Caminhando e cantando e liberando geral

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Quantos tipos de liberdade existem no mundo? Abaixo, seguem alguns tantos, todos eles em forma de liberdade musical (ouça no tópico ao lado as músicas).

1. Gilberto Gil e Mutantes, “Procissão” (1968) – Na versão tropicalista da canção de 1967, a ladainha religiosa se arrastava feito cobra pelas ruas, em forma de passeata.

 

2. Caetano Veloso, Gal Costa e Rita Lee, “Enquanto Seu Lobo Não Vem” (1968) – “Vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou/ vamos debaixo das ruas/ debaixo das bombas, das bandeiras, debaixo das botas”, de quando Caetano ainda gostava de passeata.

3. Baby Consuelo, “Todo Dia Era Dia de Índio” (1981) – Bem antes de Pedro Álvares Cabral, o Brasil já tinha descoberto a liberdade, segundo mr. Jorge Ben.

 

4. Gal Costa, “Divino, Maravilhoso” (1968) – “É preciso estar atento e forte/ não temos tempos de temer a morte”, e Gal saía às ruas com cabelos black power e vontade de ser livre.

 

5. Elis Regina, “Como Nossos Pais” (1976) – Hino de uma geração, a balada de Belchior pedia um novo tempo, apesar dos perigos (“por isso, cuidado, meu bem/ há perigo na esquina”). Mas veio o novo tempo?

6. Erasmo Carlos, “26 Anos de Vida Normal” (1971) – Erasmo e o autor do samba-soul, Marcos Valle, já estavam com 26 anos e ainda não tinham conseguido se libertar dos jornais e das TVs.

 

7. Marcos Valle, “Nem Paletó, Nem Gravata” (1973) – Em ritmo de quase-forró, um Marcos Valle indeciso entre o ideário hippie e o corporativismo de paletó e gravata.

 

8. Guilherme Lamounier, “Será Que Eu Pus um Grilo na Sua Cabeça?” (1973) – Liberdade, cabelos ao vento, hippismo e algum romantismo: “Abro o meu coração/ solto meus cabelos livres no ar/ e nem quero mais saber/ quero dividir o meu amor com você”.

 

9. Os Trapalhões e Bebel Gilberto, “Alô, Liberdade” (1981) – Didi, Dedé, Mussum e Zacarias (e Chico Buarque) em busca da liberdade: “Hoje a banda sairá/ ah, sairá, sairá, sairá…”.

 

10. Olodum, “Revolta Olodum” (1989) – Retirante ruralista, lavrador, nordestino Lampião, pátria sertaneja independente, Antônio Conselheiro, Zumbi, mandinga, balaiada: a liberdade, segundo o Olodum.

 

11. Daniela Mercury, “Vulcão da Liberdade” (1994) – “Saia de baixo, meu bem/ lá vem o vulcão da liberdade”, exclamava Daniela. O nome do disco era “Música de Rua”…

 

12. Cartola, “Autonomia” (1977) – “Ai, se eu tivesse autonomia… se eu pudesse gritaria…” Por que não pode, nobre Cartola?

 

13. Zezé Motta, “Senhora Liberdade” (1979) – “Abre as asas sobre mim/ ó, senhora liberdade”, proclama o samba histórico de Wilson Moreira e Nei Lopes. Zezé não queria ser sambista, Zezé queria liberdade.

14. Martinho na Vila, “História da Liberdade no Brasil” (1976) – Martinho da Vila Isabel canta o samba-enredo do Salgueiro em 1967. Poucos lugares no país cantaram tanto a liberdade quanto o asfalto da Marquês de Sapucaí em tempo de festa.

15. Elza Soares, “Heróis da Liberdade” (1985) – Império Serrano, 1968, Mano Décio da Viola e Silas de Oliveira falam de escravidão para falar de liberdade, como se falassem de democracia para calar ditadura.

16. Ney Matogrosso, “Mulheres de Atenas” (1976) – Ney canta a (falta de) liberdade feminina, dando voz à pena ambígua de Chico Buarque. Amélia é que era mulher de verdade…

 

17. Sempre Livre, “Sou Free” (1984) – “Eu sofri, sofri demais”, ou “eu sou free, sou free demais”, ou ambos. Dulce Quental & suas sempres-livres & as agruras do feminismo pós-“mulher é bicho esquisito/ todo mês sangra”.

18. Tecno Show, “Me Libera” (2009) – 33 anos após Chico e Ney, Gaby Amarantos e as meninas do tecnobrega respondem ao dilema das mulheres de Atenas: “O que pensa que eu sou?/ se não sou o que pensou/ me libera, não insista”.

19. Banda Calypso, “Tchau pra Você” (2005) – “Meu amor, arrume as malas que vou viajar/ tchau, goodbye, pra você/ Nova York, Cuba, Tóquio, pra qualquer lugar/ bem longe de você.” Ele arruma as malas. Ela viaja. Entendeu?

20. Raul Seixas, “Medo da Chuva” (1974) – “É pena que você pense que eu sou seu escravo/ dizendo que eu sou seu marido e não posso partir”, cantava Raul, pregando o amor livre e a liberdade sexual.

21. Wilson Simonal, “Deixa o Mundo e o Sol Entrar” (1970) – Mais uma da pena de Marcos e Paulo Sérgio Valle, sobre a coragem de se separar: “Eu sou alguém com medo de viver/ sou prisioneiro das coisas que eu amei/ mas não tem sentido estar na vida/ preso a quem não quero mais”.

22. Raul Seixas, “A Maçã” (1975) – A metáfora bíblica não engana, Raul e Paulo Coelho querem estar na vida sem medo de viver. “Amor só dura em liberdade”, concluem, depois de elaborar um manifesto feminista: “Se eu te amo e tu me amas/ e outro vem quando tu chamas/ como poderei te condenar?”

23. Tati Quebra Barraco, “Sou Feia, mas Tô na Moda” (2004) – As meninas do funk carioca entenderam a mensagem de Raul Seixas: “Tô podendo pagar hotel pros homem e isso é que é mais importante”, diz Tati, partidária da liberdade sexual e estética.

24. Chico Buarque, “Agora Falando Sério” (1970) – Escravo pós-moderno, o bom moço estava cansado em 1970. Queria dar um tiro no “Sabiá” e correr pra não ver “A Banda” passar, ver a sempre-viva morrendo e a rosa cheirando mal.

25. Leno, “Pobre do Rei” (1971) – O rei-general “já leu todos os livros do mundo/ discutiu com seu ministério/ e o mistério estava na vida, vida lá fora, fora dali/ era só olhar na janela/ ver a gente amando na grama”. Pobre do rei, pobre do governador, pobre da presidenta.

26. Roberto Carlos, “Além do Horizonte” (1975) – Estava longe, muito longe, mas além do horizonte devia haver um lugar onde a gente pudesse se amar na relva escutando o canto dos pássaros. Pobre do rei.

27. Luiz Gonzaga, “Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores (Caminhando)” (1980) – Luiz Gonzaga era de direita, Geraldo Vandré era de esquerda. Em 1980, Gonzagão gravou o “caminhando e cantando e seguindo a canção” do ídolo caído Vandré. Rico do rei.

28. Gonzaguinha, “Comportamento Geral” (1973) – Fiho do rei, Gonzaguinha achou a fórmula da escravidão perpétua: “Você deve rezar pelo bem do patrão/ e esquecer que está desempregado/ você merece”.

29. Sidney Miller, Pois É, pra Quê?” (1968) – “O relógio aponta/ o momento exato da morte incerta/ a gravata enforca/ o sapato aperta/ o país exporta”, a liberdade era longínqua em 1968.

 

30.Erasmo Carlos Tim Maia, “Além do Horizonte” (1980) – Bem mais funkeados que o rei, os príncipes podiam até falar de “fazer amor na relva” em vez de “se amar na relva”: liberdade.

 

31. Claudia, “Deixa Eu Dizer” (1973) – “Deixa, deixa, deixa eu dizer o que penso dessa vida/ preciso demais desabafar”, Claudia canta Ivan Lins. Autonomia, desabafo, liberdade.

 

32. Dorival Caymmi, “Retirantes” (1976) – Na novela da Globo, até a escrava Lucélia era branca. Mas Dorival sabia: “Vida de negro é difícil, é difícil como o quê.”

 

33. Milton Nascimento e Clementina de Jesus, “Os Escravos de Jó” (1973) – Um canto de trabalho com a voz dos pássaros e de Clementina: “Saio do trabalho, ê/ volto para casa, ê/ não lembro de canseira maior/ em tudo é o mesmo suor”.

34. Djalma Dias, “Capitão de Indústria” (1972) – “Qual, acordo pra trabalhar/ eu durmo pra trabalhar/ eu como pra trabalhar.” Na “Selva de Pedra” da Globo, Djalma Dias era o capitão de indústria, o capataz, o capitão do mato.

35. Waldick Soriano, “Eu Não Sou Cachorro, Não” (1972) – A letra fala por si: “Eu não sou cachorro, não/ pra viver tão humilhado”. (Falta de) liberdade.

 

36. Wilson Simonal, “Tributo a Martin Luther King” (1967) – Em busca da altivez perdida, Simonal louva a luta – de lá – e o líder negro de lá – Martin Luther King.

 

37. Edu Lobo, “Zambi” (1965) – Nacionalista, o escravo branco Edu elege falar das lutas nos quilombos de cá, quando ainda não há AI-5: “É Zambi no açoite, ê, é Zambi/ é Zambi”, e tu, e tu, e tu?…

 

38. Só Preto sem Preconceito, “Questão Social” (1992) – As dores da falta de liberdade na favela, com certo humor amargo: “O galo canta no morro/ malandro não pede socorro/ polícia não acha ninguém/ porém não perde a viagem/ e leva por vadiagem/ até o homem de bem”.

39. Waldick Soriano, “Quero Ser Teu Escravo” (1978) – E, com tudo isso, ainda há quem deseje ser escravizado… Eta, eta, eta, seu Waldick.

 

40. Agnaldo Timóteo, “Livre (Born Free)” (1967) – Não é o caso de Agnaldo Timóteo, que afirma, com toda a solenidade do mundo: “Livre/ nasci como a brisa”.

 

41. Chico Sciende & Nação Zumbi, “Um Passeio no Mundo Livre” (1996) – “Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”, ensinou o manguebit pernambucano no apagar das luzes do século passado.

42. Ivan Lins, “Novo Tempo” (1980) – Ivan testa uma ponta otimista ainda nos estertores da ditadura civil-militar: “No novo tempo/ apesar dos castigos/ estamos crescidos/ estamos atentos/ estamos mais vivos”. Apesar dos castigos.

43. Belchior, “Velha Roupa Colorida” (1976) – Autor do hino geracional “Como Nossos Pais”, Belchior não cansava de ver o futuro em 1976: “Você não sente nem vem, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo,/ que uma nova mudança em breve vai acontecer/ e o que há algum tempo era jovem e novo hoje é antigo/ e precisamos todos rejuvenescer”. Você não sente nem vê?

44. Marina Lima, “Prestes a Voar” (1987) – “Na beira do abismo/ queira ou não queira/ estamos prestes a voar.” Queira ou não queira.

 

45. Marcos Valle, “Voo Cego” (1972) – O mais libertário de nossos hippies enfrenta o pavor do novo, da mudança, da transformação, do “the times they are a’changing”, de “um voo cego que se tem pra levar”: “Vivida vida de pássaro/ que não sabia que podia voar”.

46. Mateus Aleluia, “Liberdade” (2010) – Em momento solo após os anos como integrante do grupo afrobrasileiro Os Tincoãs, Mateus vai além do candomblé e penetra o coração da liberdade, num manifesto de arrepiar.

47. Terra Samba, “Liberar Geral” (1998) – Liberdade sexual, diversão, curtição, quem pode querer mais? “É só entrar no clima e liberar geral”.

 

48. Ney Matogrosso, “Bandolero” (1978) – Nu em pelo num cavalo alado, Ney encena a liberdade dos povos ciganos, para os quais a liberdade é bem dos mais preciosos. “Fossem ciganos/ a levantar poeira/ a misturar nas patas/ terra de outras terras/ ares de outras matas.”

49. Mutantes, “A Hora e a Vez do Cabelo Nascer” (1972) – Essa se chamava “Cabeludo Patriota”, mas a Censura não deixou. Lá por baixo dá para quase entender que o cabelo do cara é verde-amarelo, violeta e transparente, que a caspa é de purpurina, que a barba é azul-anil.

50. Quinteto Violado, “Marcha Nativa dos Índios Quiriris” (1972) – A marcha não chega a ser passeata, mas os índios não pararam de procurar a liberdade só porque Cabral descobriu o Brasil.

 

51. Jorge Ben, “Curumim Chama Cunhatã Que Eu Vou Contar (Todo Dia Era Dia de Índio)” (1981) – Na versão de autor, Jorge cita nominalmente todas as tribos brasileiras que pode, num espetáculo hedonista de uns seres “incapazes de maltratarem as fêmeas ou de poluir o rio, o céu e o mar”.

52. Nara Leão, Miúcha, Ruy e Magro, “Todos Juntos” (1977) – Depois do tiro no “Sabiá”, Chico Buarque brincou de revolução em peça infantil, no embalo das vozes de Nara Leão, a irmã Miúcha e Ruy e Magro (integrantes do MPB 4). Contra todos juntos “o valente dos valentes inda vai te respeitar”. Afinal, “todos juntos somos fortes/ somos flecha e somos arco/ todos nós no mesmo barco/ não há nada pra temer”. Liberdade?

 

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