enquanto a gente continua esperando, cheio de aflição, em meio aos raios e trovões que iluminam o horizonte, puxo trechos do livro “a busca de um caminho para o brasil – a trilha do círculo vicioso” (senac, 2001), do militante negro (ou melhor, do militante brasileiro) helio santos, que vêm em nosso socorro enquanto os relâmpagos riscam o céu. os trechos foram tirados dos tópicos contíguos “o que somos e o que pensamos ser” e “uma patologia em busca de cura”. desta vez não vou usar negritos nem itálicos, eu tenho certeza que todo mundo tá entendendo tudo. há frases escorchantes escondidas aqui embaixo, lê isso aí por inteiro, por favor.

“rigorosamente, não importa muito o que as pessoas dizem. o que mais conta é o que elas fazem. (…) gianetti, de forma instigante, observa aspecto revelador daquilo que somos e daquilo que imaginamos ser. o autor flagra o que, apropriadamente, denomina auto-engano. isoladamente, cada um de nós se considera o máximo. quando somamos todas essas personalidades maravilhosas que imaginamos ser, chegamos a este país chamado brasil. apelidei o fenômeno de ‘sinergia negativa’. trata-se de um conceito que adulteramos para explicar o que ocorre: individualmente, valemos mais do que juntos somados, o que vem a ser, de certa forma, o oposto da sinergia. a razão desse descompasso – nossas supostas riquezes morais de cunho individual e a sociedade amoral que juntos acabamos produzindo – é explicada pela diferença que há entre pensar ser e efetivamente ser. podemos assegurar: a sinergia negativa do brasileiro tem sua raiz prinicipalmente na não resolvida questão étnica nacional. penso (ou quero) ser europeu, mas sou caboclo. reclamo e digo que quero melhorar a situação dos mais pobres, só que estes não são da minha tribo (supostamente um clã europeu). penso querer fazer. efetivamente, nada faço. (…) entre o que se diz e o qaue se faz, conta mais o último. o comportamento citado – algo, sem dúvida, esquizofrênico – tem a ver com o ‘complexo de inferioridade nacional’.

o megacomplexo de inferioridade dos brasileiros origina-se da singular situação étnico-racial aqui existente. no fundo, ao buscarmos algo que não somos, acabamos por abortar a identidade nacional possível – mista de culturas e grupos étnicos. temos o múltiplo – rico e vigoroso -, mas invejamos o linear. essa renúncia ao que, efetivamente, somos não é irracional. temos na terra brasilis uma ‘racionalidade’ postiça que nos serve sempre para desnudar o desprezo que temos por aquilo que se toma por ‘povo’. povo esse, aliás, ‘culpado’ por todas as suas tragédias. não assumimos nossa identidade efetiva porque nos tornaríamos mais próximos uns dos outros. criticamos acidamente nossas mazelas e não percebemos as de outros povos, os quais tomamos por paradigma. a miscigenação e a existência de grupos étnicos variados em nosso país facilitam essa visão estrábica, covarde, alienante e falsa. na verdade, o que ocorre é aquilo que chamamos desprezo difuso: desprezo por si e também pelos outros. temos, assim, uma sociedade adoecida, que não gosta muito de se ver no espelho. acredita-se ser de responsabilidade dos nacionais ‘tudo que está aí’. raramente se responsabiliza a elite anacrônica aqui existente, a qual fulmina com as possibilidades de emergir uma poderosa cidadania autóctone. não tem importância essa nossa preocupação. afinal, cidadania pe algo externo a nós e não nos diz respeito!

(…) a intelectualidade brasileira, apesar de não parecer, é de fundo conservador e não enfrenta nem enxerga a obviedade do desafio nacional. tem, contudo, a consciência pesada. afinal, resta-lhe, sim, um perfil humanista. todavia, se manifesta e opera a favor do povaréu em curtas incursões. funciona mais ou menos como um adolescente que se masturba rápido e, em seguida, prostrado, cai enfadado.

(…) pessoas que têm responsabilidade não devem se manifestar como brasileiros, parece ser a mensagem. ou pior: quando assim o desejarem, que seja às escondidas. (…) reivindicar uma identidade e exercê-la em sua plenitude é uma especial forma de desenvolver poder. (…) a cura da inferioridade que nos assola é o que alavanca o tal gigante dormindo em ‘berço esplêndido’. trata-se, por ironia, de um ‘remédio’ que não vem de fora. praticamente todos, inclusive os colonizados, sabem da sua disponibilidade. (…)”

[a propósito, você já pensou em assistir ao documentário “a pessoa é para o que nasce”, que acompanha a vida dura de três cegas cantadeiras paraibanas? ah, não?, isso não lhe atrai a atenção?, isso não lhe diz respeito? pois eu digo que elas três são a sua (minha, nossa) cara. enxergue-se quem puder. enxergue-se, se puder. enxergue-se, não vai doer tanto assim.]

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