comecei a ler, ao mesmo tempo, dois livros sobre o lado de dentro da indústria musical lá de fora, ambos lançados em 2008 no brasil.

um é “gravando!” (ed. guarda-chuva), que revisa a vida profissional de phil ramone, produtor de discos de gente como frank sinatra, barbra streisand, bob dylan, paul simon, billy joel etc. e tal.

outro é uma reedição de “minha vida dentro e fora do rock” (ed. barracuda), espécie de biografia do produtor de shows bill graham, contada em primeira pessoa por ele próprio e por outros personagens. graham esteve por trás de shows de janis joplin, crosby, stills, nash & young, bob dylan, santana etc. etc. etc., e morreu em 1991.

estar diante deles me remeteu de imediato a dois equivalentes brasileiros lançados há não muito tempo, o do executivo de gravadoras andré midani e o do produtor musical marco mazzola. “música, ídolos e poder” (ed. nova fronteira), de midani, e “ouvindo estrelas” (ed. planeta), de mazzola.

folheá-los me fez lembrar de diversas (nem uma, nem duas, nem três) críticas aos exemplares nacionais que tenho lido (ou ouvido) por parte de jornalistas (e amigos), quase sempre num mesmo tom desagradado e lamurioso, seja porque a leitura foi decepcionante, ou porque “não contam nada”, ou porque “não são nada”, muitos etcs.

não sou diferente dos outros jornalistas (e amigos): também tenho lá meus desapontamentos e até compartilho algumas das críticas reclamosas. ainda assim, tal paixão pelo muro das lamentações me soa como típico caso de tiro pela culatra, tiro no pé, tiro ao álvaro. cuspe na testa.

porque os decretos peremptórios sobre a (suposta) inutilidade deste ou daquele memorial deste ou daquele figurão têm fachada audaz, valente, aguerrida. certos criticadores parecem sabedores de “todos” os “defeitos” impressos nas páginas dos pobres meninos ricos que tiveram a petulância de escrever sobre… eles mesmos.

na minha opinião, miram no que enxergam e abatem o pato que não vêem, ops, veem.

porque olhe só os congêneres. embora mais grossos e caudalosos que os “nossos”, os livros de ramone e graham pertencem a uma tradição já consolidada noutras terras – a de que cada um escreve o que bem entende, colabora contando um pedacinho da história (muitas vezes de acordo com suas próprias conveniências, sim, e daí?), e quem quiser que se preocupe em montar o quebra-cabeças de inúmeras pecinhas espalhadas no tapete.

imagino que os lá de fora também devem ser criticados à beça por seus pares, mas isso não me interessa. sempre que alguém aqui fica querendo “matar” o sujeito, eu acho, deixa de perceber que pode estar tentando “matar” o objeto, por tabela. derramando todo o leite, não só a nata. jogando o bebê junto com a água “suja” do banho (com o perdão do surrado clichê).

o que estou querendo dizer é que pouco importa se os livros de midani, mazzola e quem mais vier são “bons”, “ruins”, “péssimos” ou “excelente”. importa é que eles existem. simples assim.

de quantos midanis e mazzolas precisaremos para quem sabe um dia possuir uma tradição consolidada?

e, no contrapé, porque tentamos tão obsessivamente cortar a tradição pela raiz, antes que ela tenha sequer chances de prosperar?

o que resulta da martelação sistemática, acho eu, não é muito mais que uma modalidade de censura, exercida frequentemente por soldados do exército-pitbull dos tais “jornalistas durões” de que fala marcelo coelho no texto “os doutores do pessimismo”.

muitas vezes destroem, ou tentam destruir, para meramente deixar um triste vazio no lugar. censuram, e simplesmente colaboram para trocar o “objeto” “odiado” (mas será que odeiam mesmo?) pelo silêncio mais sepulcral.

a maré aqui no brasil já não está para peixe, pois a proibição de circulação do livro de paulo césar de araújo sobre roberto carlos criou uma macabra jurisprudência. a mensagem ameaçadora está dada (e sob pouquíssimo protesto dos veículos de comunicação, que, diga-se, não demonstram muita felicidade quando vêem que “seus” jornalistas estão tentando voar): trema na base desde já quem desejar escrever livros que ousem sequer mencionar o nome de quem quer que seja. roberto carlos conseguiu a censura de um juiz-cantor (alô, gilmar dantas, ops, mendes) que lhe deu seu cd de presente, por que outros não tentarão – e conseguirão – o mesmo?

a propósito, tentaram recentemente com o livro de midani, alguém ficou sabendo disso? deu falatório, criou polêmica, “indignou” os sempre pré-“indignados” “durões”, vendeu jornal? não? por quê?

não é “engraçado” o silêncio?, se outro dia mesmo toda a imprensa (e não só ela) parecia uníssona contra o “rei”, a favor do livro do paulo césar, “roberto carlos em detalhes” (ed. planeta)?

agora entendo um pouquinho mais por que é que desde a época me parecia uma jogada para a torcida – tanto é que nesse tempo todo (quase) ninguém parece ter percebido que havia um outro livro sobre roberto carlos, “como dois e dois são cinco” (ed. boitempo), escrito por mim, e que esse não havia sido calado (ou será que havia?).

(aliás, e as editoras desses livros todos, como se comportam diante dos trancos e barrancos? proativas? coniventes com os autores? cúmplices das decisões judiciais? irmãs omissas-submissas da censura judicial e do silêncio de imprensa? como?)

enfim. eventualmente, quem anteontem fez alarido contra o “censor” rc pode estar hoje mesmo lutando (sem querer?) para ajudar a censurar os vagões que vêm atrás, puxados na mesma locomotiva cujo progresso, bradamos sempre, não acontece nunca, por falta de carvão vegetal. ou de empenho dos maquinistas. ou de falta de inteligência ou talento. dos outros, dos outros, sempre dos outros.

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