O Ecad confecciona uma peça de defesa, o Ministério da Cultura a endossa e agora o Ministério Público Federal sugere, com base nas justificativas apresentadas pelas duas entidades, o arquivamento do processo que o próprio Ecad sofria. Parecer do procurador regional da República Luiz Augusto Santos Lima, representante do MPF no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), entende que o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição e suas associadas têm legitimidade para cobrar os direitos autorais no Brasil, podendo fixar o preço da licença, e não há necessidade de concorrência nesse setor. FAROFAFÁ teve acesso ao parecer do MPF, cujo teor traz novas revelações sobre esse intrincado jogo de poder que move a cultura brasileira. É mais um capítulo de Ana de Hollanda no país do Ecad, reportagem exclusiva publicada ontem que mostrou como o MinC vem agindo em defesa do órgão arrecadador de direitos autorais.
A representação do MPF junto ao Cade (processo 08012.003745/2010-83) foi enviado ao órgão fiscalizador no dia 7 de março, portanto menos de quatro meses após a produção do documento de defesa do Ecad (uma apresentação em Power Point). O procurador da República cita inúmeras partes do parecer técnico produzido pelo MinC, que, por sua vez, possui “semelhanças na estrutura e até no texto” com o Power Point do Ecad, conforme relatou ontem Jotabê Medeiros.
Na verdade, o MPF pediu ao ministério dirigido por Ana de Hollanda uma ajuda para embasar seus argumentos: “Também, ante as mudanças de dirigentes ocorridas, bem como a nota técnica SPDC-DDI 020, juntada aos autos por iniciativa da SDE (Secretaria de Direito Econômico), o MPF solicitou a colaboração do Ministério da Cultura, cuja posição atual em nota técnica DDE/SPC nº 039/2011, de 8 de dezembro último, diverge da apresentada.”
Trata-se não apenas de uma mudança de dirigentes (Juca Ferreira x Ana de Hollanda), mas de entendimento de gestores sobre os direitos autorais. O ex-ministro de Lula entendia que o monopólio do Ecad estabelecido em lei “não abarcaria a fixação de valores unificados”, que seria possível a existência de um mercado concorrencial com “a negociação direta dos usuários com as associações” e, por último, criticava a metodologia do Ecad de distribuir a arrecadação dos direitos autorais com base nos “repertórios mais executados”. Esses argumentos vindos do próprio governo federal motivaram a SDE a instaurar o processo administrativo, cuja representação foi feita pela Associação Brasileira de TVs por Assinatura (ABTA). A ABTA acusa o Ecad de formação de cartel e criação de barreiras para a entrada de concorrentes.
Em julho do ano passado, o Cade recebera denúncia de 101 páginas da SDE. Todas as entidades foram ouvidas pelo procurador regional da República. A pasta sob a gestão da irmã de um dos mais importantes compositores brasileiros, Chico Buarque, e sobre quem diuturnamente pesam acusações de que age alinhada ao Ecad (que representa o interesse dos compositores – e empresas editoras – quanto à execução pública de suas músicas), decidiu no dia 8 de dezembro substituir o texto anterior, da época de Juca Ferreira. Em seu relatório, que agora vem a público via FAROFAFÁ, o procurador Santos Lima cita oito vezes partes da nota técnica produzida pela atual gestão do MinC. São trechos reveladores:
“(…) o ECAD foi criado justamente para evitar disputas entre as associações de defesa dos interesses dos seus associados, objetivando a unicidade do sistema de gestão coletiva perante o usuário.”
“(…) o ECAD não se resume ao aparato de estrutura administrativa e física para a mera operacionalização das atividades de cobrança e distribuição de direitos autorais, constituindo apenas um simples birô ou guichê único de pagamento, mas trata-se desde o seu nascedouro de um centro de poder decisório das atividades de cobrança e repartição de direitos autorais decorrentes da execução pública de obras musicais, literomusicais e de fonogramas que se realiza por meio de qualquer meio ou processo.”
“O histórico da criação do ECAD, tracejado através da análise da legislação pretérita e sua regulamentação estabelecida pelas várias resoluções do Conselho Nacional de Direito Autoral – CNDA, demonstra que o gene da unificação foi a instituição de preço único para o usuário pela utilização de obras musicais, indistintamente, a ser fixado, mediante parâmetros e critérios de cobrança alcançados através do necessário consenso entre as associações que integram o Escritório.”
O MPF entende que o atual modelo de gestão de direitos autorais respeita o direito personalíssimo do artista, centraliza a arrecadação dos direitos autorais, resolve a necessidade de uma licença prévia para cada execução e libera os autores da exaustiva negociação individual de suas obras. Isso porque o sistema cria um “repertório compartilhado” (este nas mãos do Ecad, sem nenhuma regulação por qualquer instância pública, segundo legislação construída pelo regime militar) para saber o quanto se deve arrecadar e cobra-se do usuário (quem executa publicamente as músicas) uma licença por tempo determinado da execução musical.
Para o procurador regional Santos Lima, mesmo as associações que compõem o Ecad não conseguiriam atuar separadamente, o que elimina o argumento da época de Juca Ferreira. Novamente, ele recorre ao documento do MinC, sob os auspícios do governo de Dilma Rousseff, que se espelha no Power Point do Ecad:
“A unicidade de acervo de obras e fonogramas, legitimadora do sistema de gestão coletiva da música e viabilizadora do seu funcionamento (…) tão somente pode ser atingida por uma entidade centralizadora, que atuando no ápice desse sistema ostenta condições reais e efetivas de maximar a reunião, organização e representação de todos os direitos do autor.”
Em sua argumentação, além de reproduzir o discurso do MinC, o procurador afirma que o Ecad e as associações formam um microssistema que não pode ser interpretado como formador de um cartel e que eventuais falhas no repasse aos autores dos valores arrecadados pelo Ecad devem ser “averiguadas, no máximo, como irregularidades prejudiciais aos interesses trasindividuais dos autores e titulares de direitos conexos”.
Segundo o MPF, não há abusividade na fixação de valores cobrados pelo Ecad, porque os “2,5% sobre o faturamento bruto” se tornaram “um costume consolidado”, que surgiu com a primeira tabela de preços, de julho de 1977, na época do CNDA (hoje extinto). Em outras palavras, o rapper Emicida até pode reclamar na Justiça que vem recebendo quase nada de direitos autorais, mas jamais sob o argumento de que o Ecad manda e desmanda na indústria cultural. Os costumes em vigor privilegiam os autores e editores que já estão há décadas no topo das listas de mais executados, assim como esmagam emicidas, artistas novos em geral e produtores independentes.
O processo em tramitação no Cade é de valiosa importância porque abre a caixa-preta do poderoso Ecad. Embora a posição do MPF seja a favor do arquivamento da denúncia, nada impede que o conselho decida em outra direção. E, nesse caso, o escritório poderia ser condenado e obrigado a ter de mudar seu estatuto e as associações que o compõem não estariam mais em condições de fixar valores de cobrança de direitos autorais em assembleias, de forma pouco transparente.
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Ecad e Minc soam à pequenez; minha vontade de acompanhar o assunto é zero (apesar de eu acompanhar); esse assunto parece recheio de linguiça.
Claro que a expressão “recheio de linguiça” não se refere às matérias jornalísticas que aqui foram apresentadas, mas sim à totalidade da importância da questão (que filho da puta eu sou…).
Você é um “maldito”, Sidclay! Bem-vindo ao mundo em que não dá para ficar alheio!