Na peça Dos Prazeres, a atriz Maristela Chelala interpreta imigrante brasileira que tem uma nova chance
Maria dos Prazeres está morta, mesmo estando viva. Pois é assim que essa brasileira se sente, aos 76 anos. Manauara que migrou há décadas para Barcelona, na Espanha, a protagonista não só tem poucos prazeres, como ainda sonhou com algo que julga premonitório: ela vai morrer em breve. E passa a se dedicar aos preparativos do que seria um sepultamento digno. Ensina até seu cão de estimação a chorar diante de sua futura lápide.
Mas Dos Prazeres, sobrenome da personagem que dá nome ao monólogo em cartaz no Sesc Vila Mariana, terá uma nova chance quando percebe que não é ela, Maria, quem está morrendo. O país em que escolheu viver, a Espanha subjugada pela ditadura do general Franco, é que morre sufocada pelo autoritarismo político. Com direção de Ivan Andrade e dramaturgia de Ivan Marsiglia, o espetáculo se situa entre a ficção e a realidade, com um agradável resultado ao final.
A peça tragicômica é baseada na história Maria dos Prazeres, do livro Doze Contos Peregrinos, de Gabriel García Márquez. Na obra, o escritor colombiano costura pequenas narrativas que têm em comum o fato de mostrar a vida de peregrinos latino-americanos pela Europa, o Velho Continente. Ao longo da vida, Gabo fazia anotações soltas e sem necessariamente saber se elas iriam resultar em um projeto literário.
Maristela Chelala dá vida a Maria dos Prazeres a partir de uma construção que flerta com o teatro de depoimentos. Nesse tipo de espetáculo, a história pessoal dos artistas entra em cena. A atriz também nasceu no norte amazônico e, tal como a solitária Maria, tem um trauma com a água. Ela conta da perda da mãe, afogada, e anos depois do pai, em um acidente de carro.
No início e até o meio da encenação, Maristela marca insistente e acentuadamente a distinção entre a sua história e a de sua personagem. Também faz as vozes de outros papéis menores. Mas a atriz brilha ao assumir as rédeas do destino da protagonista, visível no timing perfeito na cena que tem como fundo American Pie (cantando, esse será o dia em que eu morrer), de Don McLean. Ali, descobrimos, que muitas vezes é possível viver mesmo quando todos acham que estamos mortos.
Em um texto recortado de referências históricas, como a do sindicalista e revolucionário anarquista espanhol Buenaventura Durruti, Dos Prazeres é também um convite à reflexão sobre o presente. O Brasil vive sua particular morte em vida.
Eduardo, vc finaliza sua análi se da peça com a mesma sensação que tive no começo de sua fala: somos todos uma Dos Prazeres nesse Brasil. Que pena sinto por não assistir à peça! Que pena sinto dessa vida em morte (ou morte em vida) desse Brasil desgovernado.