lerê, lerê

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ah, é, tá pensando que é só na política que as relações são toscas, desiguais, desleais e mal-resolvidas? mera ilusão, viver feliz… investigamos mais um tiquinho sobre as mazelas da dita indústria fonográfica (que, de resto, é tãããão parecida com a dita indústia política) das terras de cabral, na carta capital 353, de 3 de agosto de 2005.

versa sobre uma disputa judicial em curso entre a gravadora multinacional emi e o ídolo teen felipe dylon (“a musa do verão/ da nova estação”, manja?), e está longe de ser caso único, isolado ou incomum (a novidade que veio dar na praia, como no caso da política, é que em tempos de destampatório e incontinência verbal a famigerada “verdade” vem vindo à tona aos borbotões, no mais depurado estilo funkeiro de “ah, quié isso?! elas estão descontrolada!!”, mora?).

pois logo depois desse houve outro caso, rapidamente abafado pelas partes envolvidas. uma nota de jornal deixou vazar que os titãs e seu empresário, manoel poladian (ele vai aparecer na reportagem abaixo, dá um close nele!), estariam indo à justiça conta a sony&bmg. o suposto motivo: para lançar o “mtv ao vivo” da titanomaquia, a recém-misturada sonybmg estaria forçando a barra para cancelar um adiantamento de r$ 1,6 milhão, supostamente devido por contrato à banda pela gravadora.

a sony & bmg negou tudinho (mas não compensou com outra versão, afirmando apenas que não negociava nada com poladian nenhum) e fez silêncio de túmulo diante de pedidos de entrevista para falar sobre o caso; em e-mails que me concedeu responder, poladian primeiro chamou o ato da megagravadora de “fraude inaceitável”, depois encerrou assunto comemorando um vislumbre: “parece que haverá bom senso e o assunto caminha para uma solução”.

e o assunto sumiu imediatamente do noticiário, o que fortalece a impressão de que eles todos, que são brancos, se entenderam após a notinha minúscula de ancelmo góis (tudo isso não faz lembrar de política de novo, esses trecos de adiantamento, mensalinhos & mensalões, recados cifrados, chantagem disfarçada em forma de notícia & vice-versa?).

caso abafado. caso abafado?

e a imprensa? abafa o caso junto com eles? elege alguém para endereçar ao cadafalso, entre titãs e/ou poladian e/ou mtv e/ou sony&bmg?

e a platéia? aplaude? vaia? fica indiferente? canta em coro o novo hino dos titãs contra a corrupção?

ou vamos todos juntos naquela outra onda de que nada do que é humano nos espanta? ou chacoalhamos tudo na liqüidificação de uma nova solução-frankenstein, de uma nova estrada de tijolos amarelos, de uma nova manhã? qual? quais?

tá difícil responder tanta pergunta. então quanto isso “brincamos” de “escravos modernos”, quem sabe colocando como fundo musical aquele hip hop de rappin’ hood que fala sobre “o palco da sociedade” enquanto sampleia dorival caymmi naquele outro banzo que chora as lágrimas ainda vitimizadoras de que “vida de negro é difícil, é difícil como o quê”. é difícil, mas é a única que temos (enquanto não nos dispomos a melhorá-la).

ESCRAVOS MODERNOS
“Asfixiado”, o cantor Felipe Dylon acusa arbitrariedades por parte do executivo Marcos Maynard e exige alforria da EMI

Por Pedro Alexandre Sanches

E eis que um dia Davi resolveu enfrentar o gigante Golias. No início de julho, pouco antes de completar 18 anos de idade, o cantor pop Felipe Dylon registrou na 2ª Vara Cível do Rio de Janeiro uma ação contra a gravadora multinacional EMI, na qual solicita rompimento de contrato, prestação de contas atrasadas e compensação financeira por perdas e danos materiais e morais.

É raro que casos como esse ganhem notoriedade, mas o que há por trás dele é prática mais que comum no ambiente musical brasileiro. Quando o texto da ação afirma que “o autor vive de sua atividade profissional como artista e está sendo asfixiado pelo tratamento incompatível dado pela empresa ré”, o que se pode ler nas entrelinhas é que Dylon foi remetido à “geladeira” da EMI (e de todo o sistema musical).

“Meu objetivo é conseguir libertá-lo, para que ele possa voltar a trabalhar”, resume o advogado Flávio Zveiter, retratando um aparente regime de semi-escravidão e argumentando que a EMI não tem depositado direitos autorais dentro dos prazos contratados, colocou de lado planos de carreira estabelecidos para o artista, suspendeu a gravação de videoclipes para promovê-lo e, com isso, desacelerou até mesmo a rotina de shows do ídolo adolescente.

Mesmo supostamente desinteressada pelo artista, a gravadora não aceitou até este momento liberá-lo para que possa reestruturar de outro modo sua carreira. “Em assim agindo a empresa ré, o autor está arriscado a ver sua carreira e seu nome caírem no esquecimento ou perder os parâmetros das idéias iniciais, diante de cláusulas abusivas do contrato que o submete à vontade exclusiva da ré e do flagrante descumprimento contratual pela EMI”, reclama a ação.

A gravadora, que tinha prazo até a sexta-feira 29 para responder às acusações em juízo, nega-se a fazer declarações públicas sobre o caso. Emitiu apenas uma nota afirmando que “se reserva o direito de discutir este assunto apenas na esfera judiciária”.

O conflito oculta modelos arcaicos de relacionamento entre artistas e suas gravadoras. No caso Dylon, um dos pomos da discórdia é o disco Amor de Verão, lançado no ano passado. O artista hoje alega ter sido induzido, “sob falsas promessas de investimento na sua carreira”, a gravar uma música antiga de um dos diretores artísticos da EMI, Cláudio Rabello.

Trata-se de Um Amor de Verão, sucesso em 1985 com o grupo pop Rádio Táxi, que convive, no CD, com o rock romântico Ciúme de Você, de Luiz Ayrão, popular na voz de Roberto Carlos há 37 anos. Embora hoje proteste por ter de gravar sucessos “de mais de 20 anos”, não é a primeira vez que o cantor o faz – em Felipe Dylon (2003), gravara Me Liga, que os Paralamas do Sucesso lançaram em 1984.

Por outro lado, três músicas de autoria própria de Dylon teriam sido excluídas arbitrariamente do disco, que, segundo a ação, “foi lançado por decisão unilateral da gravadora, de forma repentina e sem a devida preparação do autor (…), não tendo sido submetido (sic) a ele a aprovação da capa, as fotos, nem mesmo o título”.

O advogado Zveiter justifica o porquê de Dylon ter inicialmente se resignado a gravar sob condições que caracterizam uma relação de dependência marcada e desigualdade entre as obrigações do artista e os desejos da gravadora: “A política de Felipe era não brigar. Em princípio ele não queria, mas foi orientado pelo empresário a não brigar com a gravadora”.

O empresário, Lipe Dylong, é também pai do artista. Pelo lado materno, Felipe é neto do Golias Salvador Priolli, fundador da tradicional casa carioca de espetáculos Canecão. Um dos impulsionadores da carreira do ídolo pop-rock, que exalta a saúde e a natureza, é o executivo Jorge Davidson, que assina a direção dos discos de Dylon, mas foi demitido da EMI em 2004.

Do outro lado do campo de batalha, o Golias que demitiu Davidson e “asfixia” Dylon se chama Marcos Maynard, que assumiu a presidência da EMI há um ano. Ex-músico paulista, ele é um dos mais atuantes executivos da indústria fonográfica nacional, que emplacou, entre muitos outros, o sucesso de massa do grupo RPM e da axé music.

Maynard é daqueles executivos que atraem admiração e oposição em graus equivalentes. Seguido há décadas por artistas como Rita Lee, Ivan Lins, Simone, Zizi Possi, Marina Lima e Paulo Ricardo, é tido nos bastidores como um produtor que gosta de agir como interventor contumaz no conteúdo artístico dos discos que grava.

Contam-se às dezenas os artistas (de Erasmo Carlos a Marina Lima, de Rosana ao grupo Harmonia do Samba) que, sob sua guarda, gravaram sucessos do hábil compositor pop Cláudio Rabello. A associação intensificou-se quando Rabello foi subordinado de Maynard na efêmera Abril Music, gravadora extinta pelo Grupo Abril no início de 2003, sob R$ 18 milhões de dívida estimada pelo mercado (mas negada à época por Maynard).

Após a extinção da Abril e um período em que ficou, ele também, na “geladeira”, Maynard assumiu a EMI, focando-se no objetivo de aumentar a participação da gravadora no mercado. Dito e feito. Enquanto em 2004 a indústria musical cresceu 17,9% em valor e 9,7% em quantidade de discos vendidos, a EMI aumentou o lucro em 30,9% e os exemplares vendidos em 86,4%.

Tais resultados consolidaram-se nas vendas de Natal, em que o mercado sofreu uma queda de 18,3% nas cópias consumidas em relação a dezembro de 2003, enquanto a EMI registrou o formidável crescimento de 288%.

Mesmo com resultados tão positivos, a multinacional não colocou Felipe Dylon ou nenhum outro artista novo ou disco inédito nas paradas. Entre os 20 discos mais vendidos em 2004, quatro são da EMI: um CD ao vivo dos Paralamas do Sucesso e três álbuns de material antigo da extinta banda de rock Legião Urbana.

Explica-se o inesperado boom de sucesso da Legião em 2004: a política de Maynard tem sido a de lotar as lojas com o catálogo da Legião, ponta-de-lança constante de vendas, muitas vezes a preços tão baixos quanto R$ 9,90. Procedimento parecido tem sido adotado com o catálogo de outros artistas de peso da EMI, como Paralamas e Marisa Monte, enquanto a nova direção prioriza gravar discos e artistas de tez popular como Latino, Frank Aguiar, Margareth Menezes, Netinho, Jorge Vercilo, Edson & Hudson etc.

As vendagens moderadas desses últimos e o pedido de socorro ao catálogo demonstram com precisão a já duradoura fase de paralisia da máquina de produzir sucessos de massa da indústria fonográfica.

A dupla sertaneja acima citada é motivo de outro processo que corre contra a EMI, este movido pela gravadora independente Deckdisc, de propriedade de João Augusto, ex-diretor artístico de Maynard nos tempos de Abril Music. A Deckdisc pede indenização por perdas e danos à EMI, que teria utilizado seu poderio econômico para desrespeitar contrato vigente e tirar da Deckdisc os bem-sucedidos Edson & Hudson.

O caso Dylon foi precedido por outros que ensaiaram sinalizar em público o desagrado pelo “modelo Maynard”, muitas vezes desrespeitoso à individualidade artística. É importante notar que tal desigualdade não é nova nem circunscrita àquele executivo; alguns artistas é que, ali naquele nicho, parecem estar reagindo mais ao modelo caduco.

O grupo Pato Fu, por exemplo, desistiu de um contrato pré-acordado com a direção anterior da EMI, e descreveu o caso em entrevistas. O cantor Pedro Mariano teve de abandonar lá um disco inteiro, para poder se mudar para outra gravadora.

“A saída da EMI não foi tranqüila”, conta Mariano. “Primeiro, Maynard queria que eu voltasse ao estúdio e gravasse outras cinco ou seis músicas de um CD em que a própria EMI havia investido muito. Tentei argumentar que teria de achar novas músicas, reunir os músicos, e ele respondeu que ‘a pressa passa e a merda fica’. Fica complicado negociar com um cara assim.”

Mariano diz que, após longa negociação, a EMI aceitou a rescisão do contrato, mas não concordou em devolver a seu poder o disco que se encontra parado até hoje nos arquivos da gravadora. “Perdi o ano de 2004 inteiro e me arriscava a perder o primeiro semestre de 2005 se insistisse. Foi o pior ano profissional e pessoal da minha vida, tive de partir do zero novamente”, relata o artista, que há pouco estreou na Universal com um disco ao vivo com poucas inéditas e várias regravações de sucessos de sua mãe, Elis Regina. Foi como conseguiu escapar do “efeito geladeira” cultivado pela maioria das gravadoras.

Entre todos, o caso Dylon torna-se emblemático, porque ele surgiu em 2003 com larga aceitação junto ao público adolescente, bem ao gosto do “modelo Maynard”. Mesmo assim, o desagrado explodiu quando se resolveu redirecionar a divulgação de Dylon das rádios segmentadas de rock adolescente para o circuito mais popular, de rádios “bregas” e aparentadas. Davi viu sua carreira desvirtuada, e foi à Justiça.

Confrontado pela reportagem de CartaCapital com uma lista de 21 perguntas sobre todos esses temas, Maynard afirmou por intermédio da assessoria da EMI que não iria se pronunciar. Mas um de seus parceiros mais próximos, o empresário de artistas Manoel Poladian, concordou em opinar sobre Dylon e Maynard, para ele “o mais competente executivo brasileiro da música”.

Conhecidos desde que eram veterano e calouro no curso de direito do Mackenzie, Poladian e Maynard costumam atuar de modo coordenado, um cuidando dos shows e outro dos discos, em projetos de cunho comercial como um disco de Natal de Simone (25 de Dezembro, 1995) e um CD de versões dos Beatles por Rita Lee (Aqui, Ali, em Qualquer Lugar, 2001).

Eis a opinião do Golias Poladian, um dos mais bem-sucedidos empresários musicais brasileiros, que amplificou o sucesso de Roberto Carlos, Elis Regina, Jorge Ben Jor, Gal Costa, RPM, Titãs, Daniela Mercury etc.: “Acho um equívoco o talentoso Felipe Dylon não assumir suas próprias decisões e não administrar seu próprio vacilo, o que estamos presenciando nesse episódio pode ser o início do fim. Em toda atividade, as pessoas devem ter, além de um grande talento, caráter e responsabilidade e saber que sempre estaremos sujeitos a erros que devem servir de aprendizado para o futuro. O investimento feito pela EMI na obra do citado artista foi absolutamente suntuoso e não é procurando a Justiça que ele conseguirá atingir aqueles que lhe ajudaram a acertar na maioria das vezes”.

Pedro Mariano sofreu conseqüências parecidas às que aparecem na avaliação de Poladian: “Logo surgiram burburinhos dizendo que eu não quis trocar uma música, que dei ‘piti’, que sou um garoto-problema”. É certo que artistas imaturos costumam de fato assumir a pose de garotos-problema. Mas, adotando práticas comerciais selvagens e truculência de rolo compressor, velhos capitães de indústria feito Marcos Maynard parecem atolados numa versão adulta e nada inofensiva do desgastado rótulo adolescente.

OUTROS SELVAGENS
Livro relata as agruras de Michael Jackson

Contratos semi-escravistas entre gravadoras e artistas podem até parecer sinais da miséria cultural brasileira, mas as coisas não são bem assim. A recém-lançada biografia de Michael Jackson, A Magia e a Loucura (Globo, R$ 62), de J. Randy Taraborrelli, descreve episódios estarrecedores do contato selvagem entre grandes talentos musicais e as eminências pardas que agigantam sua fama e seu sucesso.

Astro infantil nos anos 70, quando ascendeu com o grupo familiar Jackson Five, Michael viveu seus primeiros anos artísticos sob as garras violentas de seu pai-empresário, mas também da mítica gravadora Motown, que impunha contratos escabrosos à família. Obrigava-se a custear todos os arranjos, músicos e estúdios para as gravações do grupo, mas as despesas teriam de ser reembolsadas com os lucros de discos vendidos. Pois em seis anos a Motown gravou 469 canções da família Jackson, das quais lançou “apenas” 174. Quando saíram da gravadora, os Jackson deviam US$ 500 mil, inclusive por 295 gravações nunca lançadas.

O talento individual de Michael foi o passaporte para a independência. Mas eis que ele reaparece adulto, como o poderoso artista-empresário com fortuna suficiente para comprar por US$ 47,5 milhões o catálogo de canções dos Beatles. É assombroso o relato da sanha exploratória e da crueldade de Michael no trato com o ex-beatle Paul McCartney. Cumprindo o mito, o abusado se convertera em voraz abusador.

Mesmo descontadas todas as diferenças de escala, não deixa de ser curioso lembrar que, aqui, Marcos Maynard começou carreira num grupo chamado Lee Jackson. Empresariada por Manoel Poladian, a banda fazia versões de sucessos nacionais e estrangeiros de soul e rock e era estrelada por Maynard, entre outros cinco futuros poderosos-chefões de gravadoras no Brasil e no mundo. – PAS

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