Na batalha da regulação do streaming, o terreno ainda é movediço

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O secretário Márcio Tavares e dirigentes do MinC e associações do audiovisual em reunião nesta terça (Foto: Ascom MinC)

Em se tratando do assunto streaming, o Ministério da Cultura (MinC) age um pouco como O Médico e O Monstro do romance de Stevenson: aos olhos públicos, tenta se passar por um valente guerreiro defendendo a ferro e fogo a soberania nacional; no privado, soa como um hesitante negociador pronto a entregar seu precioso tesouro ao invencível adversário a qualquer momento.

Após reunião realizada nesta terça-feira, 22, sob coordenação do secretário executivo do Ministério da Cultura, Márcio Tavares (e participação do do Secretário de Direitos Autorais e Intelectuais do MinC, Marcos Souza, e do diretor presidente da Ancine, Alex Braga Muniz), o MinC divulgou uma assertiva nota oficial na qual reafirma seu apoio irrestrito ao projeto substitutivo apresentado pela deputada federal Jandira Feghali (PC do B-RJ), relatora do PL nº 2.331/22 – que estabelece cobrança de 6% de Condecine das plataformas estrangeiras que operam no Brasil, além de 10% de cota de tela na programação dessas big techs, proteção integral da propriedade intelectual e foco central na produção independente brasileira. “Estas diretrizes estratégicas foram construídas com base no interesse público e na defesa da indústria audiovisual nacional, não se tratando de posições circunstanciais, mas de compromissos estruturantes”, diz a nota oficial.

Entretanto, durante a reunião de hoje, as convicções não se mostraram assim tão irremovíveis. “Porque assim, do jeito que tá (o projeto de lei 2.331/22), tá muito difícil. Do jeito que tá, tá muito difícil. É assim, até que a gente bole alguma estratégia parlamentar que consiga superar os obstáculos que estão colocados, né? A gente tá com uma dificuldade para levar diante esse PL (Projeto de Lei)”, disse um dos representantes do governo presentes à reunião. A manifestação se deu em reação ao posicionamento de uma das 13 entidades presentes (participaram federações, associações e sindicatos do setor audiovisual) exigindo firmeza no que se está reivindicando. “Então, é melhor nenhuma regulação, se não for do jeito que o setor quer, é isso? É isso que vocês defendem? Eu não preciso dessa resposta agora, eu acho que vocês precisam amadurecer essa questão, sabe?”, afirmou o dirigente do MinC.

O “jeito que o setor quer” é uma regulamentação que não seja de circunstância, já que as regras que serão adotadas face ao mercado do audiovisual valerão para sempre, não por uma temporada apenas. Também se trata de um posicionamento dos profissionais que produzem o audiovisual mais celebrado do mundo no momento (o cinema brasileiro, ganhador do Oscar e de centenas de prêmios internacionais), trabalhadores da área, e em relação a uma situação que já se arrasta por 15 anos, portanto longe de serem caprichos os 12% que são reivindicados pelas entidades. “Como fazer de agora em diante em face das posições que estão sendo colocadas na mesa, inclusive da Strima; como é que se debate esse assunto com o setor?”, ponderou o representante da cultura governamental. Strima é uma nova associação de lobby criada recentemente no Brasil justamente para atuar nesse cenário de pré-regulamentação (e que reúne algumas das principais plataformas de streaming de conteúdo audiovisual do país, gigantes como Disney+, Max, Netflix e Prime Video). A posição da Strima, evidentemente, situa-se no extremo oposto dos interesses dos produtores de conteúdo nacionais – começando por preconizar uma taxação próxima da irrelevância, em torno de 3%, sem garantias de cota de conteúdo nacional em sua programação e ainda por cima com a garantia do usufruto de incentivos fiscais que destinam-se à produção independente brasileira.

A reunião desta terça-feira, por conta desse clima de sutil enfrentamento, decorreu um pouco nessa teia de contradições. O motivo do encontro deu-se, obviamente, mais em função da necessidade que o secretário executivo do ministério, Márcio Tavares, tinha de responder à acusação de que foi objeto – ele tornou-se foco de reportagens em alguns veículos de imprensa nos últimos dias por supostamente demonstrar uma proximidade maior com os interesses da Strima do que do audiovisual brasileiro. Tavares, de fato, demonstrou estar “mordido”: “Aqui no ministério ninguém trabalha fazendo acordo prévio, ninguém trabalha fazendo movimentos por trás, ninguém aqui tá operando por trás da ministra (Margareth Menezes)”, defendeu-se, anunciando um processo contra a jornalista de um site por conta das ilações. “Então queria dizer para vocês que, da minha parte, eu estou indignado, eu vou buscar todos os meios políticos, todos os meios técnicos, todos os meios jurídicos para defender a minha integridade, porque isso não tá em negociação nesse momento”.

A ministra Margareth Menezes está em férias (a secretária do Audiovisual, Joelma Gonzaga, está hospitalizada na Bahia). Tavares, ministro interino, está em campo em diversas frentes, e não apenas tentando minorar os efeitos de seu presumível comportamento ambíguo na condução das políticas do audiovisual. Age buscando um providencial apoio de prestígio, e principalmente nos bastidores: nesta quinta-feira, 24, às 19 horas, ele será o anfitrião de um jantar para artistas seletos oferecido pela presidente de Conteúdo e Programação da Empresa Brasil e Comunicação (EBC), Antonia Pellegrino. “É uma oportunidade de diálogo, esclarecimentos e atualização sobre o andamento das coisas neste conturbado 2025”, diz o convite. A questão é de representatividade: o audiovisual brasileiro não pode ser um assunto restrito à visibilidade e ao trânsito entre o Leblon e o Jardim Europa.

O mercado brasileiro de streaming tem uma previsão de alcançar 85 milhões de assinantes em 2028, com receitas superiores a 30 bilhões de reais. A diferença de uma taxação de 6% para 3% pode resultar num prejuízo expressivo (ou num ganho providencial) para os cofres públicos. Se estão achando espinhoso negociar com os estadunidenses o tarifaço imposto de 50% ao Brasil por Donald Trump, saibam que está parecendo muito mais difícil o Brasil se convencer da necessidade urgente de taxar em menos de 2 dígitos as empresas estrangeiras que exploram o mercado de streaming aqui no País, e que hoje não pagam nem um centavo.

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