fachada do clube howlin’wolf em new orleans
foto: jatobá madeira/aêê

Algum tempo mais tarde, Kurt me ligou. Eu perdi a ligação, mas minha mulher anotou o recado. “Kurt Cobain wants to go into the studio with you”. Veja, eu tenho 113 anos de idade, e já tinha tipo uns 70 anos nos anos 1990. Ia para a cama tipo 10 da noite, e ele começava a vida dele às 11h da noite. Eu retornei a ligação dele umas duas vezes. O número era de um hotel Four Seasons de Los Angeles, e eu obtinha respostas do tipo: “Mr. Cobain está incomunicável no quarto dele nos últimos três dias” ou “Mr. Cobain está debaixo da cama”.
Quanto ao legado dele… Ele foi Johnny B. Goode. Ele foi o último exemplo que posso me lembrar do rock & roll no qual um garoto pobre sem suporte familiar de uma pequena área semirural causou uma séria explosão emocional numa parte significativa da juventude do mundo. Não foi fabricado em Hollywood. Não possuía peças cromáticas. Era muito doméstico em suas raízes. Um verdadeiro João Ninguém de Lugar Nenhum que tocou o mundo. E ele o tocou diretamente de suas feridas.
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Vocês lembram o jeito que Liberace se vestia no palco? Eu me vestia daquele jeito o tempo todo, de um jeito muito flamboyant, e usava maquiagem pesada. Um monte de artistas da época usava maquiagem também, como os Cadillacs, os Coasters, os Drifters. Mas eles não tinham um estojo de maquiagem. Eles tinham uma esponja e um pouquinho de pó compacto nos bolsos. Eu tinha um kit inteiro. Todo mundo começou a me chamar de gay.
DEPOIMENTO DE LITTLE RICHARD SOBRE ELE MESMO, LITTLE RICHARD

Quando eu ouvi os discos de Howlin’ Wolf, achei que aquela voz arranhada e profunda era uma voz fake, só era o jeito que ele cantava. Até que eu o conheci. Ele disse “Alô!” e eu pensei: “Uh-oh, não é fake, é de verdade!”.
Tudo que eu procurava estava bem ali, palpável para mim, naquela voz. Mesmo se Wolf não estivesse cantando. Costumávamos ter aqueles Blue Mondays em Chicago que tinham o hábito de abrir às 7h da manhã. Era onde nós nos reuníamos após a noite inteira tocando para um bate-papo. Eu podia sentar e ouvir Wolf falar. Não tinha de ser sobre música. Ele amava pescar, amava esportes. Para mim, tudo soava como música do Paraíso.
As pessoas não o conhecem como deveriam. Quando Muddy Waters morreu, a TV veio me entrevistar e me perguntaram: “O que deveria ser feito?”. Eu disse que as cidades com músicos assim, como Chicago, deveriam dar nome a uma rua depois de sua morte. E eles deram o nome de Muddy à rua na qual ele viveu a vida inteira. Mas isso nunca aconteceu com Wolf. E a nova geração que está chegando, se você não conta a eles sobre a música dos artistas, eles não vão saber deles. Meus filhos não sabiam quem eu era até que fizeram 21 e se tornaram capazes de ir até os clubes para me ver.
Temos de voltar atrás e fazer alguma garimpagem. Temos de fazer as pessoas saberem quem foi Howlin’ Wolf, e Muddy Waters e Little Walter e todos aqueles caras que fizeram de Chicago a capital mundial do blues.
BUDDY GUY, SOBRE HOWLIN’WOLF

(trechos de textos traduzidos da publicação THE GREATEST ARTISTS OF ALL TIME, da revista rolling stone americana, editada este ano, que traz perfis de bandas e músicos como dylan, bowie, u2, beach boys, lou reed e outros escritos pelos seus próprios colegas famosos)

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

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