mil imagens ficarão para sempre impressas nesta memória, após a rápida passagem por minha conservadora e morna maringá, em meu doce e parado paraná. uma delas em especial, para efeito do que gost(am)o(s) de conversar aqui neste blog, neste blog que, já há um bom tempo, gosto de definir intimamente como a parte que me cabe na reforma agrária do pensamento deste latifúndio chamado brasil, planeta terra ou sei lá o quê.

é a imagem de descobrir, desassombrado, a caixinha de leite longa vida que meus velhos e amados pais tomam pela manhã, pela madrugada, dia após dia.

seu josé e dona zaira, que desde getúlio vargas sempre se comportaram de modo temeroso e obediente diante de todo e qualquer governo que varresse as terras do brasil, continuam os mesmos, tal e qual foram feitos e me fizeram. aceitam lula, como no passado aceitaram fernando ii, itamar substituto, fernando i, josé postiço, a súcia de generais, jg, jq, jk e quem mais chegou de trás para diante. seguem sendo o inverso reverso transverso da imprensa, da classe jornalística de que hoje também sou filho, essa que com disciplina, inércia e complacência comparáveis às de meus pais sempre rejeitou, ou melhor, fingiu que rejeitou (e mesmo aqui ainda é transversalmente idêntica a meus pais) todo e qualquer governo que ousasse dizer “eu mando” aqui no brasil.

donde o desassombro, então, se meus pais ainda são os mesmos e vivem como nossos avós? é que, olhando bem a caixinha do leite longa vida, descobrimos lá em maringá que os velhos sanches hoje em dia consomem leite produzido pelo MST, pelo movimento dos trabalhadores rurais sem terra. o slogan supra-publicitário no alto da caixinha dá conta de que aquele leite de santa catarina, de que aquele leite da terra natal de meu pai é fruto da reforma agrária do brasil.

sim, vocês que fazem parte desta massa continuam sabendo o que sempre souberam, que esse leite que a gente bebe todo dia é formulado das tetas para fora por admiráveis e generosas vacas velhas e escravizadas. as vacas leiteiras continuam nos amamentando, mas o século é xxi: hoje o leite nosso de cada dia vem das vacas, assim como pode vir também das tetas de mãe reforma agrária. ovelhas-bezerros, saciamos nossa fome balindo por um futuro que acreditamos não desejar, como quem berra, ao sopé do matadouro, “bbbbbéééé”, “mmmméééé”, “nnnnnããããooo”.

[corta!]

pois vai daí que o igual de sempre hoje é diferente. ah, se eu seguissse mal indo a maringá, se eu continuasse mal observando o que vejo por lá quando mal vou… ah, se eu permanecesse me apoiando apenas no que a “veja” ordena que eu veja, no que a “folha” exige que eu “modernize”, no que o “estado” craveja que eu penetre, no que a globo pisca que eu pirilampe… seguiria acreditando que o mal do século e o mal do milênio e o mal do mundo estariam todos concentrados, sob a sigla trípede “MST”, num bando de celerados destrutivos ignorantes analfabetos violentos baderneiros que querem transformar o brasil num imenso portugal, numa intensa venezuela, num deserto cafezal, numa via campesina canibal de celuloses, numa colônia penal a céu aberto.

pois sim, pois não. o que agora eu sei meus pais maringaenses já sabiam, sem saber que sabiam. consumindo leite do MST, que eles já descobriram que não é um levante de bichos-papões e mulas-sem-cabeça, meus pais já põem em plena prática a revolução do xxi: fora dos centros, onde a periferia não está morta, viceja o novo povo brasileiro, o admirável povo novo planetário.

[a imprensa finge que rejeita, sempre, aceitando e bajulando? meus pais (o povo) fingem que aceitam, criticando quietinhos, no espelho das (des)igualdades? e eu, onde é que me localizo no mapa desta corrida maluca? e tu, onde estás tu, tatu?]

nas periferias em plena primavera, eis aqui a salvação dos centros mortiços, esses aglomerados ignóbeis de cordeiros que ainda balem “nnnnnãããooo” rumo ao patíbulo, dentro dos quais a matilha cega, abusiva e agressiva que não sabe nada sobre o brasil vivo e segue berrando, entre cuspes de sangue: “ccccoooorteeeemmmm-llllhes as cabeeeeeeças, os braaaaaaços, as mãããããos, os pééééés, as llllínguuuuuas!!! apunhalem-lhes os coraçõõõões”.

eu, não, não dou mais pelotas de mamonas ao tropel de cavalgaduras que (finge que) não vê que toda aquela engrenagem já sente a ferrugem lhe comer. não vou mais, ainda mais agora que aprendi com meus pais em maringá que, enquanto ladra a caravana do progresso do retrocesso, tem gente estranha do MST trabalhando nos fundos, baixos, gordos e salgados, jorrando leite para alimentar mamíferos, vegetarianos e esta mãe-terra de onde não param de brotar lulinha(o)s e brasileirinho(a)s em flor.

você não consegue avistar o além do horizonte, ou melhor, o aquém do (belo) horizonte? só consegue ver o brasil indo para o buraco e caminhando para trás cpi após cpi? pois acorde, camarada. vá dar um passeio pela crosta terrestre do país (pode até ser na sua própria cidade ou roça, é só destrancar o portão da mente prisioneira). dê uma olhadinha nesses admiráveis povos novos que passam nos projetos do presente.

faça como mãe elis regina, que veio do rio grande do sul de minha mãe para avisar aos navegantes de todos os quadrantes que o brasil não conhece o brasil. afaste londres, niuiorque e paris a segundo plano, nem que seja pelo silêncio de um minuto, porque não foi em vão que mãe elis e mãe nara (coração de) leão ofereceram as tetas fartas ao sumo do leite quente e ao sacrifício de morte precoce. não é mais necessário o sacrifício, que hoje o leite brota da “perifa” que já ousa dizer seu nome, dos ciganos & índios, da seiva & da selva amazônica, da terra & dos sem-terra.

ê, ê, ô, vida da gente!

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