inspiradora essa história de que, com abril já caminhando para o final, na semana que passou o orçamento da nação para 2006 foi finalmente aprovado no congresso nacional (você sabia que até agora o brasil nem tinha orçamento para 2006?, ou estava ocupado-a demais botando “culpando” o bode lula por toda e qualquer pereba e brotoeja e escama que lhe pipocasse a pele?).
já que até o orçamento de 2006 “já” foi aprovado, talvez nunca seja tarde para lembrarmos o que foi gravado de bacana e de bacaníssimo no ano musical brasileiro do antigo e já quase esquecido 2005, pois não? se sim, vai aí a listinha pessoal e impressionista (e alfabética) do pas, e que se estourem fogos amigos sem artifício para 2005! o rojão?, segura daí, que eu seguro de cá!
ademir assunção, “rebelião na zona fantasma” (zona branca) – poesia maldita transtornada em música pop, música maldita transbordada em poesia pop. centrado, sincero, e uns versos assim de “e então?/ você já ouviu itamar assumpção?/ já teve coragem de dizer não?”. e a coragem de dizer sim, você já teve?
adriana capparelli, “bem + perto” (dabliú discos) – cantriz do grupo oficina, adriana semeia tons tristonhos numa mpb de canções próprias, & de outras moças (letícia coura, natalia mallo, vanessa bumagny), & de outros moços (zeca baleiro, torquato, caetano) etc. & tal & coisa.
alceu valença, “na embolada do tempo” (indie records) – embalado no vento, o bardo nordestino deixou para lá as convenções e o comercialismo “ao vivo” de série recente, para voltar a beliscar a densidade, a mansidão, o mistério, a consistência.
alcione, “uma nova paixão” (indie records) – uma de nossas mais prestativas sambistas históricas, alcione em muitos momentos faz o gênero desleixado, meio perdido de direções e parâmetros. “uma nova paixão” segue a regra, mas o faz, como alceu valença, com o mérito de se fiar de novo em novas canções gravadas em estúdio. dentre 16 sambões românticos e/ou baladas sambadas, “meu ébano” (de nenéo e paulinho rezende) é o mais sedutor e divertido libelo de ginga, liberdade e orgulho racial.
aldir blanc, “vida noturna” (lua music) – já falamos um bocado sobre blanc & bosco no tópico bobos sabidos, doidos varridos, nobres de vintém, isso foi em maio, bem antes de o aldir lançar seu disco solo. “vida noturna” prefere os humores melancólicos à fúria construtiva com que blanc & bosco redesenharam os tipos populares brasileiros ao longo do anos 70. mas a matriz ainda é de aço & polpa, a ironia fina já é finíssima, os tipos estão (quase) todos lá, à espera de uma maior revalorização, que recentemente tem passado de sopro pelas bocas de adriana capparelli, seu jorge, chico césar, céu, daniela mercury, bojo & maria alcina, & poucos mais. a bênção, senhor definidor do brasil passado, presente & futuro.
alzira espíndola e alice ruiz, “paralelas” (duncan discos) – zélia duncan patrocinou, e a expressão feminina alistada nas vanguardas poéticas & paulistas & paranaenses & poético-paulista-paranaenses desliza branda & linda & tímida & exuberante ao longo de um disco enviado para cá de lá do mais plangente universo paralelo habitado por mulheres & poetas & pretos & malucos & itamares sempre-nunca navegados. o poeta está vivo (a bênção, itamar assumpção), as poetas estão vivas.
ana carolina e seu jorge, “ana e jorge ao vivo” (sony & bmg) – o comercialismo pode ser o combustível principal da gravadora multinacional (provavelmente também dos próprios artistas), mas o que os move artisticamente, tanto uma como o outro, é o caos, a convulsão. há arestas por todas as frestas a serem aparadas, mas o pique político que embebe o encontro entre a bissexual branca & o negro pós-hollywoodiano da perifa & do ar livre é fonte de energia e vitalidade para ambos. a confluência se consuma no binóculo apontado por seu jorge a “zé do caroço”, uma chocante crônica sócio-musical forjada em samba & amor & violência & revolta pela grande, grande, grande leci brandão: “e na hora que a televisão brasileira/ destrói a gente com a sua novela/ é que o [líder comunitário & traficante do morro do pau da bandeira] zé põe a boca no mundo/ é que faz um discurso profundo/ ele quer ver o bem da favela”. que efeitos palavras assim hão de causar na multidão mais chapada pela interpretação agressiva, áspera e acomodada de ana carolina, ah, isso é coisa que pagaremos para ver & ouvir.
antonio adolfo, “carnaval piano blues” (kuarup discos) – pai (ou tio, no mínimo) da bossa comercial, da toada moderna, da pilantrália, da brazuca pop, do soul br-3, do teletema, da música independente brasileira e da mpb mansa anos 70-80 de naras (leão) & angelas (ro ro), adolfo brinca de carnaval ao piano, magro & encolhido (mas rotundo de história & histórias), entristecendo e simplificando o que já era simples e triste em “pierrot abandonado”, “pastorinhas”, “saca-rolha”, “recordar é viver”…
antonio nóbrega, “nove de frevereiro” (brincante/distribuidora independente) – o sempre afetivo e armorial discípulo de ariano suassuna & dos saberes populares pernambucanos mergulha com presteza & destreza no frevo do chão natal. é a tradição, manos & minas, quem tem medo desse bicho-papão?

artificial, “free u.s.a.” (ping pong) – blimp, plim, boing, boom, tschak. & o amalucado kassim aprontando bobagens com zazueiras de videogame & computador.
banda calypso, “volume 8” (produções calypso) – a burguesia nacional, dentro dela setores-chave, er, “intelectualizados” da academia ou do jornalismo musical (alô, pas!), segue comandando a aversão agressiva contra trabalhos como o desses tecnobregas do pará. a questão se traveste de estética, embora entre os críticos ninguém nunca explicite muito bem quais são os, er, “pecados” estéticos da cafonália popular brasileira – no caso de joelma & chimbinha, há temas simples e repetitivos, vocais precisos embora melosos, temática superficial entre a animação da dança feliz & o romantismo melancólico (pós)iê-iê-iê, ritmo frenético no triângulo brasil-caribe-latino-américa… a pergunta é: por que um som tão direto e despretensioso teria o poder de afetar, irritar e ameaçar tanto assim os setores burgueses que seguram a sociedade a freio? uma tentativa de resposta: atrás do trio elétrico da censura estética a quem ouse criar e produzir e se comunicar nos modos “bregas”, segue uma série de carros alegóricos típicos do subdesenvolvimento e da arrogância dos estratos mais, er, “de cima” da sociedade brasileira: rancor e intolerância (não vou usar desta vez o termo-clichê “preconceito”, ok? ops, usei…) contra o diferente em termos de classe social, região, estética não musical (já reparou o visual e os quilinhos a mais dos calypso? você não agüenta, não, ô, fragilidade?), arbítrio, cotas que os “ricos” de espírito e/ou de matéria acreditam piamente ter sido instituídas pela própria providência divina. pois sim, o som do calypso vem dizer que NÃO com muito topete & ciência de direitos civis igualitários – e diz gostoso, sem muxoxo, sem legitimar o chororô dos não-me-toques, sem “tomar o lugar” (eta, expressão careta…) de ninguém, sem deixar dor de ouvido após uma audição tão despretensiosa quanto o próprio som. abaixo as ditaduras.
cachorro grande, “pista livre” (deck disc) – rock’n’roll sulista do rio grande, sem medo de ser feliz, acelerado, inconseqüente, sujo, feio, malvado (&, por que não?, limpo, bonito, bonzinho)… e a gente? a gente gosta e se diverte às pampas, aos pampas.
caito marcondes, “auto-retrato” (maritaca) – sons percussivos, indígenas, afrobrasileiros, mouros, ciganos…, brasileiros.



céu, “céu” (ambulante/tratore) – a moça surgiu, e boa parcela da crítica musical se apressou em promessas demais, cantarolando desde logo “eu te darei a céu, meu bem, e o meu amor também”. pessoalmente, acho que ainda é cedo, fico um tantinho incomodado na hora da partida com maneirismos demais, com a originalidade algo intimidada por algum sentido de cópia (pela angústia da influência?), com o ar gélido que parece emular as fauces mais esnobes de marisa monte. mas o(a) céu de carreira já vai sendo riscado, adornado pelo padrão de produção de beto villares aqui, pel'”o ronco da cuíca” de bosco & blanc acolá, pelo cantar bonito da moça em todo lugar.
chico césar, “de uns tempos pra cá” (biscoito fino) – o regresso de chico não é de fácil e rápida assimilação (ele nunca é), mas intrigam e instigam suas experiências em fazer confluir os ambientes popular & erudito, sob canções intrincadas, regravação da datada & sempre presente “cálice” (do outro chico com o outro ministro), abordagem corajosa do delicado tema do triângulo amoroso (“1 valsa p/ 3”), e assim por diante. a jóia da coroa é “orangotanga”, uma celebração irônica, mas direta sobre o brio plebeu da música popular: “olha, foi jóia/ mas agora é miçanga”.

cláudio jorge e luiz carlos da vila, “matrizes” (selo rádio mec) – o samba se areja em um passeio minucioso, que singra o brasil sob combustível de samba, congada, baião, capoeira, coco, partido-alto, maracatu, xote, boi, jongo, catira, ijexá…
claudio zoli, “zoli clube vol 1” (trama) – receoso, hesitante, conservador, sim, talvez, mas quem há de se queixar de um disco em que um soulman decida recolocar em pauta souls e funks de quilate histórico de tim maia, cassiano, robson jorge & lincoln olivetti, dom beto, hyldon, carlos dafé, tony bizarro etc.? eis.
a comunidade samba da vela, “a comunidade samba da vela” (pôr do som/atração fonográfica) – mora numa roda de samba onde não se bebe álcool, onde se canta até que a vela se apague, onde os fundadores são chapinha, maurílio, paqüera e magnu, onde o canto encanta e quase cansa por soar sempre em coro, onde a pauta é a vida em comunidade? mora, mora na filosofia…, para que não rimar essas novas velhas rimas?
dj dolores, “aparelhagem” (azougue discos/distribuidora independente) – loops mundiais, nordestes locais, a voz-raiz de isaar, o espírito errante de dolores: música do mundo.
daniel carlomagno, “daniel carlomagno” (trama) – uma estonteante canção chamada “na minha cabeça”, à altura do melhor de marcos valle, e maiores detalhes em dentro da cabeça, um baile pelo lado b.
daniela mercury, “balé mulato” (emi) – em 2005, daniela se bipartiu em duas: pariu o constrangedor “clássicas” (com “standards” jazzeados da mpb, ai, que sono), mas também este vigoroso “balé mulato”. insistindo tanto em percussão afro-axé como em eletrônica, em prol de conservar sua identidade, encontrou tonalidades fortes e belas no badauê (“levada brasileira”), na balada (“toneladas de amor”), na vida real (“nem tudo funciona de verdade”: “a dor sobrepuja a felicidade/ a barriga cresce/ a maçã perece/ nem tudo funciona de verdade”), no afro-samba-jóia (“meu pai oxalá”, de vinicius & toquinho); na diversidade, enfim.

elba ramalho e dominguinhos, “elba ramalho-dominguinhos” (rca/bmg) – tal como citado lá acima a respeito de alceu valença, esses dois aqui também robustecem quando se beneficiam dos tons mansos, despidos, densos (& populares), essencialmente nordestinos.

erasto vasconcelos, “jornal da palmeira” (candeeiro records) – irmão de naná vasconcelos, erasto é em si a paisagem musical pernambucana, na pororoca entre a tradição & a modernidade. assim é o rico & anárquico “jornal da palmeira”.
f.ur.t.o., “sangueaudiência” (epic/sony & bmg) – marcelo yuka supera a vivência n’o rappa, balangando entre a clareza mental extraída da política & da música e a confusão mental extirpada da violência brasil-carioca. seus pares na “comunidade cultural” estão preparados para lhe dar ouvidos?
gal costa, “hoje” (trama) – difícil, mulher difícil. arisca, teimosa, arredia, “snob”, bailarina equilibrista na corda bamba de uma tranqüilidade apenas aparente. quase desagradável, talvez, é o seu disco “independente” – mas menos que os anteriores, de quando a tranqüilidade se aparentava apenas de apatia.
hamilton de holanda, “01 byte 10 cordas – ao vivo no rio” (biscoito fino) – de instrumentista-chave de apoio para zélia duncan a instrumentista-chave de apoio para si mesmo, o bandolinista dá banho de virtuosismo onde quer que esteja.
los hermanos, “4” (sony & bmg) – o mar, a maré e a marola evocam um pouco das maresias comentadas acima a respeito da cantora e compositora céu. estes 4 são, com poucas sombras para dúvida, alguns de nossos mais interessantes jovens em música popular. mas os maneirismos demais, o ar algo gélido e a melancolia chororô puxam los 4 uns passinhos para trás, se mirarmos o baile de valsas que já contou com o ápice de “o bloco do eu sozinho” (2001). quando tudo isso vem, ainda por cima, como trilha sonora de fundo para tempestades músico-políticas-marqueteiras de roberto jefferson, então, ai, ai, ai…
itiberê orquestra família, “calendário do som” (maritaca) – em disco, a impressão é de que não se pode captar mais que uma fração dos gestos libertários de que são capazes esse itiberê zwarg, discípulo amalucado (e poderia não ser?) de hermeto pascoal, e sua jovem orquestra de jovens inquietos. ao vivo é que é de cair o queixo a quixotaria da orquestra família, que abre armários “clássicos” e coloca abaixo concepções tipo teia de aranha sobre música erudita & música popular.
izzy gordon, “aos mestres com carinho – homenagem a dolores duran” (rio 8/distribuidora independente) – izzy é negra, tem suingue e é sobrinha de dolores duran. assim também é seu tributo black-bossa às doídas e polpudas fossas da tia que naufragou ao batizar, com uma garrafa de éter, o futuro transatlântico bossa nova.
jair rodrigues, “alma negra” (trama) – embora freqüentemente rechaçado nos comitês de mpb dasluzete, jair é lenda & história & monolito. de volta às inéditas, apresenta mais um pouco daquilo que apaixona poucos e é rechaçado por muitos. e ainda produz, entre outras, a faixa-título, um contundente afro-samba de orgulho negro co-interpretado com garra pela filha luciana mello.
jards macalé, “real grandeza” (biscoito fino) – tributo ao eterno retorno é, em parte, a homenagem de macalé a seu mais importante parceiro, waly salomão. a tarefa gera mais versões de clássicos macalé-salomônicos, como “vapor barato”, “mal secreto”, “negra melodia”, “rua real grandeza” etc. o disco gira em círculos, e, como homenagearia gonzaguinha, é bonito, é bonito e é bonito.
juliana diniz, “juliana diniz” (mercury/universal) – não é fato corriqueiro, mas agora já podem ser a mesma pessoa a garota linda de morrer cujo visual televisivo assanha globos e gravadoras multinacionais & a intérprete de samba de espinha dorsal irretocável tipo monarco-paulinho da viola-zeca pagodinho-marisa monte. a juventude e o dogma duelam com respectivos trunfos e fraquezas, na espera(nça) de que o duelo, mais adiante, termine em beijo na boca.
kid abelha, “pega vida” (mercury/universal) – você pode até torcer o nariz, mas paula toller canta doce feito mocotó, gostoso como maria mole, leve como catavento, ploc feito chiclete, eletrizante como a descarga de dor da ratoeira após o queijo. “eu tô penando pra driblar o fracasso/ eu tô brigando pra enfrentar o cagaço”, que ouvinte despreconceituoso conseguiria não se derreter junto com o trio fofo que dribla com a transparência possível o “declínio” “natural” que é a maldição do pop? versão reggae meio desenxabida à parte, fetiche à parte é a doce belezura de “será que eu pus um grilo na sua cabeça?” (de guilherme lamounier e tibério gaspar, lançada pelo “white soulman” lamounier em 1973), que evoca saudades doidas do álbum original, pertencente aos acervos warner e jamais relançado em cd.
luiz tatit, “ouvidos uni-vos” (dabliú discos) – o canto choroso de tatit é quase um espanta-tubarões, mas ele sabe disso, nos avisa disso e transforma isso em poesia confessional de primeira linha. sem caixa 2.
mg calibre, “brazzonia” (clandestina produções) – jazz, caribe, mangue bit, funk, eletrônica, tudo passado na máquina paraense de processar diferenças e convertê-las num novo som, no novo som.
marcos valle, “jet-samba” (dubas música/universal music) – a volta a temas de sua veia pop universal, como “selva de pedra”, “previsão do tempo” e “esperando o messias”, em versões jazz-instrumentais, fica a meio prumo, a meio palmo, a meio termo. mas marcos valle é marcos valle, ontem, hoje e sempre, ainda que você fique aí só se lembrando de joão gilberto.
margareth menezes, “pra você” (emi) – de lá, ivete sangalo se enfurna por hábitos frenéticos (o que você pode chamar de “sucesso”, se raciocinar quantitativo, ou de “auto-sabotagem”, se bailar qualitativo). de cá, margareth conquista a festa serena (chame-a você de “fracasso” ou “maturidade”). certamente não vendeu caminhões de discos (ivete também não, embora digam que sim), mas o bel-canto e a espontaneidade de “pra você” não desonram a melhor música baiana de celebração, nem a artista, nem mesmo a gestão (ex-?)feroz do “mago” trapalhão marcos maynard na gravadora.
maria bethânia, “que falta você me faz – músicas de vinicius de moraes” – no decorrer do percurso sentimos cansaço e preguiça (meu cu, vinicius!), mas impressões iniciais permanecem registradas (e válidas, acredito) em maria modernista.
maria rita, “segundo” (warner/wea) – simbólica a paridade entre o que fizeram de 2005 los hermanos e o que fez de 2005 maria rita. por certo ainda jovens e imaturos, talvez tenham sido esses meninos & menina os que mais traduziram em música o susto jeffersoniano de 2005. maria rita, por si, encaramujou-se numa derivação (o caso ipod) de que ela não necessitava e que desviou olhos e ouvidos de onde eles mais poderiam estar – na música, nas motivações ocultas atrás de roberto jefferson, na criação, no sucesso desjabazeiro. o desgaste e a dor não fariam morada num painel-cenário em que tudo estivesse bem, mas os tropeços talvez não se demonstrem tão maus assim: depois de “segundo”, maria rita estará zerada para reiniciar, se reinventar, dar de ombros (se quiser) para tudo de passadiço que esteve cristalizado em sua música, no ofício e na indústria a que ela pertence, neste brasil parido por sua mãe, por brizola, por lula e pelo irmão do henfil, de que ela é (e nós somos) filha(os) alegre-triste(s).
maricenne costa, “movimento circular” (canto discos/tratore) – relicário da bossa, maricenne grita um “bolas!” às tradições e se diverte entre canções moças de moisés santana, beatriz azevedo, fernanda porto, mais tropicálias & anti-tropicálias, bossas & anti-bossas. nas hordas da tradição, vai de elzo augusto, o “samba da periferia”, olha que beleza: “sou samba, venho da periferia/ não alugo moradia/ eu sou a voz do povão/ sou pobre de pobreza absoluta/ mas tem rico que me escuta/ copo de uísque na mão, meu irmão”. nas hostes da “modernidade”, é pela pena de moisés santana que a antiga dama chama-convoca: “você tem compromisso!” – cê tá escutando?
martinho da vila, “brasilatinidade” (mza music/emi) – antenado dos choques de integração progressista que varre a latino-américa & o mundo que não se comunica em inglês, martinho foi salpicar o samba brasileiros com latinidades em espanhol & em português de outros sotaques, by nana moskouri, rosário flores & otras mas. e 2005 foi mesmo o ano em que o samba arejou em mais de um sentido e vetor, como martinho & kátia guerreiro bafejam em “dar e receber”: “eu quero dar/ eu quero dar/ eu quero dar/ e receber/ e receber/ e receber”.
max de castro, “max de castro” (trama) – mais ou menos à maneira de maria rita e los hermanos, max introjetou em 2006, num disco de humor sombrio, introspectivo, de tons graves, de certa impressão de desesperança (mais em barulho no brooklin: um samba para todos).
meirelles e os copa 5, “esquema novo” (arte clara/dubas música/universal music) – meirelles foi, é & será o coringa por trás de invenções como jorge ben, samba-jazz & o samba-jazz de jorge ben. precisa complementar?
moacir santos, mario adnet e zé nogueira, “choros & alegria” (adnet música/zenog/biscoito fino) – na mesma linha, moacir é crucial como meirelles, e, como se não bastasse, é negro. mesmo limitado por questões de saúde, continua dando asas à criação. precisa complementar?
moisés santana, “terra em trânsito” (lua music) – pop bem brasileiro, tropicália, pós-tropicália e participações (pós)tropicalistas de arnaldo baptista & maria alcina.

moraes moreira, “de repente” (rob digital) – na contramão das rotas 2005 de alceu valença, elba ramalho & dominguinhos, moraes moreira optou pela fusão entre modas & tradições – é por isso que o bom & gostoso baião-de-dois renasce rebatizado “baião d2”. a bênção, filhote marcelo d2.

naná vasconcelos, “chegada” (fábrica/azul music) – irmão de erasto vasconcelos, naná é em si a paisagem musical pernambucana, na pororoca entre a tradição & a modernidade. assim é, como de costume, o rico & anárquico “chegada”.

nilson chaves, “maniva” (outros brasis) – patrimônio humano-pop-cultural do pará, nilson comemora a si próprio sob produção do incansável catalisador cultural zeca baleiro, por sobre musicalidades das finas profundidades brasileiras & entre convidados como celso viáfora, ceumar, chico césar, edmar da rocha, flávio venturini, jean garfunkel, moska, vital lima, zeca baleiro. a gente do brasil afora começa a ter mais acesso, benditos sejam o acréscimo de amor próprio, a melhora de auto-imagem, a lapidação de auto-estima do povo paraense.
nilze carvalho, “estava faltando você” (finaflor/rob digital) – arejando-se, o samba volta a se tornar mais e mais feminino (a bênção, clementina, clara, ivone, beth, alcione, leci, jovelina…). o coro de novas pastoras que vêm reivindicar o direito de ocupar o centro do palco é protagonizado por teresa cristina (presente também em 2005, infelizmente apenas com o ao vivo quase-redundante “o mundo é meu lugar”) e por esta bela e serena nilze.


osvaldo pereira, “as árvores” (dubas música/universal music) – samba elegante, melódico, jovem & antigo, seguro. esse não morre, nem sequer agoniza.
parteum, “raciocínio quebrado” (trama) – irmão menos conhecido de rappin’ hood, parteum começa a jornada, sob arranjos sofisticados, certa insegurança, ímpeto criativo, a voz dos excluídos bradando cada vez mais potente, até que enfim.

patrícia ahmaral, “vitrola alquimista” (independente) – a mineira por vezes pende ao careta na interpretação, mas os textos & autores (raul seixas, fernanda takai, zeca baleiro, ela própria, edvaldo santana, suely mesquita, pedro luís…) reunidos desvendam um faro raro, de compromisso com a atualidade. não chegassem aos ouvidos de tão poucos, os versos já antigos de walter franco em “mixturação” poderiam definir com desenvoltura o brasil convulso de 2005: “eu quero que esse teto caia/ eu quero que esse afeto saia“. pois o teto não caiu?, o afeto não saiu?, não estamos todos ao ar livre?
pierre aderne, “casa de praia” (santa música/distribuidora independente) – bossa nova nada dogmática, delicadeza, melodia, redes colaborativas entre os novos cariocas (com participações de rodrigo maranhão, domenico, adriana maciel, alexandre moreira do bossa cuca nova…), melancolia, suavidade.
pitty, “anacrônico” (deck disc) – como ela mesma sabe, seu rock baiano pesado guarda algo de anacrônico. mas o tempo é de reemancipação feminina, de revalorização da música & do rock que vão além da mera linha de montagem, e pitty é, sim, vitamina para tudo isso.
preta gil, “preta” (geléia geral/universal music) – preta é o lado b de pitty, como pitty é o lado b de preta. sendo mais desbocada e menos paciente com as convenções que a conterrânea, preta é menos levada em consideração como moça séria pelos brasileiros embotados por convenções e preconceitos do tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça. entre tais brasileiros talvez se inclua a própria filha “fútil” do ministro “profundo” do minimistério, mas essa menina pós-baiana tem recado à beça a proclamar, se você quiser ouvir-enxergar, a bênção maroca, poroca, indaiá.
la pupuña, “belém – pa” (independente) – o surf rock caribenho-brasileño do grupo paraense circula, por enquanto, num mini-cd ultra-exclusivo e mega-restrito – mamão papaia com palmito melado para quem acredita que a quantidade não é a alma do negócio.


roberta sá, “braseiro” (mp,b/universal music) – como no caso de céu, o grau de desdiferenciação em relação a marisa monte age como complicador, mas roberta sobrepuja bons obstáculos. o conglomerado atemporal abarca marcelo camelo, rodrigo maranhão, teresa cristina & pedro amorim, pedro luís & a parede (“no braseiro”, segmento-chave do cd), lula queiroga, paulo césar pinheiro, ney matogrosso, paulinho da viola, hermínio bello de carvalho, mpb 4, chico buarque (numa versão xaroposa de “pelas tabelas”), janet de almeida, dorival caymmi…
roberto carlos, “roberto carlos” (amigo records/sony & bmg) – primeiro foi rappin’, depois veio roberta, agora é roberto. o “rei”, ah, o “rei”… bem, o “rei” ex-rei do iê-iê-iê gravou a guarânia paraguaia-brasileira “índia”, um passinho a mais para o (auto)reconhecimento de que ele, roberto carlos, é mesmo o mais brasileiro de todos os brasileiros. a estrada é comprida.
rolando boldrin e renato teixeira, “rolando boldrin-renato teixeira” (kuarup discos) – o que ainda é custoso para roberto vem com a facilidade de um 2 + 2 para rolando e renato. regras e timidezes e caretices à parte, o brasil de dentro exulta nessas re-versões de “vaca estrela boi fubá” (patativa do assaré), “zé ponte” (lupicinio rodrigues & felisberto martins), “chico mineiro” (tonico & francisco ribeiro), “três nascentes” (joão pacífico), “minha história” (joão do vale & raymundo evangelista), “ventania” (geraldo vandré & hilton acioli), mais luís peixoto, volta seca, chico buarque, boldrin, teixeira, almir sater…
ronei jorge e os ladrões de bicicleta, “ronei jorge e os ladrões de bicicleta” (independente) – mais rock visceral baiano, agora em versão masculina (a bênção, pitty!). destaque especial para a deliciosa “daikiri”.
sandra peres e paulo tatit, “pé com pé” (palavra cantada/mcd) – vanguarda paulistana, mais poesia, mais ternura, mais música responsável para a criançada: bingo!




tara code, “azul e roxo” (tratore) – esquisitice eletrônica baiana, áspera e difícil, tara code é o reverso transverso seja de pitty, seja de preta, seja de ronei jorge. desconstrução proto-eletrônica nativa, tesa e retesada, a liga entre andréa may & gilberto monte é o reverso do reverso do reverso de bruno verner & eliete mejorado, da entidade tetine, do brasil eletrônico-conceitual que foi morar em londres.

thedy corrêa, “loopcinio” (orbeat music) – a obra cafona & genialmente musical de lupicinio rodrigues erige um capítulo constrangedor na história da música popular brasileira, se nos detivermos no ultra-romantismo vingativo, misógino e autodestrutivo de seus textos – e se concedermos nos mirar como o brasil que “caminha a passos largos para ser dono do seu nariz” de que fala el presidente lula. dito tudo isso, ainda soa construtiva a subversão do velho gaúcho pelo astronauta de mármore (também gaúcho) thedy, sob loops às vezes legais, às vezes datados, sempre emotivos. afinal, como haveríamos de superar nossos ímpetos autodestrutivos, se não os conhecêssemos de frente, de peito forte & aberto?


uakti, “oiapok xui” (natura musical) – a bênção, pai milton nascimento. a bênção, tribos & percussões. a bênção, povos das florestas, das cidades & das gerais.
velha guarda musical de vila isabel, “sou velha guarda, muito prazer…” (mza music/universal music) – não vou chover no molhado: sobrepujando as conhecidas adversidades, a velha guarda musical da escola de samba de noel (da rosa) & martinho (da vila) lançou um disco. viva.

zeca pagodinho, “à vera” (mercury/universal music) – embora amplamente eficaz, o formato embalsamado dos pagodinhos de zeca às vezes exasperam, impacientam, amortecem. “à vera” não foge muito à regra, mas é pena que tenha passado em brancas nuvens, por um lado, o encontro democrático com jorge aragão, marcelo d2 & seu jorge, em “zeca, cadê você?”, e, por outro lado, o discurso assustador, de defesa e proselitismo do alcoolismo e do mercantilismo tipo brahma (ou schin, vai saber…), em “dona esponja” e “ninguém merece”. pelo que encerra de contradição, essa última poderia virar mote para debate nacional. não virou.


não somos!!! olha aí para cima, quanta coisa, enquanto você(eu) fic(o)a o tempo todo resmungando da pasmaceira da música brasileira & da cultura brasileira & da política brasileira & da sociedade brasileira. será que é mesmo assim?, ou você(u) é que não está(ou) enxergando bem? viva a faculdade plena de tato-audi-visão!, a sua bênção, maroca!, poroca!, indaiá!
[ei! quem eu esqueci?! quem eu deixei de fora?! me ajuda?!]




