todos os cegos pedindo nos semáforos de são paulo me parecem sempre o mesmo cego. só o cara que os leva pelo braço é que parece diferente (um mais baixo, um mais alto, um velho, um adolescente).
quando o sinal abre e o trânsito começa a se mover , o cara-guia tem de puxar o cego rapidamente para escapar das motos e do atropelamento, e um pensamento tolo sempre me acomete nessa hora, eu prestes a entrar na Sumaré: o que será então que o cego ouve? como será o som do mundo acelerando no ouvido dele? o medo do guia afobado lhe trará um cheiro também característico?
é óbvio que sim.
lembro um quadrinho do demolidor que li nos anos 1980, quando o demolidor – que é cego – ensurdece com as buzinas ao tentar atravessar a rua.
a onomatopéia do barulho o envolve e o engole.
ele vive em hell’s kitchen.
a cozinha do inferno.
o que o cego, o menino de rua e a prostituta que faz ponto na esquina do Rei das Batidas terão em comum com o comentarista neocon descabelado do telejornal da meia-noite, de quem lembrei agora?
em que momento a vida da âncora de TV que entrevista pessoas sentada na poltrona com as pernas engomadamente cruzadas (e deve ter dito 4 mil vezes a palavra crise só esse mês) se encontra com o mundo real?
há uma coincidência, é claro: nenhum deles pode recuar.
os deserdados lutam pela sobrevivência.
o comentarista que finge espumar de raiva luta para não se tornar obsoleto (foi longe demais no teatro da indignação de mão única).
o comentarista é o mesmo cara que chega esbaforido e um pouquinho atrasado à inauguração do teatro e pergunta angustiado onde se sentou o seu mestre, o seu avatar político, para poder se sentar ao seu lado.
o deserdado e o escroto, todos se vêem obrigados a seguir em frente, de uma forma ou de outra. um puxa o seu cego, o outro puxa o seu saco.
uns me despertam ternura, outros me causam coceira, me irritam, me enraivecem.
só não me causaram enfado ainda.
por que você escreve sobre política?, me pergunta um chegado.
você é só um cronista pop, o que tem de palpitar em política cultural?
sei lá, é vírus, eu acho.
vejo colegas mais velhos, bem sucedidos, zombarem do que eram 20 anos atrás.
os filmes, os discos, os gibis, as canções que eram bons naquela época hoje se revelam frágeis, porque estariam embebidos de pressa, indignação, discurseira, vontade de mudar o mundo na marra & no jogo de corpo.
sim, pode ser.
mas era tudo muito mais charmoso com o sentimento de urgência.
não é bom semear desencanto na cabeça dos garotos, é legítima a vontade de boxear, de devolver os golpes.
é bom sinal, sinal de que ainda há boas brigas para se brigar no velho e alquebrado mundo.
é claro que tem hora que a gente fica cansado de dar murro em ponta de faca e pensa em largar mão.
sair fora, escafeder-se, se pirulitar.
normalíssimo.
o que eu não entendo é quando a sensação de se pirulitar é mais frequente do que a de brigar.
é que gosto dessa sensação de que estar desperto, atento, rangendo os dentes às vezes.
sei que o cidadão desenganado e o escroto ensimesmado são faces da mesma moeda, e um não existe sem o outro.
mas pelo primeiro você pode fazer alguma coisa, e o segundo você pode desmascarar.
preciso e encorajador, JB’s. sabes que sou tua fã, né?
beijocas
geó
Pior sao os muito “jovens” que eu ando encontrando por ai, que nao querem nem se pirulitar nem arranjar briga: vivem sonhando em se enquadrar direitinho nesse mundo podre, do jeitinho que ele eh. Me da medo.
Querido amigo
Numa visão otimista meu colega aqui ao lado na redação do site da Câmara me diz: Mais tem Deus pra dar do que o Diabo pra tomar.
Eu não consigo deixar de ser otimista mesmo não podendo fazer onda que a marola vai sufocar. Vamos ao enfrentamento em vez da fuga. Caminhando e cantando e seguindo a canção.
Brigar está cada vez mais difícil, sozinho então…
Todos parecem querer o esconderijo do coletivo, numa grande luta por aceitação; não se briga por uma causa, um ideal, um descontentamento; não entenderam nem o movimento punk e hoje até pagodeiro usa moicano. É inevitável não brigar e cá para mim, a porrada vai ser feia.