da apcm para o outro lado da fronteira: fala o google, conglomerado multinacional (será que posso chamar assim?) que engloba orkut, blogger, youtube…, cybercorreio versão anos 2000. fala o diretor de comunicação do google brasil, felix ximenes:
pedro alexandre sanches – qual foi o papel do google nesse episódio da comunidade do orkut?
felix ximenes – a gente não tem condições de afirmar o que aconteceu ou o que acontece caso a caso. mas foi um ato do próprio coordenador, ele desarticulou essa comunidade, sob protesto, pelas pressões da apcm. não houve nenhuma interferência do google. no passado nós já haviamos apagado alguns links dessa comunidade e de outras que levavam a conteúdo de copyright. e como é que nós agimos em relação a isso? sempre, sem exceção, não há controle prévio. não há censura ativa do google. o que fazemos é a política do notice and take down. se comunicados por alguém que tem direitos ou está incomodado com um conteúdo particular, o nosso time verifica a queixa e, se for procedente, tira. exceto para casos que violam de cara os termos de uso, como pornografia, nudez, onde há filtros automáticos que tiram automaticamente do ar essas coisas. mas, com relação a conteúdos protegidos, é sempre na base do notice and take down.
pas – então não se tira uma comunidade ou usuário do ar, e sim links?
fx – usuário às vezes, sim, mas em geral a gente tira links. a gente tira conteúdo. e aí adverte o usuário de que tirou do ar porque ele violou um termo de uso do orkut. está lá claramente nos termos de uso que não pode colocar material com copyright, não pode fazer pornografia, estão lá todos os nossos “não podes”. nossa relação com o usuário é baseada na confiança. quando o usuário aceita o serviço ele tem que ler os termos e dizer “aceito os termos”. a gente parte do pressuposto de que todos nós somos de boa fé. agora, na medida que há violações, se são muito explícitas, como sexo, nós tiramos do ar. se são violações que demandam uma interpretação judicial ou do dono dos direitos autorais, nós agimos mediante notificação. tá bom?
pas – certo. então não existe a história de que o google estaria pressionando usuários por estar sendo pressionado pela apcm?
fx – não, não procede. a gente não aceita esse tipo de pressão. o nosso compromisso é com o usuário. se o usuário está fazendo um bom uso da ferramenta, por mais que ele incomode… se ele não violar nenhuma lei nem direitos individuais, se for uma atividade de expressão, uma manifestação artística, uma opinião pessoal, ele pode se manifestar à vontade. essa é nossa filosofia. na hora em que ele passa do limite da lei ou viola algum termo de uso, somos obrigados a agir. mas a princípio nossa relação é de confiança com o usuário, é de delegar poderes a ele e compartilhar responsabilidade.
pas – mas o google sofre algum tipo de assédio por parte de gravadoras, ecad ou entidades desse tipo?
fx – de novo, não posso comentar caso a caso. mas a gente sofre pressão de diversas frentes. diversas frentes. desde ligas católicas – não, estou brincando, elas nunca ligaram -, entidades de classe, associações defensoras de direitos. mas a gente não se deixa abater. o nosso compromisso é com o usuário.
pas – deve ser uma avalanche de queixas?
fx – estando no google, que tem orkut, youtube, blogger, é o tempo todo.
pas – no caso específico do direito autoral, as denúncias no orkut são muitas? qual seria a quantidade?
fx – não tenho estatísticas a esse respeito. como falei, a gente recebe muitas denúncias de todo tipo, algumas procedentes, algumas nem tanto. o que a gente tem é um time de suporte que olha atentamente cada uma delas.
pas – da parte dos defensores do direito autoral, argumenta-se que provedores teriam de pagar, para o ecad, no nosso caso brasileiro. qual é a posição do google? existem negociações nesse sentido?
fx – na verdade o ecad é quando se executa música em público. nós não estamos executando música. quem está se manifestando aí é o usuário. são ferramentas que dão poder ao usuário, ele controla. não há execução in loco, então não faz muito sentido isso. mas, enfim, o responsável final pelo conteúdo é o usuário que importa, que subiu, que fez o download. isso não quer dizer que a gente se isenta da responsabilidade. sempre que a gente percebe o mau uso ou o abuso da ferramenta, somos obrigados a agir e tiramos o conteúdo. mas sempre, como falei, um dos valores mais fundamentais do google é o respeito ao usuário.
pas – o que você disse se aplicaria também ao blogger? os blogs estão lá com links para os discos, mas não estão executando música publicamente.
fx – isso. mas se uma associação dessas como a apcm notificar o blogger, nós vamos analisar e se tiver sentido nós tiramos do ar.
pas – isso tem acontecido?
fx – no blogger, muito menos. do blogger a gente não tem muita queixa. o pessoal pega mais no pé do orkut mesmo.
pas – engraçado, não é no blogger que estão, para os “piratas”, os maiores tesouros?
fx – é, mas geralmente pegam no pé do orkut.
pas – você entende por quê?
fx – talvez por ser mais visível, por ter comunidades mais expressivas. é normal. a gente não acha que isso é pegação no pé por pegação de pé. é porque o produto está dando muito certo, tem muita visibilidade, é uma comunidade muito ativa.
pas – o que se pode entender disso é que cada blog individual deve ter uma frequência pequena, poucos seguidores, e portanto escapa da alçada dessa polícia, digamos?
fx – não diria que escapa, mas que é uma preocupação menor deles. em vez de ficar atacando uma comunidade que tem dez, cem usuários, atacam um orkut que tem 30 milhões.
pas – baseado em tudo que você falou, em que o google acredita? essa é uma questão que vai se regulando sozinha, ou seria necessário estabelecer…
fx – ah, boa pergunta. acho que essa pergunta é a melhor de todas, a gente vai gastar aqui umas três horas falando. o que a gente acredita é que as ferramentas sociais na internet realmente têm muito que ser discutidas ainda. muito debate na sociedade, nas empresas, nas associações, nos magistrados, enfim…
pas – …governos também?
fx – governos. é uma revolução que está mexendo com muitos conceitos. a gente vai ter muito pela frente ainda. encaramos com serenidade essas discussões, porque sabemos que faz parte da mudança, que a rede e as ferramentas sociais como blog, orkut, youtube, twitter vão inexoravelmente mexer com conceitos arraigados que estão em xeque. não digo que está em xeque cobrar por música, mas como se cobrava antes talvez já não faça tanto sentido. não digo que não faça sentido cobrar pelo ingresso de um filme, mas o modelo da indústria como foi montado não contemplava a distribuição em massa, a rede peer-to-peer, os blogs, os microblogs. são questões que se colocam diante da gente hoje, que a gente tem que sentar e discutir. não há resposta fácil.
pas – o que acontece é que a velocidade disso é tão grande que não há discussão de legislação ou de avanço das gravadoras que possa acompanhar. estão sempre atrás.
fx – é verdade. mas, se você olhar um exemplo clássico, as gravadoras se queixam desde o napster de concorrência desleal, que estão perdendo dinheiro. aí vem uma apple, que nunca atuou nesse segmento, lança uma itunes store e é um tremendo sucesso. aí vem um monte de bandas na esteira, lançam modelos em que você paga quanto quer. o radiohead, uma banda mainstream, lança um disco pelo qual você paga quanto quiser. quer dizer, há dinheiro na indústria ainda, só tem que mudar o modelo mental. esse é o desafio que está diante de nós agora. eu adoro o exemplo da apple por isso. muita gente ficou digladiando, gritando, e foi uma apple, correu por fora e fez um negócio que ninguém conseguia visualizar. como é que se ganha dinheiro com um negócio desses?
pas – conversando com o produtor pena schmidt, ele dizia que no brasil é como se todos os ipods fossem ilegais, porque estão fora do domínio da legislação como a gente a conhecia.
fx – é, e aí o que se faz, sai prendendo cidadão, um por um? vê um adesivo da apple num carro, intercepta e diz “teje preso, você tem um ipod aí”? ou faz arrastão no metrô com todo mundo que está com foninho branco? é surreal.
pas – seria a indústria musical punindo quem gosta de música, se fizessem isso.
fx – exatamente. estão atirando nos seus usuários. em vez de abraçar os usuários, entregar o que eles querem, quando eles querem e como eles querem, estão tentando convencer os usuários de que a única maneira legal de fazer isso é como eles querem, como a indústria quer. é um debate que tem um bom chão para queimar ainda. é interessante, gosto dessa discussão. mas a gente, como parte envolvida, às vezes sofre um calor como esse de agora. mas nossa posição é muito serena, transparente, clara. nosso negócio é proteger o usuário, permitir que ele se expresse. se ele abusar a gente vai agir.
pas – o caso do orkut soa como uma atitude para gerar visibilidade, jogar uma ameaça num local que pode fazer barulho…
fx – não, não digo isso. digamos que estivesse na fronteira pegando imigrantes ilegais. a fronteira não tem uma estrada só. tem várias estradinhas vicinais que cortam, uma principal que corta e uma linha de trem que corta a fronteira. vou ficar parando carro a carro no meio do mato, na estrada principal, ou vou parar um trem? vou parar um trem. a chance de achar cem ilegais dentro do trem é maior que num carro de uma ou duas pessoas, porque pego um carro aqui enquato outro passa ao meu lado. vou ficar gastando energia atuando pontualmente enquanto estão passando cem pela fronteira? a analogia é mais ou menos essa.
pas – existe alguma chance desse tipo de ação ser eficaz? conseguiriam inibir compartilhamento de música com esse tipo de ação?
fx – essa é a queixa da indústria. espero que a indústria não esteja fazendo só isso, que enquanto tentam barrar a sangria estejam também tentando resolver a doença. uma imagem que me vêm à cabeça é aquela do esquilinho d'”a era do gelo”. fura um buraquinho no reservatório de água, ele bota um dedo. fura do outro lado, bota outro dedo, outro dedo, o dedão do pé, o nariz, e a represa racha. a indústria não vai ficar tapando buraquinho por buraquinho.
pas – se a indústria é o esquilinho, então ela está mesmo em maus lençóis…
fx – a indústria está em maus lençóis, não. o modelo de negócios é que está. o modelo de negócios tem buracos, e buraco não é culpa do google. o que a gente tem que achar é que modelo de negócio se pode fazer que não tenha esse tipo de coisa. sinceramente falando, eu não sei qual tamanho de estrago uma comunidade como a discografias pode causar para a indústria fonográfica. me parece pequeno. punir exemplarmente uma comunidade, um usuário, pode ser emblemático para a campanha deles. mas me parece que seria mais vantajoso para todo mundo, em vez de matar seus usuários que gostam de música, tentar oferecer o que querem na hora que querem. alguém me disse isso, acho que um repórter da “folha online”… eu não conheço e nunca entrei nessa comunidade, perguntei o que ele achava da discografias, ele disse que gosta muito, porque lá estão bolachões clássicos de mpb que estão fora de catálogo, que não se acham nem em sebos. é um patrimônio histórico que precisa ser circulado. é a opinião do repórter, ok, eu concordo, mas por que não se sugere para a indústria fonográfica lançar isso em forma de mp3?
pas – é incrível que não tenham feito isso até hoje.
fx – a impressão que dá para mim é que tem dinheiro na mesa, tem gente querendo consumir esses produtos, e eles não querem vender.
pas – mas também pelo temor de que, se eles próprios soltarem isso na rede, estariam entregando de bandeja…
fx – mas cobra, o itunes faz isso. cobra 2 reais por uma música velha que já vendeu o que tinha que vender na época – isso é aqui entre nós, não é a opinião do google, é minha opinião pessoal.
pas – na prática a gente sabe que não seria assim, porque cobrou uma vez, mas aquilo vaza de mil outras maneiras, sem existe.
fx – sim, mas você pega algum, né? hoje não estão pegando nenhum.
pas – parecem esperar por regulamentação, e enquanto isso o tempo se perde.
fx – é. há pouco tempo, eu estava fazendo uma matéria para uma revista de macintosh – eu ainda escrevo -, e entrevistei maurício bussab, da tratore, aquela distribuidora de discos. ele me falou, são palavras dele: a indústria está atirando no próprio pé. para ele, é muito mais interessante vender discos como o itunes faz, ou como o sonora do terra faz, cobrar assinatura do usuário e deixar ele consumir a música que quiser, do que ficar tentando correr atrás e atirar no consumidor. é um cara da indústria. também entrevistei joão marcello bôscoli, ele fala a mesma coisa, que as majors estão cegas. esse cara tem uma visão boa. a trama virtual está fazendo isso, é um celeiro de novos talentos e o cara está ganhando dinheiro. não dá para dizer que a trama está indo mal.
pas – [depois de encerrar o interrogatório.] não sei se você sabe disto, mas no site do google tem um telefone de contato para a imprensa que cai numa clínica de depilação…
fx – é mesmo?
pas – a mulher lá se diverte, diz: “todo mundo liga, não é aqui, mas se você quiser fazer uma depilação a laser podemos marcar”.
fx – [gargalhadas] na verdade é um problema sério aquele site, não consigo ter a senha de acesso a ele. é uma página perdida, não consigo mexer nela. mas vamos detonar um dia desses, vamos botar abaixo.
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pensando aqui, só uma pergunta que eu não fiz ao diretor de comunicação, sobre o google sustentar que “o responsável final pelo conteúdo é o usuário que importa, que subiu, que fez o download”. será que, num momento em que o google não estivesse forte como está hoje, essa afirmação poderia se voltar contra os usuários?, contra nós? e, se acontecesse, o google (etc.) não ficaria mais parecido com a indústria fonográfica do que gostaria?