Torsten Schmidt em Tóquio, em outubro do ano passado.
Foto: Moi Même
Torsten Schmidt é alemão de Colônia e torce pelo Kaiserslautern. Lembra de um único brasileiro que jogou por lá: Everson Ratinho. “Não temos dinheiro para comprar os brasileiros bons”, brinca ele, que sabe um pouco do que está falando: foi ele a mencionar que Pelé, Neymar e Robinho saíram do Santos, por exemplo, e não eu, santista quase fanático.
Converso com Torsten por pouco mais de uma hora em um café no centro de SP, a convite dele mesmo. A última vez que o tinha visto foi em Tóquio, mediando um debate – mas não o reconheci, lá ele estava mais formal. Entretanto, eu o fotografei pilotando um workshop de Harold Feltermeyer (o cara que compôs o tema de Um Tira da Pesada).
Torsten e seu sócio, Many Ameri, foram incluídos no ano passado na lista das 50 Pessoas Mais Importantes da Música Eletrônica pela revista Rolling Stone americana. O motivo: eles criaram e conduzem a Red Bull Music Academy (RBMA). “O que começou como um lance esperto de marketing para o ubíquo drinque de nightclub cresceu e se tornou uma plataforma educacional e um novo caminho para o negócio da música em desenvolvimento”, comemorou a revista. Torsten nem se lembrava da menção, ele diz que esses tipos de listas geralmente servem apenas para que as pessoas possam rir umas das outras de tempos em tempos.
“Nós tentamos oferecer os meios e dar condições para artistas muito inovadores produzirem e colocarem sua obra em circulação. Artistas que, de outro modo, não teriam como fazer isso”, resume.
Mais que isso: surgidos em 1998, os workshops, residências artísticas e jams de estúdio promovidos pela RBMA (que não é um lance aberto, funciona apenas para convidados, escolhidos a dedo pelos produtores e curadores) já tiveram como alunos figuras hoje consagradas da música, como Flying Lotus e o soul singer Aloe Blacc. Entre seus “professores”, figuraram os nomes de Giorgio Moroder, Nile Rodgers e Brian Eno. Fornecem estúdio e recursos eletrônicos para gravações.
Eles realizam suas conferências em sedes em diversas metrópoles do mundo, como Tóquio, Paris, Nova York e São Paulo. Aqui no Brasil, a RBMA foi feita pela última vez em 2002. Os encontros anuais são em uma das sedes da Red Bull, para as quais eles levam pelo menos duas centenas de pessoas para ouvir, ver, debater, perguntar. Fui a Tóquio, e lá encontrei o capixaba Silva, que participou como aluno. Na semana seguinte, quando eu já teria ido embora, chegaria o Daniel Limaverde, do Rio de Janeiro. A próxima conferência RBMA será em Paris, em outubro.
O que Torsten queria comigo? Ouvir, apenas ouvir. Sua estratégia de prospecção de nomes o leva a contatos e conversas com músicos, produtores e jornalistas do mundo todo. Busca coisas que sejam extremamente novas e instigantes, mas sabe que não está fácil achar isso. Eu lhe disse que acho que vivemos, entre novas bandas, em um momento altamente derivativo: quase todo mundo está copiando bandas neoprogressivas como o Tame Impala. “Se você vai a Londres ou Berlim ou Nova York, o problema é o mesmo”, ele diz, não demonstrando muita preocupação nem pressa. Como se concordasse com Belchior: “O novo sempre vem”.
Conversamos sobre a perspectiva histórica da música brasileira (fora da esfera da influência tropicalista) e ele demonstrou gosto em ouvir sobre a Lira Paulistana, Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé e também sobre Fellini, Harry e Violeta de Outono.
Eu acho, e disse isso a Torsten, que a iniciativa da RBMA é única atualmente. Lembraram ali na mesa que há o projeto Rumos do Itaú Cultural, que é realmente bacana, mas não tem a abrangência e o despojamento do lance dos gringos. Eu me lembrei das Bolsas Vitae, que tinha uma pegada parecida, mas foram extintas há alguns anos.
Mais não vou dizer. A RBMA é um funil, um caminho extremamente apertado, mas os novos artistas da música que ainda pensam em termos de invenção têm ali uma luzinha. Ou para fazer ou para presenciar. O capital faz muito dinheiro, mas devolve pouco à sociedade – especialmente aqui no Brasil.
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