A princípio, tudo era novidade, em 1974, quando o Ecad foi instituído pela lei 5.988. Havia um certo receio, uma vez que ninguém sabia as consequências de uma violação aos direitos autorais. Eram totalmente inusitados os procedimentos do Ecad, e a Polícia Federal era coparticipante das autorizações, relativas a roteiros musicais e liberações. No âmbito judicial, não se sabia o que poderia acontecer, pois a proteção legal era indiscutível.
Com o passar do tempo, o autor que nos anos 1970 se alegrou com a instituição do Ecad já não tinha tanta certeza dos benefícios que esse órgão poderia lhe proporcionar. Em nível político, havia outros interesses em jogo, e não somente a proteção ao direito do autor e aos que lhe são conexos.
Dessa forma, e após sucessivas intervenções do Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), o Ecad foi se enfraquecendo. O que antes intimidava os usuários agora não passava de um desgastante debate entre usuários de música e o escritório.
Judicialmente, não era tão fácil ganhar uma ação promovida pelo Ecad, pois sempre entrava em discussão a legitimidade do órgão como único arrecadador de direitos autorais, uma vez que a lei 5.988 informava que o escritório seria fiscalizado pelo CNDA. Uma vez extinto tal órgão (pelo presidente Fernando Collor, em 1990), pairava uma dúvida sobre a legitimidade do Ecad sem o CNDA. Outros pontos conflitantes também faziam parte da discussão:
– Seria o Ecad um monopólio?
– Quando o usuário reproduzia uma execução via rádio AM ou FM, e estando paga essa execução pelas emissoras de rádio e TV, não estaria configurada uma dupla cobrança?
– O Ecad é um imposto?
– Quando a utilização é gratuita e não há pretensão de lucro, ainda assim é devido o direito autoral?
– Os eventos com cunho beneficente não deveriam ser isentos de pagamento, após ser comprovado o repasse de toda a verba a alguma entidade beneficente?
Esses são apenas alguns itens de debate. Há uma infinidade deles em discussão nos fóruns de todo o país. Outro ponto de enfraquecimento do Ecad foi a extensa história de subornos e propinas praticadas pelos arrecadadores.
Na inocente pretensão de eliminar tais procedimentos, a lei 9.610, diz, de forma singela, no parágrafo 3º: “O recolhimento de quaisquer valores pelo escritório central somente se fará por depósito bancário”. E complementa com punição nos parágrafos 4º e 5º, onde se lê: “O escritório central poderá manter fiscais, aos quais é vedado receber do empresário numerário a qualquer título” e “A inobservância da norma do parágrafo anterior tornará o faltoso inabilitado à função de fiscal, sem prejuízo das sanções civis e penais cabíveis”.
Em 1987, recentemente contratado, o administrador do Ecad de São Paulo declarou em jornal de grande circulação que estava demitindo 80% do quadro funcional, por incapacidade ou por subornos, e informou que estava sendo feita uma apuração detalhada. Após a conclusão dos processos administrativos, daria nomes aos corruptos. O tempo passou. Ele continua seu trabalho, mas nunca mais se tocou no assunto.
Esses casos foram desgastando a imagem do Ecad, e o órgão foi se enfraquecendo. Levando-se em conta que 80% de um quadro funcional de uma empresa não é eficiente, como pode a empresa ser eficiente e beneficiar os titulares de direito? Isso nos leva a crer que, baseados nessa afirmação, os autores têm plena razão quando reclamam da ineficiência do Ecad.
Sabe-se também que muitos funcionários gozam de ótimos salários – os do alto escalão. Ora, se conforme a lei exige-se a organização de um escritório central sem fins lucrativos, podemos supor que muitos cargos com altos salários impedem uma administração mais elaborada. Levando-se em conta a área extensa que o Brasil possui, é óbvio que muitos lugares não serão alcançados, por falta de fiscais ou por número limitado deles, ou ainda inviabilizando ações na Justiça. Isso fará com que a arrecadação seja centralizada apenas nos grandes centros.
Outro fator de desmoralização constante é a tabela de preços do Ecad, que torna inviável a cobrança dos direitos autorais. Sempre se vê nos jornais de várias cidades do interior que em determinada festa do peão o Ecad queria cobrar X, acabou propondo Y e no fim levou Z.
Você comprou um refrigerador, mas para ter gelo ou para refrigerar precisa pagar uma taxa extra – você concordaria com isso? É assim que o promotor de eventos se sente. Uma vez que ele comprou um show de determinado artista, pagou o preço exigido. Mas o artista só pode se apresentar se o promotor pagar os direitos autorais. De que serve contratar um artista com um repertório conhecido, se ele não tem autonomia para cantar seu próprio repertório?
Se colocar no papel o custo do show de um cantor famoso, veja como fica. Cachê artístico, R$ 80 mil; hotel, refeição ônibus para 40 pessoas; um jato particular (geralmente de propriedade do próprio artista), pago pelo promotor; três carretas de equipamentos a R$ 11 o quilômetro rodado; palco; som; iluminação; três carros Omega e duas Towner. Após pagar tudo isso, o promotor descobre que o artista não tem autorização para cantar nenhuma música se ele, promotor, não pagar o direito autoral. O artista provavelmente trará público ao evento, mas isso não é certeza. Nesse caso, o promotor deverá, além de todos esses gastos, apostar em um número de pagantes que cubra suas despesas, e ainda pagar 10% ao Ecad.
Em termos práticos, não seria melhor o artista pagar pelo direito autoral de seus shows, como faz o experiente Roberto Carlos, quando se apresenta através da RC Promoções Artísticas, aproveitando ainda os descontos previstos no regulamento de arrecadação?
O que ocorre, geralmente, é que o Ecad cobra uma garantia mínima do promotor do evento e, após conferir a bilheteria, chega à conclusão de que há uma verba a ser complementada no pagamento, mas o público pagante foi muito menor do que aquele necessário para cobrir o pagamento até mesmo das despesas. É aí que se inicia a maioria das ações judiciais.
Outro fator de depreciação é o pouco valor que o Ecad dá ao ser humano, enquanto colaborador. O fato de haver tanta corrupção na cobrança dos direitos autorais deve-se aos baixos salários, à total ausência de perspectivas de ascensão profissional, à total falta de apoio para melhora do trabalho e ao medo de não conseguir uma nova colocação no mercado de trabalho. É claro que são fatores que não justificam tais procedimentos, mas há de se considerar que os valores pagos aos arrecadadores não são de forma alguma atrativos.
Por exemplo, um agente ganha 7,5% do que arrecada – a cada R$ 1.000 arrecadados, ganha R$ 75. Esse valor seria suficiente, se o agente tivesse respaldo, tal como ajuda de custo para suas necessidades básicas ou ainda um salário fixo, ou mesmo a garantia de seus direitos trabalhistas. Mas isso não acontece. Apesar de ser imoral o pagamento de apenas e tão-somente comissões, isso de forma alguma intimida o Ecad, que tem contratos com muitos agentes, pagando apenas comissão e não se importando sequer com os recolhimentos de previdência.
Sabe-se que no Brasil são mais de 2.500 ações trabalhistas em andamento, primeiro porque o órgão de forma alguma faz qualquer tipo de acordo em qualquer instância, e também porque, podendo pagar bons advogados, esses levam os processos até o fim. Aproveitam a morosidade da Justiça no país e estratégias que dificultam o recebimento, tendo até mesmo seus bens penhorados.
Ao contrário do que se imagina, que a Justiça do Trabalho é paternalista, sabe-se de muitas ações trabalhistas ganhas pelo Ecad. De forma hábil e bem elaborada, o escritório consegue maquiar o vínculo empregatício através de contratos de prestação de serviço autônomo. Como já dissemos, por não manter por muito tempo seus colaboradores, e até que o iniciante entenda as complexidades da arrecadação, muitas ocorrências desastrosas se dão.
Aqueles que se sentem lesados, como usuários permanentes e eventuais, promotores de eventos, trabalhadores autônomos, ex-funcionários, autores, intérpretes, em toda e qualquer oportunidade atacam o Ecad via imprensa, programas de televisão etc. E, o que é pior, o Ecad nunca, jamais, em tempo algum, se defende.
Talvez a ausência de defesa por parte do Ecad se deva ao fato de que ninguém em particular se sinta ofendido quando se fala mal do órgão. É diferente de uma empresa que tem proprietários, acionistas, sócios, responsáveis. Dessa forma, o direito de resposta, garantido a qualquer um que seja atacado na mídia, sempre foi ignorado pelo Ecad.
Quanto aos funcionários registrados, conheço vários que entraram no Ecad há mais de dez anos, fazem exatamente o mesmo trabalho e continuam ganhando o mesmo salário de alguém que acabou de ser contratado, sendo diferenciados apenas pelo pagamento de quinquênios.
(Nono capítulo do livro Do Outro Lado do Ecad – Tudo Sobre Direito Autoral de Música (MedJur, 2004). A autora, Sandra Véspoli, que trabalhou no Ecad desde sua fundação, autorizou a adaptação de seu trabalho por FAROFAFÁ, com o objetivo de diminuir a lacuna de literatura de referência sobre o assunto no Brasil.)
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Não tenho neurônios suficiente para entender tanta complexidade.