguém pode se dizer jornalista musical simplesmente se recusando a encarar e compreender essa realidade?

Falando com quem tem preconceitos parecidos com os meus: malhar os sertanejos é algo que qualquer metido a crítico faz com o pé nas costas, mais fácil que roubar pirulito de criança em praça pública. Mais difícil é tentar se aproximar, pescar significados, deixar de lado o lengalenga estéril sobre “gosto disso” e “não gosto daquilo”, procurar entender as coisas que existem, simples assim. (Se você ama Luan, Gusttavo, Michel, Paula, Victor, Leo etc., este papo não deve fazer nenhum sentido, mas, ah, já que chegou até aqui…)

Ainda não tenho experiência nem cacife para me embrenhar nessas praias, mas tem uma coisa que eu percebo já há um bom tempo, desde a era George Bush nos Estados Unidos. Houve por lá uma revalorização de artistas veteranos do folk e da música country. Bob Dylan virou deus novamente, depois de anos de relativo ostracismo. Bruce Springsteen gravou disco em homenagem ao velho cantor folk de protesto Pete Seeger, que, por sinal, depois cantou com ele na festa de posse de Barack Obama. O velho Willie Nelson está vivo e chutando.

Simplificando horrores, o caubói Bush teve seus (muitos) pares na música pop local (lembra de Madonna vestida de cowgirl em 2000?). O “novo folk” vicejou, apareceram grupos aos montes, houve um interessantíssimo fenômeno de (re)aproximação entre folk e tradição celta, música cigana balcânica, rap e pop latino-americano etc. – Calexico, Bowerbirds, Beirut, Orishas, sei lá mais quem.

Não sei se a crítica norte-americana é feroz com seus próprios caipiras, mas certamente essa não é a tônica por lá. Springsteen, Dylan, Johnny Cash e outros muitos são respeitados, ou ao menos não são desprezados nem depreciados por seus conterrâneos. Os jovens indies neo-folk têm fileiras de entusiastas, inclusive aqui no Brasil.

Mesmo aqui o novo folk norte-americano vicejou, com gente como Vanguart (vindo do Mato Grosso, não por coincidência), Tiê, Thiago Pethit, Mallu Magalhães e outros. Não me consta que a MPB tenha se manifestado, mas o velho discurso de “estão querendo americanizar a música brasileira” caberia feito luva para esse pessoal, não caberia? Bem, acredito que a MPB não tenha dado um pio, até porque esse papo de “imperialismo ianque” tem cabimento praticamente nenhum nos dias atuais.

Esta é a descoberta que ainda fico beliscando, sem saber bem qual é sua dimensão: a capa do CD de Victor & Leo até evoca um filme western, mas, não, eles e seus pares NÃO estão querendo americanizar a MPB — se quisessem, cantariam Pepeu Gomes, Jeca Mineiro, Moacyr Franco, forró, vanerão etc.?
Não, ao contrário, esse pessoal, desde ao menos os anos 1980, vive mais é de abrasileirar a música caipira norte-americana. É bem mais como se o índio estivesse cativando e dominando o caubói do que o inverso, sabe como é? É movimento a acompanhar com atenção, principalmente se nos lembrarmos que há muito o “nosso” country-western começou a vicejar com topetes indígenas e nomes passarinheiros como Pena Branca, Xavantinho, Chitãozinho, Xororó

E aí eu chego à minha conclusão, a respeito da soberania sertaneja do Brasil em anos recentes (até em rádio no Rio de Janeiro já ouvi sucessos sertanejos, o que me soou para lá de curioso): me perdoem Vanguart, Tiê, Pethit, Mallu, mas o verdadeiro “novo folk” à brasileira está nas mãos (e gargantas) de Luan Santana, Paula Fernandes, Victor & Leo etc. etc. etc.

Depois de décadas de praia, de Beach Boys a Lulu Santos, a América olha cada vez mais (e aprecia cada vez mais) seus matões, florestas e fazendas, seus interiores, sua caipirice por vezes urbaníssima. Do forró nordestino ao vanerão gaúcho, passando pelo lambadão matogrossense e pelo sertanejo metropolitano paulista, o Brasil está nessa, mais interessado na Globo do velho “Som Brasil” que na do novo (novo?) “Malhação”.

O fenômeno pode ser conflituoso e contraditório, mas tem muita pinta de uma saída coletiva do armário. Afinal, quem aqui não é “caipira”, seja no sentido Bush ou no sentido Cascatinha & Inhana?

* Texto publicado originalmente no blog Ultrapop, do Yahoo! Brasil

Siga o FAROFAFÁ no Twitter
Conheça nossa página no Facebook

 

PUBLICIDADE

2 COMENTÁRIOS

  1. Eu sou do Triangulo Mineiro, moro atualmente em Uberlândia, onde o chamado sertanejo universitário faz enorme sucesso, inclusive onde alguns dos expontes do gênero residem, caso do Bruno (Bruno & Marrone) e da dupla Vitor & Léo.
    Nasci e fui criado em uma cidade pequena, Monte Carmelo, passei a minha infância basicamente na fazenda de meu avô. Conheço bastante o mundo caipira, sei o que é ser um caipira do cerrado e não consigo enchergar nos ditos sertanejos universitários, representatividade ou conexão com o que é ser sertanejo/caipira/rural, etc. Eu apenas acho que são frutos da indústria de massa. Esse fenômeno não é novo, desde a década de 90 que duplas sertanejas romanticas/pop/padrão/comercial estão nas paradas de sucesso. Quanto não foi gasto de jabá pelas agora cambaleantes gravadoras para levar todo fim de semana Zezés de Camargo e Lucianos aos Faustões/Gugus da vida, para tocar em todas as rádios com grande audiência.
    Sei que hoje as mesmas não tem mais esse poder e nem sabem qual o papel que representam no mundo dos espetáculos, mas creio que a massificação ainda tem reflexo no mundo de hj e o sucesso do sertanejo comercial ficou entranhado no mercado.
    Aqui em Uberlândia, também é a cidade onde nasceu a dupla Pena Branca e Xavantinho. Não quero entrar em juízo de valor, mas ao meu ver, o mundo caipira se associa muito mais a essa dupla do que ao sertanejo comercial. Não consigo entender é onde existe discriminação em relação a estas duplas. Sempre vejo o Luan Santana da mídia, o Vitor e Léo, o Bruno e Marrone, agora, Pena Branca e Xavantinho, quando estavam vivos, ficavam escondidos da grande mídia, na telivisão somente a programas como os da Inezita Barrozo. Se existe discriminação aos sertanejos industriais, talves seja entre alguns grupos intelectualizados, mas estes meu caro PAS, não tem nenhum poder de repercução e de influência.

  2. Sou do interior de sp,e sempre trabalhei na roça,mas nunca me identifiquei com a cultura caipira ou sertaneja.Eu sempre achei estranho o prestígio que o folk e country tem lá e cá.Talvez seja pelo fato de que Bob dylan,jamais gravaria Fuscão preto.

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome