O estereótipo do turista é invariavelmente representado pelo japonês, de câmera pendurada no pescoço, a fotografar e filmar tudo o que vê pela frente – com o advento dos smartphones as feições nipônicas deixaram de dominar tal estereótipo, sobretudo em shows de música, que a grande maioria das pessoas já não assiste com os próprios olhos, mas através das telas dos telefones.
Talvez isso não tenha sido determinante, mas deve ter ajudado a empurrar o cineasta Marcos Yoshi, um sansei que resolve contar a história da própria família no documentário “Bem-Vindos de Novo” (Brasil, 2023, 105 minutos) – o “filme foi desenvolvido ao longo da pesquisa de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA-ECA-USP)”.
“Bem-Vindos de Novo” é um vertiginoso, criativo e ousado exercício de tentar restabelecer os vínculos afetivos de uma família em que os pais (Roberto Shinhti Yoshisaki e Yayoko Furukawa Yoshisaki) se viram obrigados (por mais de uma vez) a ir ao Japão tentar a vida, garantir o sustento e o futuro dos filhos, que ficam no Brasil, aos cuidados dos avós – a primeira ida deveria durar dois anos e mais de uma década acaba se passando.
O diretor e roteirista Yoshi tem duas irmãs (Cintya Thayse e Nathalie Cristine) e o filme acompanha a saga familiar desde que seus pais atuavam na distribuição de importados – a “muamba” paraguaia que fez muitos brasileiros felizes durante o auge do Plano Real, em meados da década de 1990, talvez a origem das primeiras câmeras que registraram as fotos e vídeos de arquivo utilizados no filme – até o regresso ao Japão e o nascimento de Lorena Yoshisaki Pinzon, sobrinha do cineasta, marco que poderia estabelecer um novo momento nas relações familiares, marcadas subliminarmente por culpa e abandono.
O processo de realização do filme é, ao mesmo tempo, seu making of, com Yoshi eventualmente “dirigindo” os pais (e a avó Mitsue Furukawa) em alguns momentos, sem perder a essência realista que convém a um documentário. O filme leva o espectador a reflexões sobre a necessidade de sustentar a quem se ama e os limites para o alcance destes objetivos, num estranho paradoxo que parece indagar também como sustentar o amor à distância – fotos e VHSs, antes do advento da internet, não resolviam a equação, que se completa com a aversão desenvolvida pelos filhos por natais e festas de fim de ano.
Em tempos de narcisismo exacerbado em redes sociais, Yoshi toca em feridas, na tentativa de entendê-las e superá-las; cru, por vezes soando cruel, sem poupar ninguém – chega a afirmar que, na escola, declarava-se órfão de pais vivos em conversas com amigos –, em busca da reconstituição dos fatos, enquanto tecido da própria vida.
Serviço: “Bem-Vindos de Novo” (documentário, Brasil, 2023, 105 minutos). Direção de Marcos Yoshi. Estreia dia 15 de junho nos cinemas.
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