metatópico

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tentemos, porque queremos, fazer uma leitura comentada (e mui simplificada) do livro “midiático poder” (publisher brasil, 2007), de renato rovai, colega jornalista, editor da revista “fórum”, colaborador do site observatório de imprensa.

o subtítulo, “o caso venezuela e a guerrilha informativa”, evidencia de que é que se trata o livro, e você pode se perguntar: “por que diabos eu gastaria um naco do meu tempo pensando na venezuela?”.

pois eu gastaria, e gastei, e saí da leitura (sobre algo que de fato eu conhecia pouquíssimo) um tanto perplexo, e desejei transferir o pasmo e o aprendizado cá para o blog. por que?, ora direis, por que estudar o que se passou e se passa lá naquela venezuela?

pois é simples. é porque o relato do rovai não me fez esquecer, nem um segundo sequer, um bocado de acontecimentos cá deste vizinho brasil. mais que isso, eu ia lendo e ficando desconfiado de que, no desenrolar de acontecimentos como aqueles todos ali relatados, o brasil É a venezuela (ainda que, aqui, com radicalidade um tanto menor).

então é por isso, porque fiquei vendo o brasil NA venezuela, que lá vamos nós, que aqui viemos nós. ah, e também é por vontade de espalhar, tipo serviço de utilidade pública, pois nada disto que vem abaixo ninguém vai ver em “detalhes” (alô, roberto carlos!) na rede globo & quetais (como o próprio percurso do rovai também ensina). vamos que vamos.

logo na introdução, o autor conceitua o presente, midiático presente:

“Neste novo estágio histórico, apesar de estarem cada vez menos comprometidos com os interesses da sociedade e mais vinculados a interesses mercadológicos e empresariais, os veículos de comunicação assumem a si mesmos como equivalentes da opinião pública, sendo tanto o seu espaço de manifestação como o seu representante. A partir dessa construção, buscam operar um novo tipo de democracia, que teria como característica principal ser referenciada nos meios de comunicação de massa. A isso se denomina Midiático Poder”.

e emenda com o caso venezuelano, que transcrevo daqui por diante acrescentando alguns negritos e fazendo algumas adaptações e interferências em itálico e entre [colchetes] em geral recolhidas do próprio livro:

“O primeiro [objetivo do livro] é de documentar duas tentativas de golpe ocorridas na Venezuela, uma midiático-militar [de 11 a 14 de abril de 2002, quando Hugo Rafael Chávez Frias chegou a ser deposto e encarcerado] e outra midiático-econômica (…) [quando,] nos meses de dezembro de 2002 e janeiro de 2003, teve lugar outra investida golpista, mais complexa, mas nem por isso menos totalitária. Com a mídia capitaneando o processo, realizou-se por dois meses uma ação de desabastecimento de bens essenciais de consumo, principalmente para a população mais pobre, combinada com uma paralisação da produção de petróleo (…) e uma campanha de sonegação tributária. Tratou-se de um golpe midiático-econômico, a meu ver muito mais apropriado, por sua forma, à lógica e às dinâmicas daquilo que os neoliberais convencionaram chamar de ‘capitalismo moderno’.”

rovai então explicita os objetivos do livro, enquanto opera análise e crítica, de dentro para dentro, refletindo sobre a profissão dele (e minha):

“(…) essa ação não pode ser dissociada de um debate sobre o comportamento ético dos aparelhos midiáticos. Os veículos de informação não podem ser livres de responsabilidades. Nem livres para utilizar quaisquer recursos ou métodos para alcançar seus objetivos nos planos político e econômico, seja quando vão a um golpe, seja quando se matam por pontos de audiência. Devem, sim, ser livres para produzir informação. Devem ser radicalmente livres. Mas precisam responder pelo que produzem, segundo critérios referentes às várias responsabilidades sociais dos diferentes meios informacionais”.

e adentra pela história recentíssima da venezuela, voltando a 1998, época da primeira eleição de hugo chávez, e entrevistando colegas jornalistas de lá:

“‘Muita gente de esquerda não confiava nele. Não votei nele’, recorda Gabriela Fuentes, que trabalhava na televisão comunitária Catia TVe à época da entrevista. Depois do golpe, ficou fora da Venezuela por um tempo e voltou para trabalhar na Vive TV, emissora do Estado (…). Gabriela tornou-se uma entusiasmada defensora do governo Chávez: ‘Como há muito racismo na Venezuela e a oposição, entre outras coisas, ataca Chávez por ele ser negro [e índio, não é mesmo?…], costumo dizer que ‘mexam com todo mundo, menos com o meu negro'”.

aí há esta daqui, vê lá se não soa incomodamente familiar:

“Após a vitória [de chávez na eleição de 98], os derrotados mudam de estratégia e tentam atrair o novo presidente para o seu espaço político. ‘Recordo-me que fiquei num programa de televisão durante quatro horas ao vivo no dia em que ganhei. Até músicos tocando harpas entraram no estúdio. Eu não tinha mais o que dizer e nem eles o que perguntar, mas insistiam para que eu ficasse. Mostraram uma foto minha de quando era neném e estava pelado brincando. Nem eu sabia daquela foto. Fizeram de tudo para me agradar e depois enviaram mensageiros para tentar se aproximar. Mas, quando comecei a escolher o ministério, passaram a me chamar de golpista’, relata Chávez [segundo rovai, em entrevista coletiva da qual ele foi um dos jornalistas credenciados, em 26 de janeiro de 2003, no fórum social do rio grande do sul]. Ele ainda revela ter recebido, nos primeiros dias de seu governo, um enviado dos meios [de comunicação], que levava uma carta com uma série de indicações para o governo, entre elas, a do futuro ministro das Comunicações. Ao não aceitar a sugestão, Chávez comprava uma briga com o homem mais poderoso do país. O chefão dos meios”.

e, pasme, vem aí o “chefão dos meios”, o roberto marinho de lá, o condutor da globo de lá, a venevisión:

“Gustavo Cisneros é a segunda maior fortuna da América Latina, depois de Carlos Slim, o bilionário presidente da Teléfonos de México. Cisneros está em 114º lugar entre os 500 mais ricos listados pela revista Forbes, em 2006, com US$ 5,3 bilhões, e tem influência e negócios para além da Venezuela [e, de acordo com, rovai, “gaba-se de ser amigo íntimo do atual presidente dos eua, george w. bush]. Até por isso, pôde liderar sem grandes problemas um apagão econômico no país, que durou quase dois meses. (…) A organização [dos cisneros] também é uma das líderes do mercado de bebidas da América Latina (…). Começaram representando a Pepsi na Colômbia, mas, numa jogada polêmica, mudaram, da noite para o dia, para a Coca-Cola. Os Cisneros são donos da Panamco, a maior engarrafadora da Coca-Cola fora dos Estados Unidos, e ainda possuem as franquias de Burger King e Pizza Hut, além de representarem a Apple, a Motorola e a Blockbuster na América Latina. (…) Comenta-se nos bastidores que Cisneros [segundo rovai, “com base na leitura de alguns perfis, entre eles, um produzido por simón romero, publicado no new york times“, susto!] também possa ter participação indireta na Editora Abril, o que permite entender por que Chávez é tão satanizado no tratamento que recebe da maior publicação da editora, a revista Veja“.

o livro narra meandros do “golpe midiático-militar”, entre eles um momento do dia do golpe (11 de abril de 2002) em que, por sugestão do correspondente do canal norte-americano cnn, otto neustald, os representantas das forças armadas rebeladas contra chávez ensaiam um pronunciamento que vão fazer nas TVs, ao vivo:

“Eles aceitaram a proposta de Neustald, colocaram-se em frente à câmera e disseram: ‘O presidente do Conselho de Autoridades, o senhor Hugo Chávez Frias, traiu o povo e o está massacrando com franco-atiradores. Neste momento já se podem contar seis mortos e dezenas de feridos…’. A gravação realizada por Neustald aconteceu exatamente duas horas antes de os conflitos se iniciarem. Naquele momento, não existiam mortos ou feridos. Nem confronto armado. Tampouco era possível saber da existência de franco-atiradores. Héctor Ramírez e seus colegas golpistas de farda, porém, sabiam de tudo que ia acontecer. Os meios de informação, que esperavam para autorizar-lhe a entrada ao vivo, também. Não havia um Nostradamus no grupo. Era somente o ensaio do golpe”.

já em pique de reação à pantomima armada pela mídia, o fotógrafo maurice lemoine, do francês “le monde diplomatique”, envia uma carta ao tradicional (e golpista) jornal venezuelano “el universal”, protestando contra o uso distorcido de uma foto sua que retratava combates numa ponte perto do palácio de miraflores, cena disseminada na venezuela como se fosse dos partidários chavistas “massacrando” manifestantes anti-chávez:

“A carta foi [posteriormente] publicada por Le Monde Diplomatique, juntamente com a nota a seguir: ‘Esta carta não recebeu nenhuma resposta. Desde a publicação dessas fotografias por Le Monde Diplomatique, inúmeras fotos difundidas na Venezuela por meios alternativos confirmaram a credibilidade de nosso testemunho. Essas informações, que contradizem a versão segundo a qual ‘hordas chavistas dispararam impunemente sobre uma manifestação pacífica’, e que poderiam ajudar a esclareder os dramáticos acontecimentos do 11 de Abril, nunca foram publicadas no El Universal – nem em outros meios de comunicação de massa venezuelanos. Ao contrário, El Universal prefere desviar o trabalho de um ‘colega’ da imprensa internacional e, enganando seus leitores, esconder a verdadeira natureza de tal trabalho. Isso não tem nada que ver com liberdade de informação. Isso se chama terrorismo midiático. M.L.'”.

poucos dias após o golpe, o ministro pró-chávez aristóbulo istúriz relata o tipo de contato que conseguiu ter naqueles dias com a rede comercial rctv (essa mesma que está em voga atualmente, por ter tido a concessão cassada por chávez):

“Falei com o presidente do canal e disse-lhe: ‘o senhor sabe que não é verdade o que estão afirmando, estou aqui, por que continuam dizendo que sou fugitivo?’. Ele me mandou falar com seu chefe de imprensa, um jornalista jovem, Andrés Izarra. Ele se pôs a chorar, e me disse ‘eu sei que isso é mentira, sei o que está acontecendo, mas não posso fazer nada’. Izarra pediu demissão naquele momento. Não podíamos falar mais nada a nenhum meio. E os meios transmitiam coisas totalmente fora da realidade. (…) Izarra lembra que as ordens que recebia de seus superiores eram de não abrir espaço algum para representantes do governo. ‘O título dessa operação editorial era ‘Zero chavismo’ [olá, dona coca-cola zero!]. (…) Izarra também recorda que, em muitos pontos da cidade, havia protestos contra o golpe e que essas manifestações não podiam ser divulgadas. ‘(…) As TVs assumiram que não transmitem informação, fazem propaganda de guerra. Hoje, ou o jornalista é contra o governo ou não consegue emprego em lugar nenhum‘.”

rovai exercita, mais além, uma comparação entre o chile-1973, de salvador allende, e a venezuela-2002, de hugo chávez, uau!:

“No caso do Chile, após o golpe, viveu-se a mais sanguinária ditadura do continente. E a censura era total. Os meios calaram-se. Na Venezuela, Pedro Carmona [presidente da fedecámaras, a principal entidade empresarial venezuelana], que foi aclamado presidente pela mídia, em 47 horas fechou o Congresso, destituiu prefeitos e governadores aliados de Chávez e iniciou uma perseguição política sem proporções. A imprensa, que clamava por liberdade, aplaudia”.

mas, acredite, à parte o poderio comunicativo dos mídia, o golpe midiático-empresarial-militar estava dando errado!:

“Quando ficou claro que não havia mais como resistir ao contragolpe, o poder midiático dá o espetáculo final. As emissoras de rádio e TV da Venezuela tiram seus sinais do ar e provocm o maior apagão informativo da história da mídia latino-americana até então. Nenhum dos meios comerciais de comunicação da Venezuela realizou a cobertura da volta de Hugo Chávez ao Palácio Miraflores. No dia seguinte, o show continuou. No domingo, os jornais impressos não saíram. As emissoras de TV e rádio continuaram caladas. Chávez reassumia a presidência da República e contrariava a tese dos meios, que conduziram a sua cobertura afirmando que se tratava de um ditador impopular”.

um pouquinho, agora, sobre o segundo golpe, o midiático-econômico, tipo “greve” ou “locaute”, executado pelo empresariado a partir de 2 de dezembro de 2002:

“(…) as sabotagens iam além dos cortes na produção da empresa de petróleo, que, por si só, já seriam suficientes para parar quas todo país do mundo. ‘Eles bloqueavam estradas, jogavam óleo e azeite na pista para os caminhões deslizarem e baterem. Destruíam plantações, fechavam as principais saídas e entradas dos povoados pobres, ameaçavam atacar as escolas e hospitais que abriam. Criaram um clima de guerra, de pavor. Sem dizer que eram os empresários que paravam, e não os trabalhadores‘, recorda [Blanca] Eekhout [presidente da tv comunitária catia tve, em 2002]”.

rovai descreve a experiência de resistência da tv comunitária, ressaltando sua importância crucial no refluxo dos dois golpes:

“(…) os vídeos começaram a ser produzidos pelos próprios moradores. As pessoas se filmavam, trabalhavam os roteiros, aprendiam a usar a câmera e organizavam as projeções. ‘Tudo foi acontecendo de uma maneira muito interessante até que a gente colocou como um dos nossos objetivos (…) colocar no ar a nossa programação, a imagem daquela gente que era excluída dos meios comerciais e só apareciam neles como empregados ou bandidos’, afirma Gabriela Fuentes. (…) Quando a economia foi estrangulada e começou a faltar de tudo no país, desde farinha a gasolina, passando por Coca-Cola e cerveja, essas emissoras divulgavam reportagens e entrevistas que mostravam uma outra versão do que estava acontecendo”.

e chávez se fortalece à custa dos abusos de seus inimigos midiático-mortais:

“(…) Chávez já havia se dado conta que tinha como adversário principal os meios de comunicação de massa e passa a utilizar uma tática dupla para derrotá-los. Primeiro, ocupa todos os espaços que tem à sua disposição para atuar da maneira mais midiática possível e fortalece sua ‘atuação’ como animador e contador de histórias com viés político. Segundo, joga tudo para desacreditar os meios comerciais, dando inúmeros exemplos (fáceis de encontrar) de como não valia a pena para o público assistir a programas ou ler periódicos da mídia tradicional comercial. Isso fez com que os meios ficassem sem força para ampliar sua base. Quem acreditava no governo não confiava nos meios tradicionais. Para quem preferia os meios, de nada valiam as palavras de Chávez” [algo em comum com o brasil, hein?…].

adiante, um esboço de conclusão, que aproxima de vez venezuela E brasil, tanto quanto aproxima o livro de rovai e um monte de iniciativas não-tradicionais de mídia (e até mesmo este blog) da resistência venezuelana contemporânea:

“Hoje, os veículos independentes informacionais da rede não fazem força para se legitimar na mídia tradicional comercial. (…) O que aconteceu na Venezuela em relação à participação dos veículos virtuais na contraversão dos golpes midiáticos com viés militar e econômico é bastante simbólico (…). Na Venezuela, sem a internet, os militantes pró-Chávez não conseguiriam quebrar o isolamento a que foram submetidos pela mídia comercial tradicional. E, assim, a comunidade internacional só ficaria sabendo da outra versão do que se passava depois do fato consumado, ou seja, do golpe consumado, como aconteceu em vários países latino-americanos em outros momentos históricos [inclusive aqui neste brasil, não é mesmo? alô, 1964!, adeus!]”.

ulalá, e ainda há quem insista e garanta de pés juntos que a história SÓ se repete como farsa, hein? pois desmintamos mais esse datado senso comum, porque podemos.

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