Algumas das mais importantes entidades do audiovisual brasileiro enviaram uma carta ao presidente Lula nesta segunda-feira, 21, acusando sabotagem deliberada no processo de negociação de um texto regulatório para o streaming no Brasil. O pior: o fogo amigo estaria abrigado dentro da própria estrutura do Ministério da Cultura (MinC) do governo Lula. As entidades pedem apuração do imbroglio.
“É inaceitável que, diante de um processo construído de forma democrática, setores do próprio governo articulem para esvaziar o texto que melhor representa o interesse público — conduzido até aqui com legitimidade e profundo conhecimento de causa pela deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ), que aprimorou o trabalho feito pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO)”. Segundo o documento, “membros de alto escalão do ministério estariam tentando dissuadir a ministra Margareth de sua posição pública de apoio ao substitutivo da Deputada Jandira Feghali“. O substitutivo foi apensado ao outro projeto em curso e a relatoria de Jandira subiu no telhado – não se sabe ainda quem será o relator da regulamentação do VoD. No centro dessa manobra, está o percentual da alíquota que irá taxar os serviços de streaming no Brasil – artistas, técnicos e produtores exigem 12% e o projeto de lei em curso fala em no mínimo 6%, mas as empresas estadunidenses articulam para que seja de apenas 3%, além de vantagens de incentivos fiscais e nenhuma contrapartida à produção nacional.
O nome do integrante do alto escalão que supostamente faz jogo duplo não é citado na carta, mas é indicada uma reunião do secretário executivo do MinC, Márcio Tavares, com integrantes da STRIMA, associação que representa as maiores plataformas de streaming do País. A reunião foi objeto de reportagens na Folha de S.Paulo (18/07/2025) e no site Simplificando Cinema (19/07/2025) – a redatora deste último texto teria sido ameaçada de processo judicial por integrante do MinC. “Nessa reunião, o Ministério teria recebido propostas para reduzir drasticamente as obrigações das plataformas, propostas que, segundo informações, foram bem acolhidas pela pasta. Tal atitude, em meio à ofensiva retaliatória do presidente Trump contra o Brasil, afronta nossa soberania e ignora todos os pactos anteriores com o setor audiovisual”, diz o documento. “Caso confirmado, isso configura grave quebra de confiança e abandono da missão de proteger os interesses econômicos do setor audiovisual e a soberania cultural do país”.
LEIA ABAIXO A ÍNTEGRA DA CARTA DO SETOR AUDIOVISUAL:
Por um Brasil Soberano e Audiovisual Forte: Carta Aberta ao Presidente Lula
Brasil, 21 de julho de 2025
Ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva
Ao Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República, Geraldo Alckmin
À Excelentíssima Senhora Ministra da Cultura, Margareth Menezes
Ao Excelentíssimo Ministro Chefe da Casa Civil, Rui Costa
À Excelentíssima Ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffman
Assunto: Indignação e Urgência — Soberania Nacional em risco na Regulamentação das Plataformas de Streaming no Brasil
Excelentíssimo Presidente,
Nós, entidades do setor audiovisual brasileiro, saudamos o posicionamento do Presidente
Lula sobre a taxação do Vídeo sob Demanda (VOD) e das Big Techs no país — um farol de
esperança para um setor que há quase 14 anos aguarda regulação . Contudo, em descompasso
com essa postura firme da Presidência e diante de ameaças e lobbies estrangeiros, causa-nos
indignação e preocupação os movimentos dissonantes no Ministério da Cultura, que ameaçam desvirtuar essa conquista histórica.
Vimos, por meio desta carta, manifestar perplexidade. No momento em que Vossa Excelência
corajosamente afirma a soberania do Brasil frente a ataques e chantagens externas, é alarmante constatar a suposta acolhida, por parte do Ministério da Cultura, de pressões das big techs. Enquanto o setor audiovisual clama por um projeto soberano, o MinC tem se posicionado de forma ambígua em relação à regulação das plataformas — um projeto anti-nacional, que atinge diretamente o que temos de mais valioso: a produção independente e a soberania cultural.
É inaceitável que, diante de um processo construído de forma democrática, setores do próprio governo articulem para esvaziar o texto que melhor representa o interesse público — conduzido até aqui com legitimidade e profundo conhecimento de causa pela deputada Jandira Feghali, que aprimorou o trabalho feito pelo senador Eduardo Gomes.
O audiovisual brasileiro exige coerência e compromisso. Não se pode enfrentar a chantagem
externa com submissão interna. O Ministério da Cultura não pode se tornar uma trincheira de
interesses contrários à regulação. Reportagens da Folha de S.Paulo (18/07/2025) e do site Simplificando Cinema (19/07/2025) revelaram uma reunião entre a STRIMA — associação que representa os maiores serviços de streaming no Brasil — e o MinC, realizada fora da agenda oficial. Nessa reunião, o
Ministério teria recebido propostas para reduzir drasticamente as obrigações das plataformas,
propostas que, segundo informações, foram bem acolhidas pela pasta. Tal atitude, em meio à
ofensiva retaliatória do presidente Trump contra o Brasil, afronta nossa soberania e ignora
todos os pactos anteriores com o setor audiovisual.
Causa-nos ainda mais indignação a notícia de que membros de alto escalão do Ministério
estariam tentando dissuadir a Ministra Margareth de sua posição pública de apoio ao substitutivo da Deputada Jandira Feghali. Caso confirmado, isso configura grave quebra de confiança e abandono da missão de proteger os interesses econômicos do setor audiovisual e a soberania cultural do país.
Também preocupam as informações sobre manobras para retirar a deputada Jandira Feghali da relatoria do Projeto de Lei (PL) 2.331/2022, de autoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), com relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO), articuladas por lobbies das
plataformas e setores do próprio governo. É fundamental que o governo atue para manter a
relatoria com parlamentares substancialmente conhecedores da matéria audiovisual e por
setores da produção, distribuição e exibição independente.
O vasto mercado consumidor brasileiro gera lucros astronômicos para plataformas estrangeiras, com remessas integrais de recursos ao exterior — uma verdadeira sangria. Somos o segundo maior mercado do mundo para essas empresas. A regulamentação do streaming, com a destinação da arrecadação à produção independente, criará um ambiente
econômico ainda mais potente, em uma atividade responsável por adicionar quase R$ 27 bilhões à economia e gerar mais de 300 mil empregos diretos, sendo a indústria que mais emprega jovens até 29 anos. Trata-se de um imperativo de equidade fiscal e soberania nacional — essencial para equilibrar o campo de jogo. Nossa proposta é clara: CONDECINE mínima de 6%, calculada sobre a arrecadação bruta,
conforme relatório da Deputada Feghali, com manutenção da garantia de propriedade intelectual (e poder dirigente) dos conceitos consagrados na MP 2.228-1/2001 (SEAC) e na Lei 12.485/2011 (TV por assinatura), pilares que sustentam a obra e a produtora brasileira independente.
Em um ano de resultados tão importantes, no qual nossas obras colocaram o Brasil em destaque nos maiores eventos do mundo (celebrados, inclusive, por vossa excelência), proporcionando ao país enorme projeção internacional e demonstrando o valor
inestimável da produção audiovisual brasileira, não podemos responder com uma Regulação que, além de tardia, denote postura de entreguismo e vassalagem às Big Techs atuantes no país.
A única postura esperada pelo setor é que o governo de Vossa Excelência reforce a afirmação
de uma indústria audiovisual soberana, que a Exma. Ministra Margareth Menezes atue em
plena consonância com as premissas que elegeram este governo, que o Ministério da Cultura, Ministério do Desenvolvimento e Comércio, Secretaria das Relações
Institucionais, ANCINE não recuem diante da missão fundamental de proteger a soberania cultural e honrem os compromissos assumidos com o setor e com os interesses de nosso país.
Presidente, Vossa Excelência tem autoridade moral — por tudo o que já fez em prol do cinema brasileiro — e política para reconhecer: a taxação do streaming não é apenas uma medida econômica, mas um ato de soberania. Diante das denúncias veiculadas pela imprensa, reivindicamos uma apuração rigorosa dos
fatos e da eventual existência de acordos prévios que ameaçam nossa soberania audiovisual. Reivindicamos a integridade de um projeto construído com base no diálogo com a sociedade e na luta histórica do setor pela sua soberania em seu próprio território, que
data desde a década de 1930. Não podemos aceitar que interesses estrangeiros, aliados a manobras internas, imponham silêncio à produção cultural brasileira.
Reivindicamos que Vossa Excelência trate a regulação do streaming como prioridade absoluta. O momento exige coragem e compromisso. A cultura brasileira não pode tornar-se refém de interesses externos e nocivos ao desenvolvimento e fortalecimento de nossa
indústria – potente, diversa e inclusiva. O Brasil precisa hoje da sua liderança! Nossa soberania audiovisual pode ser uma importante marca de seu governo, aliado de países que estão praticando a proteção de seus mercados audiovisuais. Instamos a que Vossa excelência e a Ministra Margareth Menezes proporcionem ao Brasil uma regulação que reitere e amplie nossa potência e relevância para o mundo
Não há desenvolvimento soberano sem cultura. E não há cultura viva sem políticas públicas que a protejam. O que está em jogo não é apenas um projeto de lei — é o futuro da nossa voz, da nossa imagem e da nossa identidade.
Pedimos a imediata apuração dos fatos, e uma posição pública clara do governo, sobre o projeto de audiovisual que defende. Confiamos na altivez e coragem do Governo Lula rumo à afirmação de nossa soberania neste momento histórico ímpar.
Atenciosamente,
ABRACI – Associação Brasileira de Cineastas
ABRANIMA – Associação Brasileira de Empresas de Animação
APACI – Associação Paulista de Cineastas
API – Associação das produtoras independentes do audiovisual brasileiro
ABRA – Associação Brasileira de Autores Roteiristas
APRO – Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais
CONNE – Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte, Nordeste
SIAESP – Sindicato da Indústria do Audiovisual do Estado de São Paulo