O espetáculo Os Um e os Outros assume a apropriação de um discurso que não pertence aos atores, mas que deveria ser preocupação de todos. Afinal, indígenas e não-indígenas, somos todos responsáveis pela sobrevivência do País. A Cia Livre, em parceria com a Cia Oito Nova Dança, traz à cena do Teatro da Universidade de São Paulo (TUSP) uma montagem sobre a luta dos povos indígenas na perspectiva brechtiana, em outra obra de fusão que reestreia em São Paulo.
Sob direção de Cibele Forjaz, a performance transcreve Os Horácios e os Curiácios, alegoria escrita por Bertolt Brecht como resistência à supremacia do nazismo na Alemanha nos anos 1930. Mais que resistir, a hora é de guerrear. Na fábula de Brecht, os Curiácios invadem as terras dos Horácios, que, a muito custo, em minoria e com menos poderio bélico, conseguem derrotar o inimigo.
Desde 2013, o Brasil vive uma polarização de “nós contra eles” que resulta numa disputa desmedida e sem vencedores. A montagem praticamente lê a obra original de Brecht, mas fazendo-a ganhar novo sentido na luta empreendida pelos povos indígenas contra o comando dado pelo curiácio Bolsonaro para invadir e explorar seus territórios. Vídeos atualíssimos, apresentados durante a performance como o do impactante depoimento de Sonia Guajajara, complementam a transcrição narrativa que dá forma a esse processo de destruição em curso da Amazônia.
No palco, Guaranis M’Bya, da Terra Indígena Tenondé-Porã, de Parelheiros, marcam presença, participando vez ou outra de alguma cena ou com a dança típica do xondaro. A justaposição da batalha imaginada por Brecht pelos contrarrevolucionários ao nazismo com a dos povos indígenas no País poderia soar forçada, não fosse o fato de que ela é necessária e real.